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27 DE MARÇO DE 1983 2573

Trata-se de uma proposta de lei que, no respectivo preâmbulo, busca a justificação no facto de existirem inúmeros fogos habitacionais não colocados no mercado do arrendamento, pelo que visa, por um lado, satisfazer imperiosas e inadiáveis necessidades de habitação e, por outro lado, a remuneração de capitais investidos e (ou) a minoração de encargos financeiros contraídos perante instituições bancárias.
Assim, na sua dupla preocupação, a proposta de lei, de natureza especial e transitória, dirige-se à satisfação de necessidades essenciais.
Não o entende assim o PCP porquanto, em sua opinião, o regime especial de arrendamento urbano viola os artigos 13.º e 65.º da Constituição.
Recorde-se, aliás, que aquando da discussão na generalidade da proposta de lei n.º 77/111 já o PCP havia apresentado na Mesa da Assembleia da República um requerimento em que pedia a baixa imediata às Comissões de Equipamento Social e Ambiente e de Direitos, Liberdades e Garantias desta proposta de lei, na medida em que entendia que a proposta de lei n.º 101/III vinha tornar inviável a continuação do debate na generalidade da lei das rendas.
Do ponto de vista legislativo, o equívoco parece evidente e, do ponto de vista político, trata-se, numa segunda fase, de impedir ou travar a aprovação de medidas legislativas imperiosas, inadiáveis e profundamente justificadas.
Mas, afinal, haverá ou não inconstitucionalidade material da proposta de lei n.º 101/III? A nosso ver, manifestamente que não. Designadamente, não se vê como possam ter sido violados os artigos 13.º e 65.º referidos no recurso interposto pelo PCP. Trata-se, no primeiro caso, do princípio da igualdade e, no segundo, do direito à habitação.
O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º não tende a considerar iguais os homens e as situações jurídicas; tende, sim, a proporcionar aos cidadãos os mesmos meios políticos, económicos e sociais para exercerem os seus direitos. Ou seja: tende a reconhecer aos cidadãos uma igual dignidade social. E a verdade é que o regime especial ora proposto não se dirige a uma parte dos cidadãos mas à sua generalidade, não os discrimina, portanto, em nenhum aspecto entre os vários considerados no artigo 13.º da Constituição da República.
Daí que a eventual aprovação da proposta de lei não os diferencie naquilo que possa considerar-se a dimensão liberal, a dimensão democrática ou a dimensão social do princípio da igualdade, já que o regime especial de inquilinato propende à igualdade na aplicação do direito e abre caminho a soluções sociais que, de outro modo ou seja, com os fogos fora do mercado de arrendamento -, não seriam concretizáveis.
Abro um parêntesis para perguntar como é que é possível entender que a proposta de lei n.º 101/III possa vir a ofender direitos que estão consagrados na Constituição, designadamente o direito à habitação, quando com esta proposta de lei o que o Governo pretende é, pura e simplesmente, colocar no mercado da habitação algumas dezenas de milhares de fogos, em princípio vocacionado para o mercado imobiliário e que, de outra forma, não seriam colocados no mercado da habitação.
Digamos que o recurso do PCP pretende impedir o arrendamento de habitações devolutas ou, o que seria bem pior, fixar a regra económica e social de que o cidadão que constrói não pode vender, mas é obrigado a arrendar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é nada disso!

O Orador: - O que, não sendo princípio da igualdade, violaria, isso sim, entre outros, o princípio da liberdade da iniciativa económica privada ou até o princípio do direito de propriedade privada, não obstante a propriedade ter uma função social a desempenhar!
Põe-se agora o problema de saber se a proposta de lei n.º 101/III ofende o disposto no artigo 65.º da Constituição da República. Aí se consagra o direito à habitação. Por comodidade, poder-se-ia dizer que o que foi dito atrás já explicaria que este direito não é violado.
Desde logo havemos de reconhecer que o legislador constituinte mais não fez do que dar corpo a uma regra programática. É por isso que o n.º 2 do artigo 65.º da Constituição enuncia algumas das obrigações do Estado na área da habitação, que têm mais a dizer com os mecanismos e os meios necessários à implementação de uma política nacional de habitação do que com a satisfação concreta do direito social stricto sensu.
O Estado não se obriga a concretizar o direito; obriga-se, antes, a criar as condições políticas, económicas e sociais adequadas à concretização daquele direito. Ora, o regime especial proposto agora insere-se, sem dúvida, nessa incumbência programática, já que a sua eventual aprovação criará condições para uma maior fluidez do arrendamento de fogos destinados à habitação, que estariam vocacionados para o mercado imobiliário.
Nessa óptica deve mesmo entender-se que esta medida legislativa preenche a previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 65.º da Constituição, ou seja, com ela se «estimula a construção privada, com subordinação aos interesses gerais».
Não pensa assim o distinto constitucionalista Vital Moreira, em anotação a este artigo. Para este professor seria «inconstitucional a submissão do arrendamento, das rendas e dos despejos à liberdade contratual». E acrescenta: «O direito à habitação deve prevalecer sobre o direito de uso e disposição da propriedade privada.»

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Com certeza que sim, Srs. Deputados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem a anotação!

O Orador: - Mas já falaremos quando fizerem pedidos de esclarecimento, se a Mesa entender que há lugar a eles. Uma tal doutrina política compreende-se na concepção de uma filosofia que olha o Estado como único garante da satisfação das necessidades individuais e colectivas. Só que, a ser assim, não se veria como compatibilizar a liberdade da iniciativa e da propriedade privada com o texto constitucional que expressamente as reconhece.
Não se pode ser livre na iniciativa ou titular do direito de propriedade sem meios jurídicos de exercer ou gozar tal liberdade ou tal direito. E um tal direito, no caso concreto dos contratos de arrendamento, exerce--se no respeito pela liberdade contratual.