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l DE MARÇO DE 1985 2137

Surge, quase como um dado certo, o aumento das alçadas, tornando mais cara a justiça e impedindo ainda mais o acesso às várias instâncias judiciais.
Surge a ideia de taxas moderadoras nos processos judiciais, por forma a afastar a justiça das classes mais desfavorecidas.
Surge uma nova organização judiciária restaurando as três classes de comarcas, tornando mais difícil a gestão de quadros da magistratura. Surgem os denominados tribunais de grande instância, distanciando a justiça dos cidadãos.
Aliás, tornar a justiça inacessível, distanciada, parece ser uma das apostas deste Governo na continuidade de outros que o antecederam.
É por isso que reformas importantes, exigidas pela necessidade de relançar em novos moldes, o júri e os juízes sociais, continuam por fazer.
Os julgados de paz (aliás objecto de uma iniciativa legislativa do PCP) continuam a ser uma realidade constitucional irrealizada.
A justiça formal continua ainda a ser o traço mais indelével da justiça portuguesa.
De toda esta situação resulta uma substancial desprotecção dos cidadãos, geradora de insegurança.
E o Governo, que é o primeiro responsável pelo agravamento dos factores de intranquilidade dos cidadãos, joga nesta insegurança para procurar impor instrumentos legais que a serem aprovados restringiriam seguramente as liberdades mas não dariam segurança aos cidadãos que a ela têm direito.
Como pode acreditar-se, na verdade, que o Governo inscreve no seu programa o combate ao crime e a preocupação de protecção das vítimas de crimes?
A miséria alastra. A saúde do País degrada-se. A fome prospera, a droga continua a ser o paraíso ao alcance de tantos jovens. O desemprego arrasta, com o desespero pela sobrevivência, atitudes anti-sociais. E é o próprio Governo a incentivar o desemprego, como bem se pode depreender da entrevista dada pelo Sr. Primeiro-Ministro à RTP, conjugada com um decreto-lei que ontem saiu no Diário da República (o Decreto-Lei n. º 50/85), que incentiva os trabalhadores a apresentar as empresas à falência, escondendo assim as actividades dolosas dessas empresas.

Aplausos do PCP.

E que faz o Governo para erradicar estes factores exógenos que podem conduzir ao crime?
O Governo degrada os salários reais, conduz uma política de desemprego, atira para a marginalidade homens, mulheres, e mais atiraria não fora ainda a teimosa consciência colectiva da necessidade de combate a esta política antinacional.
Simultaneamente acomete-se contra os cidadãos, brandindo com o medo e a necessidade de uma guerra ao crime. E assim se pretende instalar o medo invencível da vitimização. Medo tanto mais compreensível quanto é certo e sabido que as vítimas de crimes aguardam sem esperança a reparação dos danos sofridos.
Nesta filosofia não cabe, de facto, a protecção às vítimas de crimes.
A opinião pública é entretanto chocada por casos que exprimem de forma exemplarmente negativa os vícios, a doença de um sistema que faz demasiadas vítimas e deixa sem protecção as vítimas que faz ou propicia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Recordamos a morte de um cidadão espanhol, abatido a tiro por agentes da Guarda Fiscal.
Recordamos a morte do médico psiquiatra, Dr. Luís Duarte Rolão Macedo, que, passeando na serra da Arrábida, foi vítima de agressão a tiro, reinvindicada pela Guarda Fiscal. Setúbal enlutou-se. A insegurança dos cidadãos ficou mais patente. Todo o processo suscita arrepiantes interrogações.
Todos os dados confluem para a afirmação de que toda a actuação deste Governo tem proporcionado aos cidadãos o medo invencível de ser vítima, o medo insuperável de vitimização.
É óbvio que, perante isto, alguns princípios que timidamente informam o nosso direito penal (como no regime de prova, de suspensão da pena) continuam por realizar.
Abrindo um parênteses, referem-se ainda aqueles princípios que, depois do 25 de Abril, tiveram em conta as vítimas de crimes e que vêm no Decreto-Lei n.º 605/75, como, por exemplo, o dever de o Ministério Público executar a sentença de indemnização no prazo de 30 dias e o facto de o juiz poder condenar, mesmo que o réu seja absolvido. No entanto, estas medidas, de qualquer forma parcas, não têm tido na prática a realização devida.
É também bem evidente que não interessa a este Governo defender e aprofundar os breves afloramentos da perspectiva vitimológica, que, logo após o 25 de Abril, começaram a informar o nosso direito processual penal.
As reformas nesse sentido continuam por fazer.
O processo cível continua ainda a ser o meio privilegiado para obtenção da reparação dos danos.
O processo penal continua a desconhecer os meios necessários para promoção dos interesses das vítimas.
O Estado, absorvido pela repressão, finge ignorar que a vítima se preocupa em primeiro lugar com o fim da agressão, com a assistência que o seu estado requer, com a reparação dos danos sofridos.
E, por isso mesmo, podem contar-se pelos dedos o número das vítimas de crimes que obtiveram reparação, mas, mesmo assim, quase sozinhas, numa acção penal que praticamente as desconhece, mas, mesmo assim, após um prolongado período em que a agressão perdurou irreparável, mas, mesmo assim, pagando à sua custa a assistência que o seu estado de vítima requeria.
Pode, pois, afirmar-se que, nesta apregoada guerra contra o crime, se assiste à reprivatização da defesa do crime.
Porque a vítima, só e esquecida, encontra pela frente, pode dizer-se, quase todos os meios de agravamento da sua situação.
Quem, entre nós, passar de vítima potencial ao estado de vítima real arrastar-se-á pelos corredores dos tribunais, fazendo exames médicos em condições penosas, ou seja, sem condições nenhumas, nas salas dos tribunais, entre funcionários da justiça, processos poeirentos, observado por um médico que rouba umas poucas horas aos seus afazeres profissionais.
Aguardará depois seguramente mais de um ano, por vezes dois, ou três, ou mesmo mais. Verá o delinquente furtar o seu património a qualquer espécie de penhora por falta de meios processuais adequados à garantia do seu direito. Assistirá depois a uma condenação exemplar. O Estado puniu. Justiça foi feita. Mas ela, a vítima, continuará a aguardar uma execução de sentença (quando a há), que quantas vezes termina em despa-