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27 DE MARÇO DE 1985 2569

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela calada da noite, durante o próprio debate da Lei do Aumento de Rendas, veio o Governo, através da proposta de lei n.º 101/III, apresentar ao Parlamento nova medida de extrema gravidade para o povo português.
Aliás, em resposta pronta e célere à intervenção do Sr. Deputado José Vitorino que, a dado passo, disse:

Entende o PSD que, pelo menos, por um período transitório a fixar, desde já a lei deverá prever a possibilidade do estabelecimento de contratos por um determinado período.
Para trás, tinham ficado as palavras do Sr. Deputado Roque Lino, mais uma vez desfeiteado, ao afirmar:

E se, na duração do prazo contratual, o Governo proponente teve o bom senso de manter o quadro jurídico actual, o que de todo em todo não é aceite pelas associações de proprietários [...].
É que de facto, Srs. Deputados e Sr. Deputado Roque Lino, o Governo não teve esse bom senso; o Governo cedeu às pressões dos grandes proprietários e apresta-se a acabar com o princípio da renovação obrigatória do contrato de arrendamento.
Princípio que, como foi já aqui salientado, por mais de uma vez, é um património histórico, em obediência à transformação da própria filosofia do contrato, qualquer que ele seja, agora menos permissivo à liberdade contratual, em nome da defesa do interesse público.
Já em 1918, através da Lei n.º 828, promulgada por Bernardino Machado, a I República, atentando na crise social, viria a proibir os senhorios de intentar acções de despejo com o fundamento de que não lhes convinha a continuação do arrendamento.
Medida anunciada como transitória manteve-se com carácter perpétuo, e mantém-se, apenas ameaçada em 1928 já no início do fascismo com o Decreto n.º 15 289, cujo paralelismo com a actual proposta de lei não pode deixar de salientar-se.
De facto, e em resumo, segundo este diploma de 1928, os senhorios dos prédios construídos após o mesmo poderiam despejar os inquilinos, terminado o prazo do contrato, por não lhes convir a continuação do arrendamento. E a filosofia subjacente à proposta de lei n.º 101/III.
De facto, com este diploma o Governo convida à celebração de contratos de arrendamento para fins habitacionais, pelo prazo de 1 anos, conferindo aos proprietários o direito de despejarem os inquilinos no termo do prazo. Isto, segundo o Governo, num regime de renda condicionada e em relação aos prédios que estejam aptos a ser habitados, ou possam vir a encontrar-se nessa situação nos 2 anos imediatos à entrada em vigor do diploma.
Mas mais: precavendo-se com uma falta de atenção do proprietário e agindo em nome dele, o Governo pressurosamente legisla para aqueles que, inadvertidamente, tenham celebrado contratos por prazo inferior, logo e em princípio, não fosse a proposta automática e obrigatoriamente renovada. Por exemplo: se um proprietário, por mau conhecimento da lei ou mesmo por um rebate de consciência, tivesse dado de arrendamento por 6 anos o seu prédio tal contrato não se renovaria por igual período de tempo, mas apenas por mais 1 ano, por forma a que o proprietário pudesse vir despejar o inquilino no termo dos 1 anos.
Di-lo-emos mais adiante em pormenor: estranha forma, mesmo assim, de entender a liberdade contratual que o Governo diz defender. Porque o que acontece com esta disposição inserta no artigo 2.º é que, de um regime em que o interesse público levava à protecção do inquilino, o Governo passou por cima da própria liberdade contratual para um regime em que o Estado intervém estabelecendo normas protectoras do proprietário em defesa do interesse privado!
Não se ficam por aqui os atropelos da proposta.
Dizendo mea culpa em relação a um diploma que permitia o adiamento da desocupação, em acções de despejo, em situação de carência de meios do inquilino (diploma que, aliás, nunca teve total execução), o PS nem a estes inquilinos, os inquilinos de segunda, sujeitos ao despejo no fim do prazo, reconhece o direito a usar dos meios que ele próprio, PS, previu através do diploma n.º 293/77, de 20 de Julho.
Há, no entanto, mais, Srs. Deputados. O artigo 4.º da proposta vem colocar em situação de desigualdade pessoas ligadas por laços familiares ou outros a este inquilino de segunda relativamente a todos aqueles que gozam hoje do direito à transmissão ou do direito a novo arrendamento, pois que àqueles se lhes veda esses direitos.
E o que é mais grave é que se lhes veda o próprio acesso ao direito e aos tribunais, contrariando o artigo 20.º da Constituição já que a decisão que ordena o despejo - para a qual não são vistos nem achados os ocupantes - se lhes aplica, sem perdão nem agravo, proibindo-se-lhes mesmo a prova de um eventual conluio entre proprietário e inquilino.
Este artigo, o artigo 4.º da proposta, contraria mesmo o artigo 3.º do Código do Processo Civil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face ao que se disse, fácil é concluir que os artigos 1.º a 4.º da proposta violam clara e nitidamente a Constituição.
Desde logo se mostra violado o artigo 65.º da Constituição através do qual se consagra o direito à habitação. Direito que, a par de um conteúdo positivo, se apresenta também como o direito a não ser privado da habitação por puro arbítrio admitido na lei.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Ora, o que a proposta prevê é a privação arbitrária da habitação, ainda que respeitadas todas as regras contratuais.
É a própria segurança na habitação que se ameaça. Logo, ameaça-se o próprio direito, já que será inexistente se ameaçado na sua estabilidade.
O que quer dizer que quaisquer normas como as presentes, que restabeleçam a liberdade contratual são claramente inconstitucionais. Isto porque a Constituição impõe ao legislador que assegure as condições que possibilitem a realização mínima do direito à habitação. Entre essas condições está, seguramente, a proibição da livre resolução pelo proprietário do contrato de arrendamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!