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22 DE MARÇO DE 1985

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cal, constitui mais um sinal, a juntar a tantos outros, que nos últimos tempos este vem multiplicando, do total desfasamento entre a actuação do Executivo e as reais necessidades do País.
Numa matéria tão importante, tão delicada e sensível - e ao mesmo tempo tão necessária para a adaptação do Estado saído da revolução do 25 de Abril às «incumbências prioritárias» que a Constituição de 1976 lhe comete e muito especialmente para defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados no título II -, o articulado que o Governo nos apresenta é de uma pobreza desconsoladora. Não só pela visão estática que patenteia, mas sobretudo pela ausência de uma estratégia global para lançar a Administração Pública, central e local através do seu corpo de funcionários como um dos pilares fundamentais do nosso progresso, no sentido mais amplo desta expressão. E não será por acaso que na exposição de motivos não há uma única referência, directa ou reflexa, mesmo implícita, às disposições que tão laboriosa e entusiasticamente os constituintes consagravam nos artigos 266. º a 272. º do nosso texto fundamental. Dir-se-á que o articulado governamental nenhum esforço demonstra para alcançar, como aliás lhe compete, as grandes metas do Estado democrático, do modo como ele se encontra concretamente estruturado entre nós.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Administração antes da Revolução do 25 de Abril consistiu fundamentalmente em garantir o statu quo, manter ou restabelecer a chamada «paz pública», vital para a sobrevivência do próprio regime deposto. A função primordial do aparelho de Estado era promover a aparência da concórdia em volta dos princípios informadores do Estado Novo, que pouco deferia aliás, na sua estrutura e organização, do sistema clássico da administração legalista liberal. Importava, antes do mais, garantir o desenvolvimento espontâneo do jogo social, recorrendo a um quadro de pequeno número de regras normativas, sendo as funções da Administração fundamentalmente da autoridade e de enquadramento, que se traduziam numa regulamentação concebida de um forma assaz restritiva, o mais das vezes com regras proibitivas do que permissivas ou positivas.
Os direitos subjectivos dos cidadãos, largamente condicionados e sem defesa conferiam ao Executivo e aos agentes superiores do Estado uma enorme margem de discricionariedade, e na matéria económica a actuação falhada da doutrina corporativa era largamente supletiva para os agentes económicos.
A Constituição que nos rege destruiu o sistema administrativo cujos traços mais evidentes ficaram sublinhados. O poder administrativo é hoje concebido como o instrumento activo da mudança social, uma técnica de gestão que visa promover o desenvolvimento económico e social do País e, por essa via, dirigir praticamente o conjunto das actividades dos cidadãos. As normas proibitivas clássicas cederam lugar às regras imperativas, capazes de acelerarem o progresso, o atributo de autoridade eclipsa-se perante a prestação de serviço e a mão visível do estado-providência alcança as zonas que outrora eram autênticos santuários da iniciativa privada.
O próprio recurso à planificação económica e social para, cito o texto constitucional «garantir o desenvolvimento harmonioso dos sectores e regiões, a eficiente utilização das forças produtivas, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordena-

ção da política económica com a política social, educacional e cultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo» obrigam a um papel activo dos agentes administrativos e a uma concertação entre os poderes públicos de um lado e o sector empresarial e as principais organizações económicas e sociais de outro.
Os contratos-programa, os contratos de promoção tecnológica, agora tão propagandeados, a reconversão dos serviços obsoletos em novos aparelhos, requeridos pela modernização do País nos mais diversos sectores, as novas formas de desconcertação, descentralização e a regionalização que tardam a chegar, todo este arsenal para garantir a eficácia das funções novas de direcção e promoção, pelo Estado, das suas incumbências prioritárias e outros objectivos consagrados na constituição, obrigam a uma transformação radical dos sistemas, até aqui ensaiados, da Administração Pública, central e local, nos moldes apontados no artigo 267.º da Constituição.
A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximação dos serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações populares de base ou de outras formas de reprodução democrática, no dizer da lei.
Por outro lado, os novos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, constituem o que a doutrina designa por direitos funções, em contraposição aos tradicionais direitos egoístas, na terminologia sugestiva de Babbio na sua conhecida obra La funzione promozzionale del Diritto, obrigam a uma produção administrativa que alguém chamou de verdadeira inflação regulamentar, isto é, a multiplicação quantitativa de regulamentos, portarias, despachos, circulares, instruções, directrizes, confidenciais, que substituem as tradicionais leis e decretos, provocando a depreciação valorativa destes.
Acrescem a tudo isto, as novas formas da administração corporativa - os contratos colectivos, a arbitragem dos conflitos mercantis, que são formas concorrentes da administração tradicional, reduzindo o seu carácter legalista e ampliando o domínio do intervencionismo técnico ou tecnocrático.
Finalmente, neste breve aperçu sobre o novo conceito de actividade administrativa não se pode ignorar o frequente conflito entre funções jurisdicionais e administrativas. De um lado, algumas jurisdições, como de família e de menores, aproximam-se de autênticas funções administrativas, ao passo que as inúmeras «comissões» instituídas no seio da Administração Pública exercem funções contenciosas originadas pela filosofia social proteccionista e intervencionista do Estado moderno.

Como promotor e garante de transformações profundas e estruturais de sociedade a Administração Pública, central e local que se deseja, pouco tem a ver com o aparelho obsoleto e antiquado que é incapaz de acompanhar as grandes justaposições que hoje são frequentes entre o chamado público e o chamado privado. E pergunto: estarão os nossos agentes administrativos, dirigentes e subordinados, prontos para trabalharem com organismos privados, para executar tarefas de interesse público? Estarão os nossos funcionários, superiores e subalternos, aptos para intervirem e executarem com competência e eficácia, as grandes estratégias macro-económicas fixadas pelos governos em exercício?