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2 DE MARÇO DE 198S 2173

para a própria ideia de justiça e para a comunidade em que nos inserimos.
Referi que o sistema prisional «estoira pelas costuras». As visitas que temos podido fazer às cadeias deste país não provam mais do que o confronto do que deve ser, na óptica do Estado, o direito e o sancionamento de ilícitos com aquilo que é a realidade mais confrangedora. O Instituto de Reinserção Social é uma ficção. Os magistrados judiciais e do Ministério Público, dia após dia, protestam contra a situação em que se acham do ponto de vista remuneratório mas, naturalmente, também quanto a outras questões do seu estatuto.
Face a tudo isto, há uma pergunta que não pode deixar de ter-se por pertinente, e que só com alguma animadversão se não terá como profundamente conexionada com o presente debate, que gostaria de lhe colocar. É a seguinte: como conjuga o carácter eminentemente avulso, para além de tecnicamente incorrecto conclusivamente, passível de questões de constitucionalidade, de uma medida como esta com o que seria necessário para reformular o panorama da justiça? Que é como quem lhe pergunta: quais são as posições concretas, ainda que globais, do novo Ministro da Justiça face à moldura que lhe foi apresentada?
Suponho que todos teríamos a ganhar com o esclarecimento tempestivo e pertinente deste problema, porque, sem ele, nós, Assembleia da República, continuamos sujeitos ao casuísmo, ainda por cima inqualificado, de apreciar, de 6 em 6 meses, um pedido de autorização legislativa genérico em matéria de ilícitos penais e contraordenacionais, quando deveríamos - isso sim - conhecer a política penal do Governo, que, naturalmente, não é apenas a que resulta do Código Penal, acrescida das eventuais alterações que ainda não conhecemos, mas é também tudo aquilo que o Governo se propõe fazer em medidas de combate ao crime, em medidas de ressocialização e, naturalmente, num outro ângulo, numa outra vertente, mas que concernem à celerização da revisão da legislação adjectiva e ao fornecimento ao Parlamento do sentido em que vai esse tipo de trabalho.
Suponho, Sr. Ministro, que se trata de elementos indispensáveis, logo após a sua tomada de posse, para que possamos conhecer, com alguma fundamentação, quais serão, se admite que venham a ser, os caminhos da justiça em Portugal nos próximos tempos. Continuar os pretéritos será mau, mal inovar melhor será nada fazer. O que é que o Sr. Ministro Mário Raposo entende, neste domínio, indicar-nos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro Mário Raposo, é um sinal dos tempos que nos tenha hoje vindo falar aqui, pela primeira vez, aliás na nova qualidade de Ministro, não dos temas que, porventura, lhe são mais caros, designadamente o tema do acesso ao direito e aos tribunais, que é realmente uma questão fulcral e que, cremos, será cada vez mais importante face à situação de ruptura dos tribunais e ao agravamento de discriminações que pesam sobre aqueles que menos podem e que, hoje em dia, têm as portas dos tribunais fechadas, atingindo uma situação que é francamente gritante e clamorosa e que exige medidas muito prontas - e devo dizer que, pela nossa parte, apresentámos um projecto de lei, procurando encetar um debate público, mas creio que é tempo, sobretudo, de agir, de fazer projectos, anteprojectos, debates, colóquios, soluções, soluções essas que estão ensaiadas, estão estudadas há anos, anos e anos; creio que estão ditas todas as palavras possíveis sobre o aceso ao Direito e que resta fazer algumas que sejam lei, e é nisso que também estamos empenhados -, mas de coisa bastante diversa, e que é uma violência institucional sobre a Assembleia da República. Creio que são de registar os termos em que o fez, em contraste, aliás, com o debate da impugnação, ainda há dias aqui decorrido, da admissibilidade da proposta de lei em referência. Isto porque creio que proeurou rodear de muitas cautelas aquilo que, mesmo com elas, não me parece ter enquadramento e cabimento, face às disposições constitucionais. V. Ex.ª discordará, porventura, das disposições constitucionais sobre este aspecto.
É possível abrir um debate sobre se o Governo não deverá ter um certo quantum de competência em matéria penal, pois já o tem em matéria contra-ordenacional, na sequência da última revisão constitucional. Agora, enquanto a questão estiver como está e sendo como é o regime de autorizações legislativas, a nosso ver, o Governo não pode obter da Assembleia da República autorizações que não definam, nem o sentido, nem o objecto rigoroso, nem qualquer das características que, em bom rigor, devem presidir, depois da revisão constitucional em particular, à concessão de autorizações legislativas.
A autorização que V. Ex.ª levará daqui é para criar toda a espécie de crimes, sem sabermos quais, quando e com que dosimetria!... Pura e simplesmente, à Assembleia da República é pedido que autorize o Governo a criar qualquer espécie de crimes, estando apenas impedido, aliás por sugestão do PCP aquando do debate da última «genérica», de alterar o Código Penal. O Governo é autorizado a estabelecer quaisquer penas, naturalmente até ao limite de 3 anos e a Assembleia da República vai autorizar isto, sem saber quando, como e em que termos é que o Governo vai usar isto que agora lhe é concedido, nem em que política criminal é que se insere.
Dirá V. Ex.ª, aliás já o disse, que o uso será incidental, será avulso, será secundário, será integrado dentro dos princípios que fluem do Código Penal. Sabe, no entanto, o Sr. Ministro como o Código Penal não pode ser invocado como arrimo para justificar, por exemplo, as soluções que foram encontradas para os Decretos-Leis n.ºs 316/84, 290/84, 400/84, 21/85 e 22/85. São decretos-leis sobre loteamentos urbanos, etc., em que o Governo, aliás, criou contra-ordenações e coimas.

O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.

Portanto, a invocação deste diploma não é incidental, mas quase infimamente residual, como V. Ex.ª reparará, porque só num pequeníssimo normativa é que a autorização foi necessária. Não sei que trabalho é que teria dado ao Governo fazer entrar uma proposta concreta sobre esta matéria com a certeza de que, uma vez que penso que a maioria estaria de acordo, ela seria discutida e aprovada com muita urgência!...
Foi usada para os loteamentos urbanos, foi usada para os jogos de fortuna e azar, foi usada para a protecção da música portuguesa, e aí não diviso como.