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964 I SÉRIE - NÚMERO 22

vida pública (artigo 48.º) e, bem assim, os direitos-afins e conexos das associações e partidos políticos (artigo 51.º) e das associações sindicais (artigo 57.º)».
Importa dilucidar os problemas de natureza jurídico-constitucional que nos são propostos.
De acordo com o preceituado no artigo 37.º da Constituição, «todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio...». Tal direito inscreve-se no título da Constituição atinente aos «direitos, liberdades e garantias» (artigo 17.º), considerando a Constituição (artigo 18.º) que:

a) Tais preceitos «são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas»;
b) A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição;
c) Devem as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
d) As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto;
e) Não podem ter efeito retroactivo;
f) Nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Em face da moldura constitucional, impõe-se conhecer o exacto alcance normativo do projecto de lei n.º 308/IV.
Do ponto de vista formal, a matéria de direitos, liberdades e garantias obedece, em toda a sua extensão, ao princípio do domínio reservado da lei. Só a lei pode restringir tais direitos e apenas nos casos constitucionalmente admitidos.
Quando o projecto de lei (artigo 3.º, n.º 2) confere às câmaras municipais a faculdade de «publicação de regulamentos sobre a fixação de publicidade ou propaganda e realização de inscrições ou pinturas murais», é de admitir a hipótese de uma inconstitucionalidade orgânica.
Há, todavia, quem admita que «a lei [formal] pode facultar às autarquias locais a intervenção regulamentar no domínio reservado, designadamente na dos direitos, liberdades e garantias» (José Carlos Vieira de Andrade, in Os direitos fundamentais na Constituição de 1976).
Estaremos, porém, no que ao projecto de lei diz respeito, em domínio exclusivamente regulamentar? Qualquer afixação de publicidade ou de propaganda de qualquer natureza dependem (artigo 1.º) de prévio licenciamento das câmaras municipais.
Ora, por mais vinculado que seja o acto administrativo, fazer depender um direito fundamental de um acto de licenciamento é colocar tal direito na disponibilidade dos órgãos da Administração. Situação essa que, de todo em todo, a Constituição visa impedir em matéria de direitos, liberdades e garantias, salvo nos casos por ela previstos.
Aduzir-se-á que o licenciamento apenas procura disciplinar a utilização e o modo de utilização dos meios de difusão e nunca condicionar o conteúdo das mensagens.
Ora, como se lê no Acórdão n.º 74/84 do Tribunal Constitucional, exarado em 10 de Julho de 1984, «a liberdade de expressão, que o artigo 37.º, n.º 1, garante, compreende o direito de manifestar o próprio pensamento (aspecto substantivo) e, bem assim, o de livre utilização dos meios através dos quais esse pensamento pode ser difundido (aspecto instrumental)».
De onde parece poder concluir-se que a faculdade conferida às câmaras municipais para regulamentar de forma materialmente inovatória na ordem jurídica, podendo assim atingir o conteúdo essencial do direito, como a capacidade que lhe é conferida para aplicar sanções de natureza contravencional são susceptíveis de incorrer em dois vícios de inconstitucionalidade: no primeiro caso, inconstitucionalidade orgânica, no segundo, inconstitucionalidade material por subsumir «as infracções cometidas aos princípios gerais do direito criminal e à competência dos tribunais judiciais» (artigo 37.º, n.º 3, da Constituição).
Subsiste, entretanto, um problema essencial suscitado pelo projecto de lei em análise.
Poderá a lei ordinária regular as condições de exercício dos direitos consagrados no artigo 37.º da Constituição?
Esse parece ter sido o ponto de vista do legislador ordinário, designadamente ao proibir, através da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, a afixação de cartazes ou a realização de inscrições ou pinturas murais (artigo 66.º, n.º 4) em «monumentos nacionais, edifícios religiosos, sedes de órgãos de soberania ou de regiões autónomas, tal como em sinais de trânsito, placas de sinalização rodoviárias, interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo estabelecimentos comerciais».
Estaremos, nestes casos, perante uma autêntica excepção ao artigo 37.º por aplicação do n.º 2 do artigo 18.º? Ou, em lugar de restrição ao exercício de um direito fundamental, estar-se-á, como sugerem os autores do projecto de lei, perante um caso de compatibilização material de normas e direitos constitucionais só aparentemente incompatíveis?
Afirma Vieira de Andrade (citado do acórdão supra referido) que leis há que são leis reguladoras (leis de organização) e disciplinam a boa execução dos preceitos constitucionais e, com essa finalidade, poderão, quando muito, estabelecer condicionamentos ao exercício dos direitos». Condicionamentos, sublinhe-se, e não restrições. Mas, diz ainda Vieira de Andrade, «este poder regulamentar do legislador é um poder vinculado, não lhe sendo, por isso, possível afectar ou modificar o conteúdo do direito fundamental, sob pena de se inverter a ordem constitucional das coisas».
Essa inversão da ordem constitucional das coisas - ao atribuir vasta competência regulamentar às autarquias, ao tratar os eventuais ilícitos no âmbito de um direito de mera ordenação social, ao condicionar o exercício da liberdade de expressão a actos administrativos prévios - surge latente no projecto de lei n.º 308/IV.
Em conclusão, a Comissão entende que o conflito de normas acima referido deverá ser ponderado em Plenário, tendo em conta as mencionadas dúvidas de constitucionalidade, pelo que deve o projecto de lei subir a Plenário.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 308/IV, não sendo uma iniciativa nova, porque representa a renovação de idêntica iniciativa na anterior legislatura, continua, contudo, a enfermar dos mesmos vícios que apresentava na anterior legislatura.