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1698 I SÉRIE - NÚMERO 43

ceitas efectivas, e agrava-se, sobretudo, o défice corrente. Este último significa apenas que, apesar de se prever o crescimento das receitas tributárias, o consumo público aumentará em medida superior, pelo que veremos incrementado, em 1985, aquilo que comummente tem sido considerado como um dos factores mais negativos da nossa situação económica, justamente o chamado desaferro público: o Estado reduz o consumo dos particulares, aumentando os impostos, mas consome mais do que aquilo que os particulares deixaram de consumir, ao pagarem aqueles impostos. Para o conseguir, o Governo aumenta o recurso ao crédito, afectando, com inflação, as gerações presentes - sobretudo pela forma como obtém os fundos de que necessita -, e comprometendo também o rendimento das gerações futuras, que terão de pagar amanhã os empréstimos que financiaram as despesas improdutivas de hoje.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Poder-se-á dizer que não há nada neste Orçamento que denuncie uma tentativa de inflexão desta situação. Sobretudo não contamos nem podemos contar com as medidas avulsas sobre contenção de despesas com pessoal, cuja inclusão, no Orçamento, se me afigura, aliás, de duvidosa oportunidade: pois não é verdade que o próprio Governo não está convencido da eficácia das suas medidas, ao prever um incremento real das despesas que pretende «controlar»?
Mas, além do mais, este Orçamento neste quadro de falta de rigor apresenta um aspecto preocupante que nos merece a máxima atenção. A chamada «dotação provisional» - verba que se inscreve no Ministério das Finanças para o pagamento de despesas inesperadas e inadiáveis - tem vindo a crescer durante a gestão deste Governo, desmesuradamente. Para 1985, ela atinge o montante de 65 milhões de contos - superior ao previsto quanto a boa parte dos ministérios - constituindo, assim, um enorme fundo destinado ao financiamento de despesas não especificadas. Parece-me, sobretudo, que é altura desta Câmara pensar numa forma de limitar esta dotação, sob pena de se reduzir a pouco a «regra de especificação» do Orçamento.
No entanto, este crescimento de despesa não se pode imputar exclusivamente ao Sr. Ministro das Finanças; não seria justo. Como poderia ser ele o único culpado, se é público que os seus colegas de Governo gastam mais do que devem e prometem o que não podem cumprir? Como poderia sê-lo, de facto, se o Orçamento foi discutido nos mais variados círculos, com os ministérios a comportarem-se como autênticos parceiros sociais, preocupados apenas em reivindicar a majoração das suas dotações? E não é também verdade que se encara com autêntica reserva mental os plafonds de despesa impostos pelo Ministério das Finanças, na esperança quase sempre certa de um «orçamento suplementar»?

O Sr. Abílio Curto (PS): - Isso é demagogia!

O Orador: - Mas julgamos ser importante uma reflexão sobre a vertente fiscal do programa financeiro do Governo, sem prejuízo do que mais adiante se dirá, aquando da discussão na especialidade.
Tarda, já há muito e já aqui foi dito, uma reforma do sistema fiscal português, que é ineficiente e injusto.
Não se pode pedir tudo de uma vez também já foi dito, mas afligem-nos as tímidas alterações dos impostos que o Governo pretende introduzir e as evidentes perturbações e o agravamento dessa mesma injustiça e ineficiência do sistema fiscal que a proposta do Orçamento vai traduzir com certeza.

O Sr. Gomes de Pinho: - Contra-reforma!

O Orador: - E no entanto o Governo acena com o aligeiramento da carga fiscal, invocando, para tanto, as modificações que pretende introduzir nas tabelas de taxas dos impostos directos. Simplesmente, essas modificações não abrangem todos os impostos directos e, além do mais, os limites das deduções e isenções não são desagravados de acordo com a taxa de inflação. A acrescer, finalmente, já foi aqui largamente glosado o facto de o crescimento da tributação indirecta ir anular as eventuais melhorias ocorridas no domínio da tributação directa, constituindo toda esta proposta fiscal como que um zirosamgame pelo menos.
Mas propõem-se ainda várias medidas fiscais altamente criticáveis. Pretende-se ressuscitar o imposto sobre a indústria agrícola, que irá incidir sobre o rendimento de contribuintes que se encontram totalmente desprevenidos. Pretende-se agravar a tributação dos depósitos a prazo, reduzindo a níveis baixíssimos as taxas de juro reais, com o intuito de, simultaneamente, aumentar as receitas e estimular a subscrição de títulos da dívida pública ao que julgo - desviando a poupança do sector privado para o sector público, embora de forma disfarçada, e desprezando a consideração dos nefastos efeitos económicos que se adivinham a seguir a estas medidas. E é sobretudo dramático o que se passa com os depósitos dos emigrantes, justamente os portugueses que nos últimos anos têm sido sistematicamente encorajados a trazerem a sua poupança para o seu país de origem.
O preocupante panorama da situação financeira tem sido, porém, justificado, mediante a invocação da dívida pública. Na verdade, o seu crescimento revela-se preocupante, não se percebendo por que se adia a discussão séria deste problema. Corre-se o risco, efectivamente, de se confundir a actividade financeira com o simples pedido de empréstimos, e a obtenção destes tem sido apresentada pelo Governo como um acto de heroísmo, fazendo lembrar a manifestação que se promoveu a um governante da I República, quando regressou de Paris com mais um empréstimo prometido.
Em rigor, no entanto, a dura realidade da dívida pública deveria constituir um estímulo à contenção das despesas do Estado, antes do que uma desculpa para o seu crescimento. Seria, pois, preferível adoptar a atitude de Eduardo de Abreu, também um republicano» que com certeza fará saudades a alguns deputados aqui presentes, quando o romântico João Chagas o informou de que conseguira mais empréstimos. Eduardo de Abreu retorquiu: «Empréstimos para quê? Corte-se antes nas despesas improdutivas!»
É por todas estas razões que o CDS não pode votar favoravelmente esta proposta de Orçamento. Não poderemos, assim, ser acusados, como outros, de que, verberando mas aprovando, estamos a colaborar com a falta de respeito pelas mais elementares regras financeiras e a contribuir para a perda de poder orçamental efectivo desta Câmara: admitindo pacificamente a falta de «veracidade» deste Orçamento - estar-se-á a criar