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22 DE FEVEREIRO DE 1985

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O cotejo que se faça com as Ordens do Infante D. Henrique e de Sant'Iago da Espada, se por um lado permite detectar alguma sobreposição de objectivos, por outro, torna bem evidente quão diversos são os contornos da Ordem de Camões, tal como se configura no nosso projecto de lei.
Se é certo que a Ordem de Sant'Iago de Espada tem por objecto «distinguir o mérito literário, científico e artístico» (artigo 6.º da Lei Orgânica das Ordens) e a Ordem do Infante D. Henrique distinguir, além de «serviços relevantes prestados a Portugal no País e no estrangeiro», «serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, sua história e seus valores» (artigo 7.º), a verdade é que nenhuma daquelas ordens abrange os serviços que respeitem à promoção dos laços dos emigrantes com a mãe pátria, à promoção da língua portuguesa e à intensificação das relações culturais entre os países e as comunidades que se exprimem em português.
Quanto a nós, bastaria somente o fim específico, a individualização e a valorização da língua portuguesa, em Portugal e no mundo, para justificar a criação da Ordem de Camões.
Todos estaremos lembrados do empenho que nesta casa, diversos deputados têm posto na defesa, por todos os meios, da língua portuguesa. Todos estaremos ainda lembrados de uma deliberação tomada em 1981 nesta Assembleia, tendente à instituição de um dia internacional da língua portuguesa.
Mas se a Ordem de Camões pode constituir mais um instrumento posto ao serviço da língua, a verdade é que não se esgota aí o seu objectivo.
Cada vez mais Portugal é país de todo o mundo, no sentido de se espalharem, pelas suas 7 partidas, milhões de portugueses.
O estreitamento dos laços dos emigrantes à mãe pátria, a expansão e preservação da cultura portuguesa no seio das suas comunidades no exterior, é algo que tem de ser preocupação de todos nós.
Por outro lado, tendo em conta as várias pátrias que Portugal tem gerado, impõe-se-nos a intensificação das relações culturais com os seus povos, que falam a mesma língua e que se alimentam, em muitos aspectos, de uma cultura comum.
Com Fernando Pessoa, pensamos que Portugal nunca foi e talvez não o pudesse nem o devesse ser uma grande potência guerreira, ou uma grande potência económica. Mas já podemos também com ele admitir que possamos ser uma grande potência cultural.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Cumprida a gesta dos Descobrimentos e da nossa expansão no mundo, regressados politicamente ao território de origem, podemos orgulhar-nos, como povo, de termos sido fautores de civilização e fonte de humanismo e de cultura.
Do nosso espírito universalista muito haverá ainda a esperar e com ele a construir.
É nesta linha de pensamento e de acção que Portugal, se «poderá» cumprir.
Mas, como dizia Agostinho da Silva, «não se suponha que isto se fará puramente falando ou escrevendo», «isto se fará fazendo».
Com os objectivos enunciados, e na convicção de que possa constituir um instrumento ao serviço de um dos principais aspectos da política cultural que é imperioso

prosseguir, funcionando como estímulo, consagração e prestígio de todos aqueles que contribuam com o seu «engenho e arte» e a sua acção para o conhecimento e difusão da língua portuguesa e para o estreitamento cultural de laços dos que a utilizam, falam ou nela escrevem é que se propõe, afinal, a criação da Ordem de Camões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitas das ordens honoríficas existentes por esse mundo fora, têm como patronos, santos (S. Jorge, S. Miguel, Santa 15abel, Santa Ana, S. Tiago, etc.), reis (Leopoldo, Afonso XII, Carlos III, 15abel, Vitória e Alberto, etc.), homens de estado (Lenine) ou altas figuras da história, como o nosso Infante D. Henrique.
Para patrono da ordem a criar, propomos a egrégia figura de Camões.
Esta será uma maneira mais de consagração do grande lusíada; uma forma diferente de perpetuar a memória e a obra de quem, se pode dizer com verdade, é símbolo de uma Pátria e das comunidades que esta mesma Pátria tem gerado.
Camões acha-se plebiscitado unanimemente, e ao longo de gerações, como símbolo da nossa consciência colectiva e máximo expoente do nosso património histórico-cultural.
A sua obra globalmente considerada - seja a épica, a lírica ou mesmo a dramática - tem sobrevivido no tempo e resistido sempre às frívolas e mesquinhas arremetidas dos críticos confinados à estreiteza de vista dos oportunismos políticos ou da menoridade intelectual.
E isso tem acontecido, muito simplesmente, porque a obra de Camões tem a marca indelével de uma sabedoria universalista e intemporal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não lhe façamos nós aquilo de que ele se queixava numa das suas cartas: «tudo contra o pobre Camões».
Lembro-o na acção concreta que propomos: ao mesmo tempo que o homenageamos, estaremos também, de algum modo, a contribuir para a projecção de Portugal no mundo.
E tal como ele se dirigiu a D. Sebastião, primeiro destinatário dos Lusíadas, também nós lhe repetimos:

Para cantar-vos, mente às musas dada
Só me falece ser a vós aceito
De quem virtude deve ser prezada.

Pois que o voto desta Assembleia, aprovado o projecto de lei n.º 44/III, seja não só o gesto de prezar as virtudes do seu patrono, mas também o reconhecimento da oportunidade e utilidade da criação da Ordem de Camões.

Aplausos da ASDI, do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há muitas formas de homenagear Camões, assim como, naturalmente, de não honrar a sua memória, como aconteceu, por exemplo, com o governo Mota Pinto, em épocas que já lá vão.