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21 DE JANEIRO DE 1983 1249

sáveis -, uma última gota de água faltava para fazer transbordar a taça.
A administração dos Estaleiros de São Jacinto, entidade que há 35 anos vinha assegurando a ligação com Aveiro através de uma carreira de lanchas -inicialmente prevista para transporte dos seus trabalhadores, mas de que se vinha servindo desde sempre a população em geral -, fez cair essa gota de água, suspendendo a carreira a partir de 1 de Janeiro, invocando para tanto o estado de decadência das lanchas e o carácter não obrigatório do serviço prestado.
A ir por diante esta decisão da administração dos Estaleiros, de que modo transportariam os pescadores o peixe pescado para a lota de Aveiro, de que modo chegariam da cidade os géneros - carne, leite, legumes frescos - à população de São Jacinto, por que meio os estudantes e trabalhadores residentes em São Jacinto alcançariam as aulas e postos de trabalho na cidade?
A resignação, essa tão celebrada madre de virtudes de que os piedosos governantes actuais gostam de lançar mão quando ainda não se recomenda o recurso à polícia -, deixou de morar em São Jacinto.
Aliás, a resignação mora cada vez menos em Portugal. E as razões nenhum de nós as ignora. Os problemas agravam-se por todo o lado, na proporção directa da incapacidade do Governo e das forças que o apoiam. Em muitos casos vivem-se situações de verdadeira ruptura, pondo em jogo interesses vitais de populações inteiras.
Foi isso o que se passou em São Jacinto.
E, em boa verdade, quem, de entre nós, pode ignorar a justeza da sua luta?
Ferida na sua dignidade e ameaçada de estrangulamento, a população de São Jacinto resolveu tomar em suas mãos o seu próprio destino. E fê-lo de forma exemplar: organizada, pacífica e solidariamente, com a consciência clara de que esse era o último recurso, tomou o cais e, concentrando-se junto à saída da estrada que liga São Jacinto com Ovar, impediu o movimento de veículos.
Aí, nesses 2 pontos, se jogava, se joga, de facto, a sobrevivência deste povo. Por aí circula toda a seiva que o anima. Isso mesmo compreenderam as muitas dezenas de camionistas retidos e trabalhadores dos Estaleiros, que foram os primeiros a dar o seu apoio a esta forma de luta porque eles sofrem também as consequências directas deste estado de coisas, particularmente os utentes da estrada que atingiu o ponto da deterioração absoluta.
Assinale-se, desde já, que a reparação da estrada e a sua ampliação são reivindicações antigas da população e, pelo menos de há 6 anos a esta parte, têm sido feitas promessas sucessivas nesse sentido pelas respectivas autoridades.
Durante toda a noite e todo o dia, ao longo de 19 horas, se manteve a população inabalável nas duas frentes de luta, nunca cedendo ou hesitando; bem pelo contrário, reforçando a solidariedade e a entreajuda, como é timbre das gentes marinheiras quando a razão lhe assiste, mas tarda em ser-lhes reconhecida.
E saíram reforçados dessa luta os habitantes de São Jacinto, porque os objectivos que tinham em vista acabaram por ser reconhecidos pelas entidades responsáveis que se sentaram à mesa das negociações.
Efectivamente, a administração dos Estaleiros de São Jacinto repôs a carreira das lanchas com ligações até Aveiro e não apenas até ao Forte da Barra, como era seu intento.
Ficou, entretanto, entendido que esta não é a solução definitiva. Essa será encontrada quando o transporte pela ria, entre Aveiro e São Jacinto, for assegurado por um serviço público, naturalmente a cargo da Câmara Municipal de Aveiro, solução essa tanto mais urgente quanto a frota dos Estaleiros, demasiado envelhecida, oferece alguns riscos de segurança e cumulativamente péssimas condições de conforto, pese embora o lenitivo que a paisagem constitui para quem passeia - situação que não é, obviamente, a dos utentes ordinários das lanchas.
Quanto ao segundo objectivo - alargamento e reparação da estrada de São Jacinto, cuja urgência só está em condições de compreender quem por lá tenha passado recentemente -, há um compromisso tomado pelo presidente da Direcção de Estradas do Distrito de Aveiro, que participou nas negociações, no sentido de acelerar o lançamento do velho projecto em estudo há 6 anos.
Com esse propósito, foi marcada, no âmbito das negociações com representantes da população, uma reunião em Lisboa com o Presidente da Junta Autónoma de Estradas, a qual estaria agendada para a semana passada, mas que não se realizou -o que é já de mau agoiro-, transitando para a semana em curso.
Veremos se as promessas feitas são finalmente cumpridas. Uma certeza devem, porém, guardar os responsáveis: a população de São Jacinto, fortemente mobilizada e alicerçada em boas e decisivas razões, cumpre o que promete. E o que promete é aprofundar a luta se se sentir traída de novo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a luta do povo de São Jacinto merece a nossa inteira solidariedade porque é uma luta, afinal, por condições mínimas de sobrevivência; é uma luta pelo pão, pelo peixe, pela escola e pela dignidade, também; não se retira impunemente um barco a um povo isolado quando esse barco é a condição de sobrevivência, Srs. Deputados!
Gestos como este têm um nome: chamam-se provocações. E quem os assume deve merecer a mais firme condenação pública. É isso o que hoje aqui fazemos com a maior veemência.
Procedimentos como este - abusos do poder, atropelos, desrespeito absoluto pelos direitos das populações e dos trabalhadores - são hoje moeda corrente no distrito de Aveiro, como, de resto, em todo o País, em consequência directa da política antinacional e criminosa que o governo AD vem executando e, apesar de tudo, prosseguindo. Basta olhar para o interior de grande número de empresas do distrito, como a Paula Dias, a Metalomecânica, a Metalurgia Casal, a Joinal, a Handy e tantas outras, para nos apercebermos de como o grande patronato aproveita até ao último momento o apoio incondicional que lhe dá este governo em benefício exclusivo dos seus interesses.
Desde o não pagamento de salários em tempo útil até ao não reconhecimento dos direitos sindicais, passando pelo desconto dos dias de doença e pelo controle das idas aos sanitários, pelos castigos aos trabalhadores que se recusam à prestação de trabalho extraordinário, tudo serve para cevar a gula exploradora do patronato AD.
De resto, os Srs. Deputados devem ter recebido oportunamente um comunicado da União dos Sindicatos de Aveiro, onde um rol extensíssimo de atropelos vem registado. Desse comunicado salienta-se a discriminação sobre trabalhadores que participam em plenários - como é o caso, por exemplo, na Corticeira Amorim, na Amorim e Irmãos, na Enacor, na Adiço; salientam-se