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I SÉRIE - NÚMERO 49

tre nós os ecos da segunda vaga de reformas para incremento do acesso ao Direito que em diversos países levou à instituição de diversos meios, por vezes imaginativos, de defesa dos chamados «direitos difusos», designadamente os direitos dos consumidores, dos trabalhadores sindicalizados, dos inquilinos, do ambiente e do património. A legislação portuguesa na parte em que não é lacunosa, insuficiente ou inexistente caracteriza-se por não passar, pura e simplesmente, de letra morta. É uma situação absolutamente lastimosa.
De igual modo, não há sinais, entre nós, da busca de novos instrumentos de resolução de conflitos, de remodelação da máquina da justiça, da invenção de novas formas de prestação de serviços jurídicos de grupo - que são traços típicos da terceira vaga de reformas do acesso ao Direito. Nós, não entramos sequer na primeira.
Sob a batuta deste Governo, a reforma do Processo Civil marca passo, foi suspensa pelo ex-Ministro Rui Machete a lei intercalar de reforma, aprovada em 1983.
A reforma do processo penal é um mistério e a sua falta uma tragédia diária nos tribunais. O novo Código Penal é uma charada, em parte, uma ficção, noutra, e um perigo (pela indeterminação de conceitos) na parte restante. A ameaça de uma lei de segurança interna que restrinja inconstitucionalmente direitos fundamentais continua a perfilar-se no horizonte da nossa sociedade.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - A reorganização dos tribunais, a criação de novos juízos e tribunais aguarda há anos decisão. A justiça do trabalho é uma máquina infernal de delongas, alçapões e injustiças.
O bloqueamento do sistema é um, facto. Áo aumento do volume processual não correspondeu o necessário acréscimo de meios. Em 1984 houve, só nos tribunais judiciais, 900 000 processos para 1040 juízes, contra 120 000 processos, em 1973, para 400 juízes. Há neste momento 7 comarcas sem juiz, 13 tribunais de instrução criminal com juízes sem formação específica, 12 tribunais criados mas não instalados e muitos outros por criar. Há 90 vagas de juízes por preencher e serão precisos cerca de 260 nos próximos 4 anos, sem que haja capacidade para os produzir. Os 50 juízes auxiliares que são necessários de imediato, ainda que sejam assegurados, não têm garantia nem de casa, nem de instalações, nem de funcionários. O quadro do ministério público está subdimensionado, não corresponde, nem de perto nem de longe, às necessidades e, por força da concentração de meios, dentro de quatro/cinco meses - soubemos há dias durante uma reunião de trabalho com o Sr. Procurador-Geral da República - vamos ter 80 comarcas sem delegados. Entretanto, importa que a Assembleia da República tenha consciência de que há mais de 600 000 processos pendentes, dos quais 10 000 há mais de 5 anos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Só o especial empenhamento dos magistrados e funcionários permitiu findar cerca de 800 000 processos em 1984.
Constata-se, porém, que correndo as bagatelas, ficam parados processos dos mais relevantes. Nos tribunais de instrução criminal há processos com 10 anos

que não puderam sequer ser investigados. Em zonas inteiras do País, vítimas de crimes graves não têm qualquer tutela. Temos zonas internacionalmente reputadas como paraísos de traficantes e outros, criminosos, e não temos uma acção decisiva para combater essa situação. Nos correccionais de Lisboa estão parados 32 000 processos - o que significa, Srs. Deputados, 32 000 vítimas sem protecção e, certamente, 32 000 arguidos em circulação descontrolada.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não pode ser!

O Orador: - Nos tribunais de polícia de Lisboa há 140 000 processos bloqueados (121 000 no Porto).
As instituições de reinserção social não funcionam e as penitenciárias são verdadeiros centros de difusão do crime.
Sem medidas urgentes que ataquem estes nós de estrangulamento dificilmente se pode falar, Srs. Deputados, de justiça e de acesso ao Direito, à justiça e aos Tribunais em Portugal.
Também a justiça administrativa está de tal forma bloqueada que o direito de recurso contencioso é entre nós uma sombra ou uma ficção, o que significa que os actos ilegais da Administração Pública e do Governo ficam substancialmente impunes.
Particularmente reveladora do cunho de classe dos bloqueamentos do sistema é a situação da justiça do trabalho, à qual continuam sem acesso milhares de trabalhadores cujos direitos foram violados, seja porque desconhecem a forma de desencadearem os respectivos mecanismos de defesa, seja porque a extrema morosidade e complexidade são fortemente penalizadoras.
Atingidos por crescente número de condutas ilegais, os trabalhadores sabem, lamentavelmente, que o patronato colhe do actual sistema um duplo benefício: por um lado, paga quando paga, ou indemniza quando indemniza, anos depois o que deveria ter sido recebido atempadamente, por outro lado a inadequação do aparelho judicial, a falta de uma justiça célere propiciam a renúncia a direitos e facilitam substancialmente a sua violação impune, que é um facto incontestável na sociedade portuguesa.
Continuam, no entanto, por eliminar alguns dos principais entraves ao acesso dos trabalhadores aos tribunais, em particular aos tribunais do trabalho, ao mesmo tempo que faltam as medidas de prevenção e repressão das violações de direitos nesta esfera, designadamente o reforço da inspecção de trabalho, a reforma do processo de trabalho, a revisão da situação vigente quanto ao número de tribunais, sua localização, instalações, quadro de magistrados e funcionários, a efectivação das formas de participação dos trabalhadores na administração da justiça, e a criação de novos meios de composição de conflitos, que substituam os actuais e suprimam o suplício e a desnecessidade que é a conciliação, nos termos em que se pratica.
Tudo isto tem um significado esmagador quando se trata, como agora, de perspectivar o problema do acesso ao direito.
Há que perspectivá-lo em termos realistas, não para realizar uma utopia ou para apresentar soluções inexequíveis na sociedade portuguesa mas para procurar estudar e propor soluções realizadas na nossa sociedade com os meios financeiros e com os recursos humanos de que dispomos e que não utilizamos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.