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550 I SÉRIE - NÚMERO 15

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 358/86, que estabelece o regime disciplinados da alienação de participações ou bens e instalações detidos pelo Estado em empresas de comunicação social, revelou-se indispensável.
Indispensável em face do texto legal concreto aprovado pelo Governo. Evitável, porém, se o decreto-lei em apreço não viesse descaracterizar e até mesmo subverter a Lei n.º 20/86, oportunamente aprovada pela Assembleia da República. Evitável, ainda, se as medidas já anunciadas ou que se adivinham em preparação pelo Governo não tivessem como objectivo central o desmantelamento, a qualquer preço, do sector público da comunicação social.
Ponhamos as cartas na mesa.
Este governo tem um desígnio que lhe advém do seu Programa e que visa restringir o sector público exclusivamente a uma estação de rádio, a um canal de televisão, a um jornal e, agora, nem sequer já a uma agência noticiosa.
Este governo sabe que os seus propósitos têm sido várias vezes condenados - e maioritariamente condenados - na Assembleia da República. Sabe ainda que a matéria relativa aos meios de comunicação social tem uma dignidade que conduz a inseri-la na parte da Constituição atinente aos direitos, liberdades e garantias e que esta matéria é da competência legislativa do Parlamento.
O Governo sabe estas coisas, mas conduz-se por forma a ignorá-las na prática. A ignorá-las deliberadamente.
Trata as questões da informação com se de simples questões financeiras se tratasse. Divulga défices do sector público da comunicação social na verdade bastante preocupantes. Encara-os, todavia, como espantalho para legitimar a sua política de desmantelamento. Desvaloriza o facto de a crise da imprensa ser uma crise generalizada. Não diz quanto deve à banca pública o sector privado da comunicação social. Não contabiliza os subsídios dados pelo Governo ao conjunto do sector. Não esclarece onde são os défices resultado essencial de administrações deficientes ou até de políticas ruinosas, como as praticadas pelo PSD em matéria de agências noticiosas. Confunde o que pode e deve ser feito para introduzir correcções estruturais no sector com campanhas que têm tanto de ideológico como de demagógico.
Protagonista do espírito do «Estado polícia»,este governo vê perigosas ameaças de colectivismo em tudo o que exprima defesa do interesse público. Este governo recusa-se a admitir que liberdade de iniciativa é coisa muito diferente de iniciativa livre por parte de sectores privilegiados da sociedade, com manifesto prejuízo de outro.
De facto, o Governo quer desmantelar o sector público da comunicação social, mas só forçosamente, e mal, define um processo de actuação compatível, com as regras do Estado de direito.
Alerta a opinião pública para os gastos, mas é impotente para cumprir a exigência legal de tornar público e totalmente transparente o cadastro das empresas. O Governo quer vender bens cuja avaliação patrimonial previamente se não conhece, por incumprimento do artigo 6.º da Lei n.º 20/86.
Diz defender o pluralismo, mas recusa um modelo de gestão das empresas públicas que desgovernamentalize e confira real independência aos órgãos de informação; recusa, através do PSD, que a competência para licenciar a actividade de radiodifusão seja feita por organismo independente. Este Governo controla manipulando e manipula controlando.
Quer dar um canal de televisão à Igreja Católica, mas não eurou, em tempo oportuno, de definir as regras do concurso público para permitir o acesso, em condições de igualdade, da iniciativa privada à televisão.
Anunciou recentemente a decisão de venda do Anuário Comercial por parte da Empresa Pública Noticias e Capital, das participações de capital no jornal Record e da «casa de obras» da Empresa Pública Diário Popular. Fê-lo no passado dia 14, através de conferência de imprensa, na sequência de resoluções anunciadas na véspera e nesse mesmo dia postas em causa na Assembleia da República.
Uma semana antes, o secretário de Estado da tutela estivera na Subcomissão para a Comunicação Social, que elaborava o seu relatório sobre a incidência das GOPs e do Orçamento no sector da informação.
Uma semana antes, aquelas medidas, qualificadas de «indispensáveis» e «urgentes», haviam sido sonegadas pelo Governo à Assembleia da República. Provavelmente, a decisão de as tomar fora igualmente sonegada às próprias administrações da EPDP e da EPNC.
A primeira, escusara-se a vir depor à Subcomissão, por não estar ainda em condições de apresentar o orçamento da empresa para 1987, alegadamente pelo facto de a sua posse apenas há um mês ter tido lugar. Como poderia, então, estar já em condições para propor ao Governo a alienação das quotas do Record e da «casa de obras»? Sem as contas em ordem, sem inventário patrimonial, sem orçamento, uma de duas coisas aconteceu: ou o conselho de gerência sonegou à Subcomissão de Comunicação Social informações essenciais quanto ao futuro da empresa ou o Governo mentiu quando publicamente afirmou que a proposta de alienação lhe fora apresentada pelo conselho de gerência.
Igual contradição é patente no caso da EPNC: o conselho de gerência comunicou à Subcomissão a intenção de manter em exploração o Anuário Comercial, criando, para o efeito, uma nova empresa em que assumiria a maioria do capital. Mas o Governo sustenta que o conselho de gerência lhe propôs, simplesmente, a venda do Anuário Comercial. Eis que de novo alguém mentiu ou gravemente se equivocou.
Apresento, nesta data, requerimento ao Governo solicitando cópias das propostas e ofícios recebidos daqueles conselhos de gestão propondo as medidas anunciadas. Veremos então quem proeurou ludibriar quem.
A conclusão é, todavia, perceptível: em todo este processo o Governo agiu com reserva mental. Para quem considere a afirmação exagerada convém lembrar, por exemplo, que na aludida conferência de imprensa o Governo veio comunicar a decisão de vender a participação no Record. Aos olhos de qualquer cidadão desprevenido, o facto era dado como adquirido. Mas, alguns dias depois, o secretário de Estado da tutela reconhecia na Subcomissão, nas suas próprias palavras, que afinal o Governo só tinha «capacidade para propor a alienação», tendo em vista a necessidade de obtenção de parecer favorável vinculativo por parte do Conselho de Comunicação Social.