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12 DE DEZEMBRO DE 1986 925

Não será preferível, quando se trata de terra, pecar por excesso do que pecar por defeito?

O Orador: - Sr. Deputado, a discricionariedade é um instrumento de trabalho da vida administrativa de qualquer país e é necessária. O que lhe quero dizer é que não é necessário saltarmos disto para a discricionaridade, pela razão simples de que lhe dei o caminho. Por que é que tudo o que é avaliação, sobretudo avaliação quantificante de indemnizações, não vai para ser resolvido nos tribunais arbitrais necessários? Eles existem para isso! A arbitragem é a coisa mais justa que pode haver, porque há um representante de cada parte, e há um terceiro membro - provavelmente um magistrado -, que não será de parte nenhuma, e que estará ali a servir de fiel da balança, a ouvir as duas partes e a arbitrar. Acho que isto é muito mais razoável. Mas repare: é que ao mesmo tempo que se espartilha - e foi por isso que eu disse que a proposta de lei simultaneamente é espartilhante e salta do espartilho para a «meia bola e força» -, lá vêm os famigerados pareceres das direcções regionais a acabar com os espartilhos. Quer dizer, se houver um parecer favorável do IGEF ou, noutros casos, da direcção regional, o espartilho desaparece. Portanto, o espartilho está lá para complicar, mas há sempre uma maneira administrativa de saltar por cima dele, que não é provavelmente a melhor.
Nunca vi um texto legal - e provavelmente o Sr. Deputado também não o consegue ver - que conferisse tão alto poder decisório à figura jurídica do parecer, pois, normalmente, não tem eficácia vinculativa e quando o tem, isso é excepção. Aqui, o parecer decide sempre, escolhe quem é que tem a preferência, escolhem quem é que há-de ser escolhido, escolhe tudo. Portanto, já vê que não posso, de maneira nenhuma, concordar com o Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Álvaro Figueiredo pôs, no fundo, a mesma questão, a que implicitamente já respondi, se o espartilho não serve a justeza das decisões. Não, o espartilho evita as decisões, para começar. Não haverá emparcelamento nenhum, Sr. Deputado, com uma proposta de lei como esta. Ela não vai ser aprovada tal como está e disso dou a minha garantia absoluta, pois conhecendo eu os deputados desta Assembleia, quando se estiver a discutir ponto a ponto e se eu tiver oportunidade de expor as minhas objecções - ao menos as minhas, porque outros outras lhe exporão -, o Sr. Deputado não vai concordar com a lei tal como está. É impossível concordar com a lei tal como está! É uma lei que, a meu ver, representa um passo atrás e nós precisamos de uma lei que represente em relação às que vigoram um decisivo passo em frente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A proposta de lei do emparcelamento rural não pode ser apreciada de forma isolada. A sua análise terá necessariamente de se enquadrar no contexto da realidade sócio-estrutural e económica da nossa agricultura e das suas envolventes.
Atente-se em alguns aspectos que convém pormenorizar. A percentagem de explorações agrícolas com menos de 4 ha, situando-se embora na ordem dos 80% do total das explorações e envolvendo mais de 2 milhões de pessoas, representa apenas menos de 15 % da superfície agrícola do continente.
Significa isto que a incidência sócio-económica prevalece, neste caso, sobre a estrutura económico-agrícola das explorações, sem desprezar, no entanto, que nestes cerca de 15 % da superfície agrícola, e apesar de todos os condicionalismos inerentes, se têm gerado entre 34% a 36% do produto agrícola bruto.
A amplitude dos problemas da nossa agricultura, o seu estado de subdesenvolvimento, estão, pois, muito longe de resultar das deficiências estruturais do minifúndio. Poder-se-á mesmo dizer que se as potencialidades dos recursos existentes ao nível dos restantes 85 % da superfície agrícola estivessem capazmente exploradas, teríamos por certo uma agricultura tão desenvolvida quanto a de outros países europeus.
Afigura-se, pois, inaceitável que se pretenda priorizar a acção a desenvolver sobre o minifúndio em termos de alterações estruturais que podem comportar em si um processo de rotura violenta do tecido sócio-estrutural e económico das populações rurais.
É que a proposta de lei de emparcelamento que o Governo nos apresenta não se remete unicamente a acções de reagrupamento predial ou formas de emparcelamento, em que o objectivo é tão-somente o da melhoria das estruturas da exploração e da dotação de infra-estruturas de valorização da terra.
Nesta proposta de lei está implícita uma filosofia que conduz, por via da selectividade das medidas de política que vêm sendo implementadas, à concentração da propriedade, à custa da liquidação das pequenas explorações agrícolas.
Isto é tanto mais evidente quanto se conjugado com os programas de financiamento previstos para a agricultura, que privilegiam a concentração dos capitais produtivos, em simultâneo com a marginalização das pequenas explorações.
Neste contexto não se poderão ainda esquecer os objectivos manifestos do Governo de reduzir a superfície agrícola a cerca de metade da actual, colocando-nos essencialmente como produtores de pasta de celulose e rolaria, dando satisfação às necessidades da CEE, mas agravando a nossa dependência em produtos agro-alimentares essenciais.
Também a proposta de lei do arrendamento rural, agravando sobretudo a situação dos agricultores rendeiros autónomos, premeia, por um lado, o absentismo e, por outro, conduz à concentração da exploração da terra, à custa da expulsão de grande número de pequenos rendeiros.
Não faltarão, por certo, os que, com uma visão pretensamente tecnicista dos problemas, apoiem calorosamente esta estratégia conjugada.
Mas convirá lembrar que estes que, por exemplo, afirmam que há excedentes de população activa na agricultura também o dizem para a função pública, para a indústria, etc.
E aqui reside uma das grandes contradições de todo este processo em que se enquadra a proposta de lei do emparcelamento. E que esta filosofia de emparcelamento, se defensável, só seria exequível, sem profundos conflitos, se, a precedê-la, se verificasse o desenvolvimento de outros sectores da actividade económica e a sua expansão para o interior das regiões, por forma a absorver os activos disponíveis e a remunerar convenientemente o trabalho.
A não ser que nos pretendam convencer de que advirão vantagens para o País em transformar eventuais excedentes de activos na agricultura em excedentes de reformados precoces.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Recorrendo à sabedoria popular, sempre diremos, como São Tomé, que há que «ver para crer», que é como quem diz: o que tem sido a experiência passada, e sobretudo a mais recente, em matéria de emparcelamento?!