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22 DE FEVEREIRO DE 1985

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poderá bem ser o ano de ruptura das instituições judiciárias portuguesas, e importa, a todo o custo, evitar que isso aconteça.
O projecto do PCP visa alertar precisamente para a necessidade de o desbloqueamento dos tribunais não se fazer mais uma vez à custa de uma ainda maior denegação da justiça para os cidadãos já penalizados por todas as injustiças. O projecto do PCP dá, por isso, corpo e fundamento à mais decidida oposição a projectos em preparação no Ministério da Justiça e que visam a instituição de taxas moderadoras nos tribunais, acompanhadas de novas subidas de alçadas e custas e de uma maior distanciação dos tribunais em relação às populações.
O caminho a percorrer é, no entendimento do PCP, precisamente o contrário.
As portas dos tribunais e dos gabinetes de consulta jurídica estão hoje fechadas para demasiados cidadãos. 15to é uma realidade inegável! A crise dos tribunais só muito minguadamente reflecte a crise dos direitos fundamentais, cuja violação só em escassos casos é levada a tribunal. O apoio jurídico aos que têm menores recursos continua a reger-se, em pleno ano de 1985, por uma lei dos alvores do marcelismo que instituiu um sistema herdeiro do modelo oitocentista caritativo, insofismavelmente lacunoso e ineficaz, assente todo ele na retrógrada concepção segundo a qual os advogados só eles como classe sócio-profissional devem prestar, a título gratuito ou com muito problemática remuneração, os serviços jurídicos de que carecem os cidadãos que não os possam pagar. Como é impensável levar à prática a imposição ficcionada pela lei, poupa-se aos advogados o peso de uma injustiça, mas isso acontece - é bom que todos tenhamos consciência disso - ao preço enorme de a suportarem toda os cidadãos que a lei manda proteger, sem para tal garantir os meios necessários.
É uma situação insustentável para os cidadãos e para os advogados que, aliás, só não conduziu ainda a níveis de desprotecção infra-humanos graças à acção e aos esforços das organizações representativas dos trabalhadores, em particular dos sindicatos - é preciso sublinhá-lo -, a cujos advogados e juristas é devida uma palavra de homenagem e, sobretudo, o justo apoio à insubstituível acção que vêm desenvolvendo. Exigem-se, porém, medidas bastante mais vastas.
Num momento em que nos mais diversos sistemas jurídicos se projecta já a quarta vaga de reformas para incremento do acesso ao direito com recurso a meios informáticos, em Portugal há ainda quem hesite em romper decididamente com o sistema caritativista, há quem se angustie de menos com a sorte dos cidadãos e de mais com supostos perigos que da mudança poderiam advir supostamente para o livre exercício da advocacia (que, afinal, tem tudo a ganhar com a libertação de peias que só oneram os profissionais, sem satisfazerem cabalmente os cidadãos).

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O regime do patrocínio oficioso em processo penal é verdadeiramente exemplar da degradação a que chegou o sistema. Considerada desde há largos anos como injustificável, a solução legal mantém-se em vigor ano após ano.
Nos processos de querela, a lei garante a todos um advogado, nas outras formas de processo um solicita-

dor ou advogado estagiário. Mas na falta destes profissionais do foro logo se autoriza a nomeação de qualquer pessoa idónea - eis o que a lei diz - mesmo não licenciada em Direito. É um sistema lamentável que, como sublinhou lapidarmente há muitos anos o Professor Figueiredo Dias, «só serve para revestir de farisaica capa de juridicidade uma situação que pode surgir em concreto como enormemente injusta e lesiva dos mais elementares direitos de defesa do arguido».

Aplausos do PCP.

Por outro lado, mesmo nos casos em que seja assegurado por advogados, o patrocínio desenvolve-se em condições lamentáveis quanto ao conhecimento dos arguidos e dos processos. Coisa espantosa: só é remunerado se o arguido for condenado.
Aí pagará imposto de justiça e procuradoria a favor do defensor. Mas o defensor que trabalhe e consiga a absolvição perde a remuneração. Quanto maior o êxito maior a perda e quanto mais diligências e estudo maior será o prejuízo.
Resta acrescentar que nos processos de transgressões e sumários o juiz só é obrigado a nomear defensor oficioso se o arguido o requerer ou houver lugar a medidas de segurança.
É isto, Srs. Deputados, reduz a nada o direito de defesa quando o arguido ignore os seus direitos, como por demais acontece no dia-a-dia dos nossos tribunais.
A garantia constitucional de um defensor técnico-profissionalmente competente está, assim, na prática, degradada a níveis inaceitáveis, penalizando duramente os arguidos já mais penalizados pelas desigualdades económicas, sociais e culturais.
Não é de estranhar que haja um absoluto consenso sobre a inanidade do sistema vigente e chovam de todos os quadrantes críticas aos seus vícios e lacunas.
Portugal exibe, aliás, um inaceitável isolamento neste domínio. Já passou há muito a primeira vaga de reformas que por toda a parte enterraram o sistema que entre nós sobrevive e de que são expoente o programa de serviços jurídicos do Gabinete para as oportunidades económicas dos Estados Unidos, a legislação francesa de 1972 revista em 1974, o Legal Advice and Assistance Act aprovado na Grã-Bretanha em 1972 e revisto em 1974, a Lei Sueca de Assistência Judiciária, de 26 de Maio de 1976, a primeira legislação canadiana, a Lei Federal Alemã, de 24 de Outubro de 1972, etc. Tem, porém, prevalecido entre nós, pela força e pela inércia, a opinião dos que tomam por excessivamente ousadas soluções que foram novidade há largos anos e fizeram cair, é preciso reconhecê-lo, algumas barreiras ao exercício de direitos, sem que alguém as acuse de terem ferido de morte o normal exercício das posições forenses...
Um enorme véu de silêncio (quando não de desinformação) impede entre nós o conhecimento e estudo de experiências que tanto importaria ponderar como as dos law centers da Grã-Bretanha, dos Rechtwinkel da Noruega, dos neighbourhood law centers, ou das Legal Aid Societies dos EUA e do Canadá, das Legal Services Corporations, ou até o exemplo assinalável do Centro de Consulta e Apoio Jurídico de Hamburgo ou as soluções experimentadas em França, Áustria e até aqui ao pé, Espanha, com grande ignorância da nossa parte.
O absoluto imobilismo que tem reinado conduziu mesmo a que não se fizessem praticamente sentir en-