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17 PE DEZEMBRO DE 1986 961

As harmonizações corais levam-nos ainda a uma outra vertente do seu trabalho e da sua preocupação - a união da música à palavra -, preocupação até então não tratada na língua portuguesa, mas fundamental para qualquer musicólogo e para a cultura musical de qualquer país, o que levou João Gaspar Simões a chamar a Lopes Graça «mestre e criador da literatura musical portuguesa».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a este homem que hoje prestamos homenagem, agradecendo a Deus o podermos fazê-lo quando se encontra no pleno uso de todas as suas faculdades, no vigor dos seus 80 anos, o que nos permite supor que, para bem da cultura portuguesa e prazer de todos nós, poderemos continuar a contar com a sua actividade criadora.
Desejando que daqui a dez anos o estejamos a festejar de novo, os nossos parabéns e o nosso muito obrigado a Fernando Lopes Graça.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Igualmente para produzir uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Escreveu um dia José Gomes Ferreira:

Toda a noite cantaste em voz baixa,
para adormecer o menino,
a canção do Graça:
«Ó papoilas dos trigais...»

Canta, canta,
para o acordares mais.
(Transforma-lhe os dedos
em pátrias de punhais.)

Eram, então, os anos eseuros do País feito cárcere pela ditadura. Árdua e profunda, a resistência não desarmava a sua porfia pela liberdade. O movimento de oposição democrática estruturava-se, crescia, pugnava, convocando as energias individuais e a dignidade elementar de cada português: trabalhador das fábricas ou da palavra, camponês ou artista, soldado ou professor. De mil formas se tecia a arvora imensa do combate. Em muitas das raízes, em inúmeros ramos, esteve, íntegro e fraterno, o homem cujo 80.º aniversário aqui celebramos.
O futuro conhecerá e amará a sua «magistral obra de arquitecto de sons», como lucidamente afirmou João de Freitas Branco, irá estudar e difundir o seu fecundo trabalho de compositor e de músico de rara sensibilidade. Mas não deixará de apropriar-se também das canções heróicas, politicamente empenhadas, desafiadoras e belas, essas que acompanharam, como lembra o poema que comecei por ler, o nosso longo itinerário até Abril e que, numa noite de Maio, explodiram de comovente euforia colectiva, no Coliseu dos Recreios, apostadas em fazer germinar um tempo novo.
Na sua vasta produção, repartida por múltiplos géneros, musicou alguns dos grandes poetas da nossa língua: Gil Vicente e Fernando Pessoa, Camões e Carlos de Oliveira, Antero, António Nobre e Afonso Duarte, Mário Dionísio, Sophia de Mello Breyner e, entre os demais, um que nasceu com o século, desvendou o irreal quotidiano e quis uma revolução que trouxesse «no ventre/o sabor dos frutos». Criou, em 1951, o Coro da Academia de Amadores de Música, com o
qual, disse, prefere deslocar-se «à mais esquecida vila alentejana ou beira, à mais popular (e não alienadora) colectividade filarmónica recreativa da outra banda, a receber os aplausos medidos e convencionais [... ] dos frequentadores habituais das salas de concertos da capital». Essa iniciativa exemplar testemunha, ainda hoje, a vitalidade e grandeza de um projecto que, laborando o fasto material que a história e as gerações nos legaram, preserva a autenticidade do próprio rosto do que somos. As harmonizações corais do maestro, prenhes de rigor e inventiva, reveladoras de uma singularidade estética nutrida pela seiva do sonho que não esquece as suas gavinhas no real, têm sido consideradas modelares. Tão modelares como a acção que desenvolveu no curso das décadas, partilhando empreendimentos como a Seara Nova, o Sol Nascente, a Presença e a Vértice, para só aludir a uns quantos, ou, no plano de um consequente exercício da cidadania, não recuando perante os desafios, acarretassem eles a prisão« que o não poupou, o apoio à Espanha republicana ou as indispensáveis modestas contribuições para o súbito alvorecer das ruas da alegria reencontrada.
Para a personalidade ímpar que honramos nesta Câmara propôs, há dias, Filipe de Sousa, numa sessão pública, o doutoramento por uma das universidades do País e a definição de um programa clarividente de edição e gravação do seu extenso e imperecível acervo criativo. É, certamente, pouco. Importa não o regatear nem entorpecer pela burocracia.
A bancada do PCP não precisa de relevar o perfil do artista do patriota, do democrata, do Comunista, para, nesta circunstância, solenemente se associar às homenagens que vêm sendo promovidas. Basta-lhe o reconhecimento profundo pelo alto mérito da sua actividade quotidiana de intelectual, ao longo de bons 60 anos infatigáveis e marcantes. E evocar uma legenda fundamental desse irreverente construtor de esperanças transformadoras que se chama Fernando Lopes Graça: «O lugar do artista não pode deixar de ser ao lado do povo e da sua luta.»

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Glória Padrão, ainda para uma declaração de voto.

A Sr.ª Maria da Glória Padrão (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fernando Lopes Graça é um nome maior na constelação da nossa cultura. Ao ter escolhido habitar por excelência o espaço dos ritmos da música, que o tornou portuguesmente universal, marcou ao mesmo tempo um lugar na arte e testemunhou de modo raro onde leva a tenacidade e talvez o mistério que faz trabalhar o criador num espaço adverso.
Para além das razões que fundamentam o louvor proposto e que levaram o PRD a votar favoravelmente e com alegria, há uma vertente, não menos importante, e que é preciso sublinhar: é a dos vários diálogos que ele protagonizou.
Corredor de comunicação de compositores de outros espaços geográficos para dentro das nossas fronteiras (em transmissões musicais ou em traduções de livros sobre companheiros da mesma aventura) e do nosso espaço para o exterior; divulgador popular, por ser muito erudito, de uma história da música; criador de tensões e de apaziguamentos entre violinos e pianos e