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22 DE FEVEREIRO DE 1985

Não foi por acaso que quisemos insistir na situação de bloqueamento que sofrem neste momento as instâncias de controle das violações de direitos. E a pergunta que se pode colocar é esta: neste momento, em que vigora um sistema injusto que mantém milhares de cidadãos arredados dos gabinetes de consulta jurídica e dos tribunais e em que as instâncias de controle de violações de direitos estão bloqueadas, o que é que aconteceria com a aprovação de uma lei de acesso ao Direito? A aprovação de uma lei de acesso ao Direito não será «inoportuna», não irá provocar uma avalanche e precipitar o colapso dos tribunais?
Entendemos que a resposta lúcida, a resposta democrática e adequada a esta interrogação é a de que não podem, ou pelo menos não devem, ser os trabalhadores, os que menos podem, a pagar, mais uma vez, todos os custos da crise da justiça.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Dir-se-á, porém, que é uma intenção nobre e generosa, mas inexequível. Entendemos que não. Cremos que está nas nossas mãos (da Assembleia da República) garantir que a lei, a aprovar nos seus específicos contornos, actue simultaneamente não sobre um mas sobre vários factores, sobre diversas áreas-chave, evitando assim, inteligentemente, a avalanche sem denegar justiça. Há que equilibrar os dois objectivos e é isso que o projecto do PCP visa.
É nosso entendimento que não teria cabimento em plenos anos 80 fazer uma mera revisão maquilhada da lei marcelista de 1970 (a lei 7/70).

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que o PCP propõe é a adopção de um conjunto isolado mas de um verdadeiro feixe de providências que, incentivando fortemente a informação e a consulta jurídica, contribuam para resolver, precocemente, litígios, descongestionando os tribunais.
Por outro lado, a nova lei sobre o acesso ao direito deve ser inserida num mais vasto quadro de medidas que evitem a ruptura do sistema judicial, incluindo a tão adiada reforma das leis de processo civil que ponha cobro à tortuosidade e impossibilidade prática de certos actos judiciais, dê papel mais activo aos magistrados, suprima formalistas inúteis, reveja o regime de recursos e recolha da prova. Importará, por outro lado, avançar para a criação de novos expeditos meios de dirimir litígios, efectivar a participação popular na administração da justiça, preencher quadros, modernizar serviços e instalações, expandir o uso da informática e repensar - e este aspecto é referido em último lugar, mas não é o menos importante - a própria relação entre a justiça e os cidadãos, que dela têm (com toda a razão) uma péssima imagem. A imagem de uma justiça hermética, secretista, distante, morosa e cara. Em todo esse esforço haverá que ter em conta uma equilibrada óptica regional, que contemple as situações de regiões em estado de crise aguda como o Algarve, os Açores, a Madeira e pondere devidamente a problemática específica da grande Lisboa e do grande Porto.
Só assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, será possível garantir a todos o direito à informação e à protecção jurídica e o acesso aos tribunais, de acordo com o disposto no artigo 20.º da Constituição da República, na redacção que lhe foi dada, neste ponto, por

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unanimidade, pela lei constitucional 1/82, de 20 de Setembro.
O projecto de lei do PCP abrange tão-só medidas susceptíveis de contribuir directa e imediatamente para pôr cobro à vergonha da actual assistência judiciária e defesa oficiosa em processo penal, cujo carácter discriminatório e profundamente injusto é incontestável e reconhecido por todos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - Surgindo a meio da III Legislatura, o projecto 427/III é o primeiro que sobre esta matéria dá entrada na Assembleia da República. Instruído com os abundantes trabalhos preparatórios elaborados sob as mais diversas responsabilidades ao longo dos últimos 10 anos, o projecto do PCP poderá, ainda assim, reclamar-se de novidades - designadamente ao propor um tratamento global e integrado das questões da informação, consulta, apoio e patrocínio jurídicos. Mas o seu mérito será, porventura, o de dar o sinal de partida para o fim da rotina que vem envolvendo entre nós a questão do acesso ao Direito e aos tribunais.
A base de trabalho que o projecto do PCP representa teve em conta, como não poderia deixar de ser e era desejável, os sucessivos anteprojectos sobre a matéria elaborados entre nós, incluindo o projecto da Comissão de Acesso ao Direito, nomeada por despacho do então Ministro Mário Raposo (actual Ministro da Justiça), e teve também em conta os ensinamentos do direito comparado, que revelam, é justo assinalá-lo, uma riqueza e pluralidade de experiências e fórmulas fortemente contrastante com a imposição de preconceitos e o monolítico imobilismo que vem reinando em Portugal e que importa quebrar através de um amplo debate público.
Partindo da matriz constitucional, o projecto do PCP procura, como se disse, dar tratamento global e integrado às diversas questões em que se desdobra a problemática do acesso ao direito.
Em primeiro lugar, o projecto procura proceder à definição e delimitação legal rigorosa do conteúdo e do alcance dos direitos dos cidadãos em matéria de acesso ao direito e aos tribunais. A isso se dedicam os primeiros artigos.
Estabelece-se, assim, que todos têm o direito de requerer e obter, independentemente da sua situação económica ou condição social:

a) A prestação de serviços de consulta e apoio jurídico extrajudiciário ou prejudiciário sobre qualquer questão susceptível de afectar os seus direitos e interesses, em matéria civil, penal, laboral, administrativa, social, comercial ou fiscal;
b) O acesso aos meios ou mecanismos administrativos necessários e adequados à defesa dos seus direitos e interesses legítimos;
c) O acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, designadamente através do patrocínio judiciário em qualquer jurisdição, do patrocínio oficioso em processo penal e da defesa oficiosa nos processos de ilícito de mera ordenação social. (Artigo 2.º).

Propõe-se seguidamente a supressão de alguns obstáculos legais que hoje conduzem a situações, constitucionalmente proíbidas, aliás, de denegação de justiça