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20 DE NOVEMBRO DE 1986 445

Fique pois bem entendido que vamos aprovar o edifício sem ter aprovado as fundações.
Não poderemos, contudo, com um mínimo de seriedade, «fazer de conta» que o Governo que produziu e aprovou as Opções de que veio a arrecear-se deixou de ser o mesmo, ou deixou de ser tão mau, pelo facto de a discussão dessas opções ter sido postecipada!
Uma habilidade dessas, só no programa do meu querido amigo Raul Somado!
Porque grave, Srs. Deputados - tão grave com a discussão das Opções como sem ela -, é sermos governados por quem mostrou ter uma visão do nosso futuro tão grotesca, tão retrógrada, tão decadente e tão enevoada como a que se espelha na confusão mental a que o Governo chamou o Plano Anual e o Plano de Médio Prazo.

A Sr.ª Amélia Azevedo (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Sermos governados por quem, em suma, mostrou ser tão incapaz de enfrentar com um mínimo de perspectiva e clarividência os desafios do futuro que nunca a nossa jovem democracia havia em tão alto grau passado pelo ultraje de ver convertido numa tonteria sem nome o funcionamento de um dos seus mais importantes e democráticos instrumentos de trabalho.
Vale por isso a pena não fazer de conta que o Orçamento deixou de ter por fonte inspiradora as Grandes Opções do Plano que o Governo adia mas não enjeita, ou que este deixou de ter os defeitos que a sua aprovação postula.
Até porque, apesar da votação feita aqui sobre a cissiparidade da proposta, desconheço a existência de qualquer texto de alternativa que deva tomar em conta, não sabendo eu nomeadamente por que meridiano do texto principal passa a imaginária linha divisória.
Certo é que o chamado «complemento» à proposta de lei do Governo não surge destinado a substituí-la, como é próprio dos «complementos», antes «tem nela o seu enquadramento», embora não se saiba exactamente qual!
E, para que não restem dúvidas, lá ressurgem as nove opções do texto-mãe, e as percentagens das respectivas dotações no PIDDAC, não sendo lícito supor que o Governo mantém as Opções e enjeita o sentido que lhes empresta, e que só no texto base pode substancialmente colher-se.
A não discussão, neste momento, das Grandes Opções, tal como o Governo as congeminou, em nada altera, por isso, o fundo das nossas preocupações. São o que são e o Governo o que por tê-las produzido é.
O que são então as Grandes Opções que lemos agora e discutiremos no Inverno, que é o tempo próprio delas?
Um pretexto para devaneios literários de péssimo gosto, para a retoma de visões passadistas do nosso destino colectivo, para exercícios de frasismo oco que nos deixam no palato a sensação frustrante de que todo este Plano não serve para nada, tirante a jocosidade que desperta e de que a imprensa e o ridículo já se apossaram mortal e desapiedadamente.
Desconheço quem possa ter sido o autor da parte não económica - essa igualmente má mas literariamente escorreita - deste eterno retorno aos idola mentis de um nacionalismo requentado, desta exumação de ideias que o tempo cadaverizou! Mas sei que foi o Sr. de Lapalisse quem inspirou mimos de tão aprimorado requinte como estes:

Não se escolhe quando se quer que, por exemplo, Portugal seja a um tempo do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul [...]

Portugal não poderá continuar a ser Portugal sem ser português 1... ]
A Europa também se vê do mar.

Risos do PS e do PCP.

Ficam assim resolvidas estas dúvidas cruéis!
Se discutidas agora as Opções, o País teria tido notícia de uma concepção do nosso futuro colectivo segundo a qual «tem de se imaginar um Portugal que se queira - este, não aquele, assim mesmo e nunca de outra maneira - e um Portugal que se possa, no qual se acredite, nele e nesse seu poder».

Risos do PS e do PCP.

Ficaria elucidado sobre a concepção de cultura que o Governo perfilha e a política cultural que o Governo prossegue, e que se espelha nestas amostras colhidas ao acaso:

No que toca à Europa, Portugal deve privilegiar as relações culturais [...] junto dos países que pertencem mais ao mar [... ]
A política cultural portuguesa tem de ser extremamente selectiva [...]
A primeira selecção é-nos feita pelo ponto de vista de que Portugal dispõe junto ao mar.

Eis-nos, pois, na linha de uma Política Cultural da Borda d'Água!

Aplausos do PS.

O Orador: - Viva o apartheid cultural, vivam as elites!
E abaixo -definitivamente- os editores, os tipógrafos e os pedagogos!...
Para este Governo, «não são necessários mais livros, mais professores de Português, mais colóquios, mais centros culturais ou mais institutos. São até necessários menos (sic) mas melhores!».

Uma voz do PSD: - Melhores advogados!

O Orador: - Isto porque « O conceito distributivo e equitativo vigente até hoje terá de ser substituído por um conceito selectivo e premiador da qualidade [...]» O que tanto vale como dizer que o nosso humanismo universalista terá sido um erro. Agora, o Portugal a haver que o Governo visiona na nova ponta de Sagres que o Plano é não mais leva o espírito de missão junto do gentio ignaro, mas das elites cultivadas.
«Nos países de língua portuguesa [...] que a política cultural privilegiará [...] esta política será sempre altamente selectiva, visando mais directamente a influência sobre as elites actuais e futuras [...]»
No Brasil e nas ex-colónias, «pequenas acções intensivas junto das elites».
Ainda como política de cultura, o Governo propõe:

[...] um certo extremismo, dada a exiguidade dos meios: ou muito português, ou muito bom.

Risos do PS.

Feita esta radicalíssima opção, «tudo o mais, em matéria de cultura, será deixado à consideração do mercado».

Risos do PS e do PCP.