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17 DE OUTUBRO DE 1984 37

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de pegar nas palavras da Sr.ª Deputada Margarida Salema e dizer que elas têm toda a razão de ser.
Mas eu diria mais: diria que o poder do Sr. Presidente nesta matéria tem que ser sempre visto à luz de um princípio, que é o favor que deve ser sempre concedido às iniciativas dos Deputados e do Governo.
Acontece que, como disse a Sr.ª Deputada Margarida Salema (e muito bem!), esta disposição foi tripudiada no Regimento da antiga Assembleia Nacional. No entanto, ela tem origem no direito constitucional anglo-saxónico.
Em primeiro lugar, representa uma afirmação do sistema parlamentar quando é exaltada, no sentido exacto da palavra, a assembleia parlamentar como elemento de controle prévio da constitucionalidade.
Em segundo lugar, essa deve ser uma norma - e neste ponto chamo a atenção para a prática desta Casa - de apresentação ou de utilização mais do que excepcional.
Em terceiro lugar, é vista, também na tradição anglo-saxónica, menos como uma forma de defesa da Assembleia quanto aos projectos de lei e mais como uma forma de defesa da Assembleia quanto às propostas de lei. Há, aliás, regimentos consuetudinários - e para não errar não os vou citar - de diversas assembleias, nomeadamente inglesas, onde só se aplica esse direito às propostas de lei, isto é, às propostas que são oriundas do Executivo, e não às propostas dos deputados.
Penso, sinceramente, que deve haver um debate prévio, o qual, como sublinhou o Sr. Deputado José Magalhães (e, neste ponto, bem!), está na lógica do que foi decidido pela Comissão. Com efeito, ao introduzir o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, a Comissão deu um grande passo em frente, até porque a questão constitucional é uma questão essencialmente técnico-jurídica.
Mas, se prescindíssemos do debate, introduziríamos uma figura regimental que só tem um exemplo: os requerimentos. Estes são os actos ou decisões da Assembleia que não têm qualquer debate, porque fixam os termos normais do seguimento do debate.
Ora, penso que, sem modificar totalmente a teoria do que deve ser uma assembleia parlamentar, tem que haver um debate.
Por outro lado, se não houvesse debate, dificilmente, na prática e também na teoria, se justificaria uma declaração de voto, porque esta referir-se-ia não ao debate travado na Assembleia, mas ao debate travado na Comissão. Emergira, portanto, do próprio debate da Comissão.
E eis como, depois de um debate construtivo e positivo, em que se desenvolveram, essencialmente, as decisões, no meu ponto de vista, sabiamente tomadas na Comissão, penso que é possível chegar a um mais largo consenso numa questão capital deste Regimento.
Oxalá que o debate amplamente travado até esse momento tivesse sido desenvolvido com o mesmo espírito com que este o foi.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra para intervir, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Salema.

A Sr.ª Margarida Salema (PSD): - Sr. Deputado José Luís Nunes, um pouco para continuar este debate, gostaria de aduzir um novo elemento que há pouco não tive ocasião de referir. Obviamente que não vou insistir na minha posição pessoal, mas, em todo o caso, gostaria que ela ficasse registada.
As questões de inconstitucionalidade, como todos sabem, podem viciar parte ou todo um diploma. Assim, as iniciativas legislativas podem enfermar de vários tipos de inconstitucionalidade: orgânica, formal ou material.
Se enfermarem de inconstitucionalidades materiais - e há pouco o Sr. Deputado José Magalhães referiu aquelas inconstitucionalidades grosseiras que ponham em causa, por exemplo, o princípio da forma republicana de governo ou outros princípios -, haverá muitas vezes dificuldade em se chegar a uma posição no sentido de saber se, de facto, há ou não inconstitucionalidade. Isto acontece com todos os órgãos de fiscalização de constitucionalidade em qualquer país. Muitas vezes é difícil apurar e verificar inconstitucionalidades de tipo material.
Em qualquer caso, todos temos a noção perfeita de que há questões de inconstitucionalidade que acabam por se transformar em questões de natureza eminentemente política. E porquê? Porque a Assembleia da República, independentemente de uma iniciativa legislativa determinada, pode persistir e continuar a querer um diploma inconstitucional.
Ora, a nossa Constituição prevê precisamente que, no caso de a Assembleia ou de o Governo - mas neste caso estou apenas a considera Assembleia - aprovar uma lei que seja manifestamente inconstitucional (ela pode até padecer de inconstitucionalidade grosseira), e tendo sido vetada pelo Presidente da República face a uma declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, em relação à qual ele tem a obrigação de vetar o diploma, o que é óbvio e como todos sabem, mesmo assim a Assembleia tem a possibilidade de superar esse veto através de uma determinada maioria qualificada em ordem a fazer prevalecer um diploma que foi considerado inconstitucional.
Portanto, mesmo perante um juízo de inconstitucionalidade do órgão fiscalizador, mesmo perante o veto do Presidente da República, perante um veto motivado por razões de inconstitucionalidade, a Assembleia da República pode entender - a Constituição permite que isso se verifique - fazer sobrelevar o seu juízo político a qualquer juízo de inconstitucionalidade de outro órgão de soberania, mormente do órgão que pode pôr em causa os diplomas da Assembleia e que é o Presidente da República.
Este parece-me um elemento extraordinariamente importante, sem embargo do instrumento de que a Assembleia também dispõe para expurgação das normas inconstitucionais, pois põe a Assembleia perante a alternativa de sanar a inconstitucionalidade - indo assim ao encontro da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo órgão competente - ou de manter o seu diploma. E aí, Sr. Deputado José Luís Nunes, há sem dúvida nenhuma um juízo político que é supremo em relação a qualquer juízo de inconstitucionalidade.