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I SÉRIE - NÚMERO 49

Conhecem-se ainda preitos que deslustram, de tal modo adulteram a vida e a obra de uma personalidade. O poeta de Os Lusíadas de tudo recebeu um pouco.
Na cadeia dos actos positivos, surge agora o projecto de lei da autoria dos Srs. Deputados da ASDI. Esta iniciativa vem de trás, do tempo da precedente legislatura. Mereceu, então, o estudo adequado da comissão própria, onde pôde acolher as sugestões dos diferentes grupos parlamentares, no sentido de alguma aprimoração técnica.
Por esta razão, sendo a história longa e verdadeiramente indiscutível, perante o objecto do presente diploma impõe-se-nos - justificando-o de todo o modo, ainda que em termos perfunctórios - dar o nosso aplauso.
A Ordem de Camões vem inserir-se nas Ordens Honorífocas Portuguesas. A primeira questão que poderia colocar-se era a de saber se iria conflituar com algumas delas, designadamente ao nível de disposições já existentes com as quais estabelecesse áreas de coincidência. A verdade é que alguma «zona-sombra» de coincidência existirá, numa vertente manifestamente secundária, mas não há, do ponto de vista do escopo fundamental da presente iniciativa legislativa, seja o que for que minore o seu alcance ou venha a fazer ruir os seus fundamentos.
Daí que, destinando-se a Ordem a galardoar relevantes serviços prestados à cultura portuguesa, à sua projecção no mundo, à conservação dos laços dos emigrantes com a mãe pátria, à promoção da língua portuguesa, à intensificação das relações culturais entre os povos e as comunidades que se exprimem em português, não possa ela deixar de, naturalmente, suscitar a aceitação de toda a Câmara.
Do ponto de vista técnico, a elaboração afigura-se correcta, pois não se afasta, em boa medida, dos critérios adequados, constantes da Lei Orgânica de 1962, procurando inovar, sobretudo, no que respeita aos objectivos determinantes e não naquilo que é pacífico; isto é, em toda a vasta gama de dispositivos práticos.
São estabelecidos os graus de Grã-Cruz, Grande Oficial, Comendador, Oficial e Cavaleiro, com os números correntes para cada um deles; prescreve-se que é ao Sr. Presidente da República que cabe, originariamente, o poder de atribuir o galardão - por iniciativa própria, por sugestão ou por proposta dos Governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e ainda do Governador do Território de Macau; determina-se que cabe ao Executivo a tarefa de, no prazo de 90 dias, proceder à legislação regulamentar - o que bem se compreende, dada a especiosidade da matéria -; define-se o prazo de entrada em vigor, conformando-se assim, de modo escorreito, à legislação e aos mais globais objectivos que nesta área regem. Tanto bastaria para que, no nosso ponto de vista, a atitude dos Srs. Deputados da ASDI fosse bem acolhida.
Quando, pela primeira vez, a matéria foi observada no hemiciclo, trazia um sinal muito peculiar: era o de no IV centenário homenagear a figura de Luís Vaz de Camões.
Comecei a minha intervenção referindo-me, por um lado, às homenagens que o não são, já que adulteram a personalidade visada e, por outro, às ausências de homenagens, que são extremamente significativas quanto ao modo e à altura em que ocorrem. Aludi também aos actos positivos que, no transcurso da nossa

vasta, multimódica, rica história cultural, têm podido assinalar a grandeza imperecível da poética do autor que consideramos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É o momento de afirmar que não obstante terem já corrido anos sobre a data que seria a mais justa para a aprovação deste diploma ele continua a ser pertinente, e a tutela do grande épico - para usar um gostoso lugar-comum - é, de todo em todo, venerável, uma vez que será das poucas grandes unanimidades nacionais a de ainda se não questionar o papel histórico, cultural e literário relevante do lírico de «Sôbolos rios que vão».
Escolher o patrocínio de Luís Vaz é, pois, do nosso ângulo, um acto justo para celebrar o reconhecimento da Pátria pelo labor especialmente qualificado dos Portugueses nos espaços da cultura e da língua que são nossas e, paralelamente, traduz uma idónea compreensão da história que fizemos e que fazemos. Não o esqueçamos: da história que fazemos!
Na medida em que nos soubermos sintonizar com as fundas raízes de uma cultura progressista que atravessa os séculos da nossa vida comum, estaremos a honrar, não tanto nem sobretudo o passado, mas o devir da própria produção do tempo, o fluxo natural da transformação. Não há, pois, no nosso gesto, uma vocação passadista, nem temos destas coisas o entendimento de que uma plétora, uma explosão de agraciamentos, deva agora inundar o País de lés a lés, uma vez criada está a Ordem e legislação para tal existe.
Advogamos a necessidade de dignificar o instituto através da especial conexão da pessoa a quem o galardão couber e do nome que o tutela, ou seja, do equilíbrio e da exigência como critérios que, de certa maneira, pré-informam e ordenam todo o labor a que estamos a proceder, sob pena de, em muitos perímetros, se desdourar o que nós, nesta sede, legisladores, pretendemos que seja luzido e justo.
Daí que, com estas palavras de aplauso, embora de passagem, fique claro que o nosso voto irá exprimir uma anuência que, em boa verdade, não poderia regatear-se, mas também, de igual forma, uma empenhada participação na elaboração do que se nos afigura pertinente, correcta e tempestivamente inserido na mais correcta tradição cultural portuguesa.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Símbolo manipulado e deturpado do chauvinismo do regime fascista, Camões ressurgiu com o 25 de Abril como símbolo da cultura universalista portuguesa, da fraternidade de Portugal com todos os povos do mundo. Não obstante os obstáculos que pretenderam recentemente impedir a reassunção do nome de Camões, ele continua a representar em todo o mundo o sentido mais profundo da nossa cultura e das nossas relações com todos os povos livres do mundo.
Tanto bastaria, no entendimento do MDP/CDE, para darmos a nossa concordância na generalidade ao projecto apresentado, que visa estabelecer a Ordem de Camões; tanto bastaria, não só porque isso se prende