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11 DE MAIO DE 1985

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O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado: Já tinha escrito a minha intervenção quando tomei conhecimento que em Conselho de Ministros se preparava para ser votado - como acabou por ser -, o novo Estatuto da Polícia. Oxalá que, entretanto, a minha intervenção tenha ficado desactualizada por esse facto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos simples conhecidos, companheiros de trabalho, amigos, pais, avós, filhos ou qualquer outra coisa daquele cidadão anónimo que há dias, há meses, há anos, foi barbaramente espancado pela polícia, contra todas as normas dos direitos humanos, de nada tendo valido ao cidadão o veemente protesto da sua inocência ou, quando muito, da sua reduzida culpabilidade. Mas somos também simples conhecidos, companheiros de trabalho, amigos, etc., daquele cidadão que apelou em vão às forças policiais que o defendessem contra prepotências individuais ou de grupo sem que a mesma «ordem», tão pressurosa em esmagá-lo, acorresse a protegê-lo.
As coisas não vão bem no reino das «forças da ordem». Fique bem claro que não atribuo às forças policiais a maior parte das culpas. A nossa PSP, a nossa GNR, a nossa Guarda Fiscal são até bastante mais eficientes do que lho permitem a sua preparação humana, intelectual e técnica e os recursos disponíveis. Merecem-me, também por isso, muito respeito. Cumprem uma missão difícil, cheia de riscos, em condições nem sempre compatíveis com as exigências das funções. Há que compreender essa situação sem a sobrevalorizar ou subvalorizar. Quem escolhe uma profissão tem de lhe sofrer as vantagens e os inconvenientes.
A questão está em saber se, quando os nossos agentes da PSP e os nossos soldados da GNR ou da Guarda Fiscal, no seu comportamento concreto, cometem atrocidades, são os primeiros responsáveis do seu comportamento em face das vítimas.
«Roma e Pavia não se fizeram num dia.» A nossa exigência de homens públicos responsáveis obriga-nos a colocar num prato da balanço uma década de vida democrática e no outro 5 décadas de ditadura. As ditaduras não formam agentes da ordem, mas antes da «desordem» institucionalizada. O regime fascista interiorizou comportamentos de «desordem» em nome da «ordem», de pseudovalores, de critérios completamente desajustados da sociedade democrática. Nenhum cidadão esclarecido tem o direito de pedir ao polícia mal alfabetizado, porventura deformado pela ideologia fascista da «ordem social», que assimile na doutrina e, sobretudo, no seu comportamento, os princípios dos direitos do homem, e saiba respeitar os direitos inalienáveis da pessoa humana como ser individual e social. Mas há que exigir aos responsáveis que acompanhem os comportamentos dos agentes policiais de modo a distinguirem os que fizeram a aprendizagem da vivência democrática e os irrecuperáveis como agentes de autoridade em democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apelo à consciência de quantos me ouvem no sentido de contribuirmos para garantir algumas condições de melhoria das nossas forças policiais. Se a minha voz nesta tribuna tiver algum eco no Governo, nesta Assembleia, nos meios de comunicação social para este problema, eco que se traduza em medidas concretas tendentes a impedir graves abusos contra a pessoa humana, terá valido a pena esta minha modesta intervenção e ficará justificada a vossa paciência em ouvir-me.
Nesta como em outras matérias de capital importância social e moral para o País, a voz dos deputados ficará sepultada no silêncio desta nobre sala e reduzida à dimensão das páginas do Diário da Assembleia da República, se os órgãos de comunicação social não quiserem ou não souberem amplificá-la na medida do seu interesse para a colectividade.
Apraz-me salientar que as minhas preocupações neste domínio nascem, por um lado, de experiências pessoais e de contactos com eleitores e cidadãos; e, por outro e sobretudo, de reportagens e artigos de opinião da nossa imprensa. Jornais diários e semanários, de diferente posicionamento ideológico, têm tratado, com louvável sensibilidade e elevado civismo democrático, o problema da formação dos agentes policiais. Sem querer privilegiar nenhum dos senhores jornalistas atentos a essa realidade, permita-se-me uma chamada de atenção para o artigo de Lurdes Feio no semanário O Jornal de 25 de Abril de 1985 sob o título Como se fazem os «agentes Ferreiras» da PSP, o qual tem como ponto de referência o destroço de uma família por um agente descontrolado. Não conheço a jornalista, mas tenho-me habituado a observar do lado das mulheres uma sensibilidade mais aguda e uma rara intuição para o sentido da ordem autêntica, do respeito pela grandeza humana e uma maior atenção para questões que nós homens, às vezes preocupados com problemas de pseudograndeza, tendemos a catalogar no rol das coisas menores.
Lurdes Feio começa assim a sua reportagem:

Há alguns meses atrás, a escassez de emprego, a falta de escolaridade e a ausência de horizontes lá na terra levaram mihares de jovens, entre os 21 e os 28 anos, a candidatar-se a um lugar na PSP. O magro salário poderia ser compensado com a «respeitabilidade» de uma farda e a «força» de uma arma.

A jornalista entra depois no mecanismo do recrutamento. A baixa exigência intelectual, a benevolência nas provas médicas, o funcionamento das «cunhas», etc. O Jornal recolheu para o efeito a opinião de um médico psicanalista.
Por minha parte e com forma diversa mas idêntica intenção, requeri nesta Assembleia há cerca de 1 ano informações ao Ministério da Administração Interna sobre as exigências postas no recrutamento dos agentes policiais, A resposta veio em termos exaustivos, mas não capazes de me satisfazer.
O cidadão e o deputado não ficaram convencidos.
Quero dizê-lo claramente: os Srs. Ministros da Administração Interna que sobraçaram a pasta desde o «25 de Abril» de 1974 têm responsabilidades graves a assumir nesta matéria. Progrediu-se muito, mas muito está ainda por fazer. Daqui apelo ao Sr. Ministro Eduardo Pereira para que use das suas competências na adopção, nomeadamente das seguintes medidas:

a) Formação e sensibilização dos agentes para o cumprimento dos seus deveres por vezes de difícil harmonização da defesa dos interesses públicos com o respeito integral dos direitos da pessoa humana;
b) Exclusão dos agentes manifestamente incapazes de se adaptarem ao exercício da autoridade policial em regime democrático, sem prejuízo da salvaguarda dos seus direitos como trabalhado-