12 I SÉRIE - NÚMERO 1
É cada vez mais evidente que não poderá prolongar-se por muito mais tempo a solução governativa adoptada na sequência das eleições de há um ano. Sem dúvida foi inteiramente normal e dentro das regras democráticas oferecer ao partido mais votado a responsabilidade de constituir governo. O que já não poderá considerar-se normal nem dentro das regras democráticas, porém, é que -ao contrário do que acontecera antes com outros que também não haviam alcançado a maioria absoluta mas até haviam obtido votações mais altas- este partido tenha querido constituir sozinho um governo minoritário, mas ao mesmo tempo obstinando-se em actuar como se dispusesse de maioria. Não creio haver nesse comportamento demonstração de talento ou habilidade políticos e muito menos da humildade e realismo indispensáveis em todo o jogo democrático. As consequências inevitáveis de uma tal conduta, como em devido tempo havíamos previsto, acabaram por traduzir-se em cada vez mais graves distorções e subversões dos processos e da vida democráticos. É uma situação anómala em regime democrático geradora de uma série de processos irregulares que obscurecem e perturbam o normal funcionamento das instituições e instalam vícios que seria perigoso deixar se propagassem na sociedade portuguesa.
E, a não ser que o objectivo último seja a preparação de condições eleitorais favoráveis, não vemos que o próprio Governo possa, em boa verdade, considerar-se satisfeito com os resultados obtidos. A prioridade das prioridades em nome da qual denunciara a coligação com o PS -alteração das características do regime e das estruturas sociais em que este assenta- foi, sem qualquer dúvida, ao cabo de um ano de governação, um objectivo inteiramente fracassado. Alguns resultados positivos que poderá anunciar são muito menos consequência da sua acção do que de factores externos a que é estranho; não teve capacidade para aproveitar essa extraordinária conjugação de condições favoráveis para provocar o indispensável relançamento da nossa economia; e até a sua permanência no poder não se deve ao reconhecimento do mérito da sua actuação, mas simplesmente à dificuldade da maioria em encontrar uma alternativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A precariedade e debilidade da posição política tenta ser iludida com a máscara da dureza autoritária, da afirmação imperativa, impondo aos cidadãos uma imagem que nada tem a ver com os valores da tolerância, do diálogo, que a todos deveriam aparecer como paradigmáticos da vida democrática. Não há explanação clara, inteligível, das ideias nem o desdobrar de argumentos lógicos nem o apelo à razão. Há o martelar de fórmulas, de slogans, construídos com meias verdades ou até com inverdades que, utilizando a mais espantosa máquina de propaganda, se tenta impor apenas pela repetição insistente, obsessiva, até à exaustão. E, para isso, é preciso evitar a todo o custo a transparência da verdade e a clareza do confronto das ideias.
Mistificam-se, ocultam-se, factos que a opinião pública, que os partidos políticos, insistem em ver esclarecidos por respeitarem a aspectos graves da vida da Nação e até porventura atingirem a segurança colectiva, o prestígio internacional e a nossa independência perante o estrangeiro. Evita-se a todo o custo o diálogo, mas, quando não é possível, é reduzido ao cumprimento de uma mera formalidade, esvaziado de qualquer conteúdo construtivo. Muito longo é o rol de exemplos que poderiam ser dados, mas não resisto a citar um dos mais recentes, essa espantosa proposta do Governo, para evitar as idas de membros do Executivo às comissões parlamentares especializadas, onde o debate é muito mais aberto, frontal e fundo do que nas sessões de perguntas ao Governo. E, como peça fundamental desta estratégia, a mais estrita submissão dos órgãos da comunicação social estatizados, exonerando o conselho de gerência de um jornal, tentando o domínio do sector das agências noticiosas através de expedientes ilegais, exercendo um clima de intimidação na rádio e na TV, ao mesmo tempo que, no aparelho de Estado, afasta por motivos de discriminação política directores-gerais e outros dirigentes do quadro da Administração Pública, o que se estende à banca nacionalizada e outros sectores, através de formas de actuação que já hoje são designadas por «terrorismo político», instalando um clima policiesco, intimidativo, que provoca a deterioração das relações humanas e de trabalho, criando uma verdadeira atmosfera de medo.
A incapacidade de se integrar nos mecanismos e no relacionamento democrático chega ao absurdo de acusar de irresponsáveis os partidos da oposição por estes não seguirem o Programa do Governo, abdicando dos seus próprios, que mereceram o apoio de 70% do eleitorado. E, numa inconcebível tentativa de manipulação da opinião pública, partindo de valores obscurantistas que o fascismo desenvolvera, chega a afirmar que toda a oposição, irresponsável, anda a reboque do Partido Comunista Português. São valores que não cabem numa mentalidade democrática sã nem são conciliáveis com a dignidade exigida pelo cargo de Primeiro-Ministro.
Uma voz do MDP/CDE: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No plano institucional, porém, são limitados os seus movimentos pelos órgãos constitucionalmente estabelecidos, que têm contrariado muitas das suas tentativas inconstitucionais de subversão e estrangulamento de muitos aspectos das estruturas do regime. Papel importante tem desempenhado o Tribunal Constitucional, mas o de maior relevo tem cabido à Assembleia da República que assim tem assumido com dignidade e eficiência o papel de sede política central da vontade popular. O conflito que o Primeiro-Ministro tem alimentado com a Assembleia da República na tentativa de se desculpabilizar aos olhos da opinião pública, é uma situação, no mínimo, absurda em regime parlamentar, pois se traduz, em última instância, na fórmula: se o Governo governa bem, o povo que se demita.
Como centro da vida política portuguesa, é da Assembleia da República que tem partido e partirá, em última instância, o papel fundamental na condução do processo político. A própria composição actual da Assembleia da República encerra expressivamente o capital de confiança e vitalidade dos resultados eleitorais e que está longe de esgotar-se com este Governo. A interpretação dos resultados eleitorais e da sua expressão na composição desta Assembleia mostra bem que este Governo é apenas uma das soluções que ela pode gerar - e porventura, até, como se tem visto, uma das mais frágeis e inconsistentes. Visivelmente gasta a fórmula governativa actual, a nova fórmula poderá e deverá nascer de entre as várias hipóteses que a maioria desta Assembleia encerra. Em nosso enten-