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894 I SÉRIE - NÚMERO 20

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos com toda a atenção a declaração política do Sr. Deputado António Capucho em nome do PSD.
Na realidade, o Governo devia e deve ao País uma explicação profunda sobre o que entende relativamente ao debate orçamental e o PSD, que se manteve praticamente silencioso ao longo de todo o debate, também deve a esta Câmara, também deve ao País, o seu entendimento das consequências do debate orçamental. Devia-a antes da intervenção do Sr. Deputado António Capucho e continua a devê-la, visto que o Sr. Deputado António Capucho, num desânimo compreensível, apenas nos deu mecânica regimental. Nada disse sobre o fundo das questões; absteve-se de ir ao fundo da questão política; limitou-se a falar do processo regimental, em termos que, aliás, são consensuais nesta Câmara.
Recordo-me de que em Março, quando aqui discutimos o Orçamento do Estado para 1986, próximo do término da votação, eram já altas horas da madrugada, o Sr. Deputado António Capucho, porque tinha mais fôlego, mais ânimo e mais coragem, fez então a declaração política que hoje aqui diz que não podia ter feito na passada sexta-feira - e, após sete dias, mal refeito, continuava ainda sem capacidade para a fazer. Noto que, desta vez, nem sete dias lhe chegaram para que houvesse uma recuperação!...
Antes de fazer esta declaração política, fiz uma revisão do que disse, por exemplo, a imprensa de direita, se assim se pode dizer. Um articulista que não é suspeito de ser de esquerda escreveu, com alguma graça mas com inteira verdade, que o Governo estava um bocado como o Benfica - era a sua expressão - após a derrota estrondosa e clamarosa frente ao Porto, ou seja, estava desnorteado. Isto é, o Governo, quanto ao facto de o Porto lhe ter dado o norte, ficou e continua desnorteado.
E o PSD, o partido que após a sessão em que foi discutido o diploma sobre a dedicação exclusiva já não sabemos se apoia o Governo se é apoiado pelo Governo, se está em contradição com o Sr. Primeiro-Ministro ou se, pelo contrário, apoia o Sr. Primeiro-Ministro - é essa a parte fundamental da desorientação que o PSD e o Governo hoje vivem -, continua sem pagar nas questões de fundo.
Esperávamos que o PSD tirasse as consequências políticas deste debate e entendesse, de uma vez por todas, que um governo minoritário, legítimo, plenamente legítimo, não se pode assumir como um governo que dita à Câmara a sua vontade. O Governo tem de entender os conceitos essenciais para que possa haver reformas e não pode - nem deve sequer - chegar aqui pretendendo impor a sua vontade na base dos seus 29%. Isso não chega, está plenamente demonstrado. O Orçamento é a expressão clara de um governo que apenas sabe governar, impondo e não dialogando, como, de facto, é timbre democrático.
O que nos diz este orçamento? Diz-nos uma questão fundamental: é um orçamento de rotina, é um orçamento sem rasgo, é um orçamento a que faltam todas as reformas que nos foram prometidas. Nem uma única reforma se encontra lá inscrita. É um orçamento que erra nas suas prioridades; é um orçamento de continuidade; é, no fundo, um orçamento de gestão.
O Governo, com a sua arrogância -agora já perdida, mas até à apresentação da proposta orçamental mantida bem alto -, afinal de contas, reduziu-se a si próprio a um governo de gestão. Não é mais do que isso e continuará a não ser mais do que isso. Talvez nem sequer seja já isso e esse é o ponto fundamental.
O debate orçamental marcou uma viragem decisiva: é o princípio do fim e é, ao mesmo tempo, uma página que se abre para que a alternativa ganhe a força que um dia se imporá nesta Assembleia.
O que verificamos é que este governo, com esta proposta orçamental, veio aqui confessar que não quer, não pode, não sabe apresentar nenhuma das reformas estruturais de que o País precisa.
A reforma fiscal, ela própria tão facilitada pela presente conjuntura, não é sequer aflorada, mas sim postergada para não se sabe que calendário.
Quanto ao investimento, para falar agora de outras tentativas que este governo deveria iniciar, o que há na proposta orçamental que induza confiança nos investidores, lhes dê o apoio e o suporte de que precisam para que os seus projectos se possam fazer em confiança? Não encontramos lá nenhuma das grandes linhas que pudessem orientar uma política económica, uma política científica, uma política tecnológica de médio e longo prazos. Só assim é que o investimento pode ter sentido.
Quanto a essa política de médio e longo prazos, o Governo sofreu aqui uma derrota estrondosa: as GOPs acabaram por ser retiradas. Tendo o Governo anunciado que fazia das GOPs a sua carta fundamental de médio e longo prazos, agora que as retira tem também de extrair a conclusão de que não tem projecto político, não tem projecto económico, não tem projecto científico e tecnológico que possam abrir futuro a este país. Se tirar essa conclusão tem também de dar o passo seguinte, que é o de vir a esta Câmara negociar com as forças políticas aqui representadas os consensos absolutamente essenciais para que possa haver reformas ou, então, demitir-se por incapacidade própria e não, como é evidente, por qualquer obstrução que a Assembleia lhe tenha feito.
Aliás, deste ponto de vista a questão fundamental é esta: o Governo não se vai demitir, o Governo quer estar no poder pelo poder, o Governo quer, no fundo, gerir a conjuntura, porque não tem outra visão - é isso tão-só que lhe interessa.
Gostaria de dizer aqui muito claramente, em nome do Partido Socialista, que com esta viragem se abriu caminho para um alargamento com vista à construção da alternativa. Alguns senhores deputados pensam que a alternativa nasce da vontade do poder de uns tantos - é a sua visão. Para nós, a alternativa nasce da proposta, nasce do diálogo, nasce do projecto que se constrói consensualmente, em primeiro lugar com o eleitorado e em segundo lugar com outras forças políticas que, não tendo inicialmente votado as suas propostas, apesar de tudo acabam por lhes reconhecer mérito suficiente para que elas constituam a espinha dorsal de um projecto neste país.
O PSD, colocando-se como se coloca sem qualquer capacidade negocial, está em vésperas de se auto-excluir - e este ponto é extraordinariamente grave - de qualquer possibilidade de participar na revisão constitucional.