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12 DE ABRIL OE 1985 2767

O Orador: - Acalmados os calores do "Verão quente", perdidos alguns incómodos pudores, ganhos novos receios e descrenças com a evolução concreta da vida do Pais nos últimos anos, renascem lentamente das cinzas algumas das querelas e hesitações que marcaram os confrontos políticos sobre a posição de Portugal na Europa no período final do regime anterior, e que muitos julgariam definitivamente enterradas com a descolonização.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - A existência de novas críticas e ataques é, em si mesma, um bom sinal. Significa, por um lado, que a adesão à Comunidade começou a ser tomada seriamente como uma certeza; mas significa, também, que o debate sobre a integração de Portugal se pode desenrolar, finalmente, sem os perturbadores equívocos de outros tempos e com a franqueza que, como agora se prova, algumas vezes lhe faltou.
É na verdade inútil - e errado - apresentar a adesão como escolha inexorável, até porque nessa proposição se nega a liberdade inerente ao próprio acto de escolher. Também por isso, só poderão encontrar-se vantagens num confronto aberto e isento de complexos, susceptível de colocar em perfeito contraste, perante o País, os fundamentos da plena integração na Comunidade Económica Europeia e as razões das propostas alternativas que, real ou pretensamente, possam ser apresentadas.
O reacender do debate sobre a adesão é, portanto, uma saudável manifestação de vida; mais estranho e preocupante seria, em boa verdade, se o corpo social mantivesse, em relação a tão profundo desafio, uma atitude apática, capaz de liquidar, desde logo, boa pane do seu potencial de resposta.
A adesão mobiliza e afecta interesses, incentiva ou desmobiliza projectos, envolve, por si só, opções importantes quanto ao próprio modelo de sociedade. Não pode, pois, surpreender-nos que esses interesses se expressem e agitem, sobretudo quando o arrastamento excessivo das negociações e a crise interna dos Dez facilitaram a acumulação de dúvidas e incertezas. É difícil encontrar aqui sequer uma das tão glosadas originalidades portuguesas: com outros métodos, por outros meios, o debate público sobre a participação na CEE atravessou idênticos momentos críticos na maioria dos actuais Estados membros.
Queremos, sem dúvida, a adesão. Mas queremos que ela seja um acto livre, consciente, e não a aceitação resignada de um qualquer fatalismo histórico de inspiração sobrenatural. Isso implica, indiscutivelmente, o confronto desinibido das opiniões, mas obriga também à recusa firme do oportunismo político que tão facilmente transforma a crítica em calúnia, pondo em causa, com dois ou três slogans anos seguidos de estudo e trabalho sério.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A importância do debate público exige, naturalmente, dos que nele participam, honestidade intelectual e conhecimento mínimo das matérias.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Valerá talvez a pena recordar que a candidatura de Portugal à Comunidade, apresentada em 1977 e consagrada nesta Câmara por voto unânime do PS, PSD e CDS, foi alicerçada em sólidas motivações de natureza, política, secundadas, de resto, não apenas pelas organizações partidárias, mas também por forças sociais relevantes, entre as quais se contava um sector claramente maioritário de empresários industriais e agrícolas.
Independentemente das influências conjunturais, que não podem ser minimizadas, estava essencialmente em causa a redefinição do posicionamento externo do País, depois da descolonização, e a opção por uma sociedade democrática, aberta e plural, depois da experiência revolucionária.
Com a morte do Império criaram-se condições para que a conjugação dos dois termos desta equação pudesse encontrar-se no aprofundamento das ligações políticas e económicas com a Europa continental, em particular através da construção comunitária.
De facto, passado o 25 de Novembro, a decisão de aderir não representava já um "corte" ou uma descontinuidade histórica, como teria acontecido, hipoteticamente, antes do 25 de Abril; o verdadeiro momento de ruptura havia ocorrido já com a independência das colónias e a opção europeia surgia agora, no plano político, como o prolongamento das tendências que conduziram ao Acordo Comercial de 1972 e como uma matriz de referência para a afirmação interna de um modelo aberto e equilibrado, oposto ao passado antidemocrático e às tentações totalitárias de 1975.
No plano da organização da política económica, a adesão passou a ser vista como instrumento de estruturação de um novo modelo de desenvolvimento orientado pelo mercado e como estímulo externo para a progressiva desburocratização e liberalização de um sistema de enquadramento político-institucional da actividade produtiva pouco flexível, crescentemente estatizante e tendencialmente bloqueado. Sabia-se já. então que o processo de integração europeia não poderia trazer, por si só, soluções concretas para os problemas concretos e poucas dúvidas terão surgido sobre a necessidade de negociar períodos transitórios razoavelmente longos para amortecer os efeitos perversos do primeiro impacte e favorecer os movimentos de adaptação às novas realidades.
No seio do bloco político que apoiou e apoia a adesão havia e há evidentes distâncias e diferenças sobre a aplicação à realidade nacional das linhas de força brevemente enunciadas. Mas de entre os principais partidos apenas o Partido Comunista se colocou claramente fora deste quadro. O seu discurso permanece imutável há mais de 20 anos, quando a participação portuguesa nos movimentos de integração europeia era exorcisada em relatório ao comité central intitulado Rumo à Vitória.
Hoje o Partido Comunista prefere fundamentar publicamente a sua oposição à adesão numa ponderação pretensamente asséptica e sensata de vantagens e inconvenientes de natureza económica. Tomando-se de pudores dificilmente compreensíveis num partido marxista-leninista, insurge-se contra a natureza política da opção europeia, como se aí residisse motivo de escândalo ou surpresa.
No discurso do PCP, a cuidadosa escalpelização das implicações sectoriais da adesão e a valorização dos riscos e problemas que ela inevitavelmente comporta constituem, porém, uma útil cortina de fumo para camuflar o essencial.