29 DE MARÇO DE 1985 2597
De facto, pela proposta de lei retira-se aos jornalistas uma prerrogativa fundamental, que é de dar parecer, mas com carácter vinculativo, na designação dos órgãos de chefia das diferentes estruturas dos órgãos de comunicação social, remetendo-nos para um parecer meramente consultivo, sem qualquer vínculo em relação àqueles que terão a responsabilidade dessas designações.
A outra questão, que tem a ver com o controle político, diz respeito ao conselho da rádio. Dos três diplomas, dois prevêem a criação de um conselho da rádio enquanto que o projecto de lei do Partido Comunista remete para o Conselho de Imprensa. Se nesse aspecto são coincidentes as posições assumidas pela proposta de lei e pelo projecto de lei apresentado pela UEDS, a verdade é que na proposta de lei se acaba por esvaziar de sentido esse conselho da rádio na medida em que ou não lhe definem competências, deixando extremamente vago o que no fundo será esse conselho da Rádio ou, ainda, quando do restante articulado se pode inferir quais as competências que se prevêem para o conselho da rádio. Chega-se à conclusão de que o conselho da rádio acabará por ter um papel meramente decorativo, quando muito de mero conselho, sem nenhuma capacidade de intervenção real no controle político dos órgãos de comunicação social no domínio da radiodifusão sonora, deixando ao Governo a capacidade de decisão em última instância. É ao Governo que cabe a atribuição de frequências e o licenciamento da rádio. Ao conselho da rádio solicita-se vagamente um parecer sem qualquer carácter vinculativo. Esta tendência de governamentalizar o controle da rádio torna-se mais clara e mais nítida quando, o que pode ser uma questão menor mas que traduz uma determinada filosofia, a proposta de lei prevê que os nomes dos responsáveis nas empresas de radiodifusão sonora sejam comunicadas ao Governo, ignorando por completo o conselho da rádio a quem, em primeira instância, deveria ser comunicado se a ele se quisesse dar, de facto, o papel que, em nosso entender, lhe deve caber.
Essa tendência, que é uma das críticas que em nosso entender tem de ser avançada em relação à proposta do Governo, isto é, de governamentalização de tudo quanto diz respeito à radiodifusão sonora, surge num outro artigo - digo-o de memória e apenas a título de exemplo, porque muitos dos artigos se poderiam citar no mesmo sentido - quando a respeito das isenções fiscais, matéria que é particularmente importante e relevante pelas consequências que pode ter no nível económico, a lei em vez de definir critérios claros, objectivos, inquestionáveis das isenções fiscais acaba por remeter tudo a um despacho discricionário do Ministro das Finanças e do Plano que decidirá, ao fim e ao cabo, na base de critérios extremamente difusos, quais as isenções fiscais atribuíveis.
Ainda quanto ao conselho da rádio, respondendo desde já a uma interrogação suscitada pelo Sr. Deputado do Partido Comunista Português sobre que é que no entender da UEDS deve ser o papel do conselho da rádio no licenciamento das empresas de radiodifusão sonora. Quero dizer-lhe que o nosso papel é muito claro. O conselho da rádio deve ser ouvido e mais do que ser ouvido do seu parecer concordante depende o licenciamento. O n.º 4 do artigo 2.º do projecto de lei da UEDS diz que «o serviço de radiodifusão é exercido em regime de concessão ou através de licença passada pelos respectivos serviços da Empresa Pública de Telecomunicações, após parecer concordante do conselho da rádio». Trata-se não apenas de um parecer meramente indicativo mas de um parecer vinculativo, concedendo ao conselho da rádio, em última instância, a possiblidade de decidir.
Passando por aqui, porque estas questões estão todas interligadas, para a proposta de lei que diz respeito ao licenciamento de empresas de radiodifusão, diria que a questão do licenciamento tem de ser colocada em dois planos: um primeiro de natureza política e um segundo de natureza estritamente técnica. No primeiro, de natureza política - acrescentarei para clarificar o meu ponto de vista - os critérios fundamentais terão de ser, de facto, os de assegurar-se que, por parte da empresa que pretende o licenciamento, se respeitam os princípios fundamentais de independência política, económica e de liberdade de expressão, e o de que é a radiodifusão em sentido lato que deve ser entendida como um serviço público. O segundo aspecto, o aspecto técnico, tem a ver com a gestão do espectro radioeléctrico. Entendemos que esta segunda questão deverá ser acometida no Governo através do departamento a quem compete gerir esse espaço radioeléctrico, enquanto que as decisões de índole política, que envolvem no fundo juízos subjectivos, que têm a ver com a independência e natureza do serviço de radiodifusão, deveriam ser acometidas não ao Governo, mas, tal como já tive ocasião de dizer, ao conselho da rádio.
Creio que um dos aspectos fundamentais de toda esta legislação é, de facto, garantir a liberdade de expressão e assegurar a independência. Aqui também devo dizer que os critérios avançados pelo Governo, quando os enumera no sentido da concessão da licença, são, no mínimo, bizarros. Entendemos mal que se coloque numa escala de prioridades, como factor a ter em conta na atribuição de licenças, o grau de renúncia à publicidade e, muito mais abaixo, a natureza cooperativa das empresas. E isto, ainda que se pretira a natureza cooperativa das empresas em relação aos ex-titulares de empresas de radiodifusão nacionalizadas em 1975. Não nesse período - que ainda constitui algo de fantasmagórico para alguns sectores desta Câmara, conturbado, do ponto de vista deles, do 11 de Março - mas nacionalizadas por decreto assinado em 1975 pelo actual Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares. E, mais ainda, tem a ver com a independência.
Não se entende que se estabeleça limites muito mais largos para a publicidade em relação às estações de radiodifusão de cobertura geral do que os estabelecidos para as empresas e estações de cobertura regional, sendo certo que a capacidade económica, independente das estações, terá necessariamente de estar ligada ao grau de publicidade que possam agenciar e utilizar como fonte de receita - porque fora dessas é difícil conceber que tipo de receitas essas estações possam assegurar que, simultaneamente, lhes garantam a necessária independência, quer em relação ao poder político, quer em relação ao poder económico. Diria que estas são, no fundo, todas as questões que têm a ver com aqueles dois pontos fundamentais que enunciei no início: o da liberdade de expressão e o da garantia de independência.
Como também tive ocasião de referir no início, do nosso ponto de vista nenhum dos diplomas em apreço opta por soluções em si mesmo inconciliáveis. Pensamos que o debate na especialidade permitirá aprofun-