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9 DE JANEIRO DE 1987

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ou um Estado democrático se mune com leis processuais penais que assegurem a repressão e a prevenção da criminalidade em condições de eficácia e de justiça, ou a própria sociedade procurará meios alternativos e não institucionais de garantir a segurança, a paz e a tranquilidade, o que tem consequências extremamente disfuncionais do ponto de vista de um sistema democrático. Com efeito, aumentarão, por um lado, as quotas de medo e desconfiança na sociedade, isto é, entre as células da sociedade e destas em relação às instâncias oficiais. Cava-se assim um abismo e não se estabelece uma cooperação entre a sociedade e as instâncias formais encarregadas da repressão da criminalidade.
Chamo também a atenção de certas forças, as quais utilizam muitas vezes um discurso - pelo menos ao nível das palavras - que inclui certas ideias tão caras como as de igualdade e socialização, para as consequências que poderão advir desta circunstância, ou seja, de desarmar o Estado de meios eficazes, adequados e justos de repressão da criminalidade. Tal pode, com efeito, redundar em que a segurança e a paz se transformem em privilégio de ricos, pois, sendo uma das tarefas fundamentais do Estado garantir a segurança de todos - isto é, como agora se costuma dizer, socializar também a segurança -, pode, na medida em que não se dotar o País de instituições adequadas, estar a fazer-se da segurança um privilégio dos possidentes, dos mais poderosos.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e tendo bem presente que os parlamentos nasceram à sombra da luta por garantias de processo penal - foram o processo penal e as questões fiscais que deram historicamente origem aos parlamentos -, bem valerá a pena que esta Assembleia perca alguns minutos com o significado deste acórdão.
Como é do conhecimento público - na medida daquilo que nos é possível conhecer através dos meios de comunicação social -, da cerca de uma vintena de artigos cuja inconstitucionalidade foi suscitada por S. Ex.ª o Presidente da República, o Tribunal Constitucional apenas individualizou situações de desconformidade com a Constituição em escassas alíneas de escassos seis artigos da lei fundamental, o que não deixa de ser expressivo se atendermos ao facto de o Código de Processo Penal ter mais de 500 artigos. E não se diga que a quantidade é irrelevante. De facto, não o é, pela razão simples e decisiva de que todas as normas de processo penal contendem directamente com a Constituição; todas as normas de processo penal são direito constitucional aplicado. Portanto, o simples facto de apenas uma ou outra alínea terem sido, em seis artigos, julgadas inconstitucionais é expressivo.
É, aliás, expressivo também o facto de, em relação ao sistema fundamental que se previa nesse Código e àqueles pontos que andaram mais à flor da pele na discussão normalmente alarmista e quase sempre sem fundamento que por aí andou, também o Tribunal Constitucional não ter dado razão a essas crises.
Estou a lembrar-me, por exemplo, da célebre questão do sigilo profissional, inclusive o dos jornalistas. Na verdade, bem andou o Tribunal Constitucional quando adoptou uma postura semelhante àquela que adoptaram os autores do projecto do Código Penal, isto é, a de que o entendimento e a vivência de um Estado democrático passam sempre e necessariamente pela difícil e possível conciliação entre esta antinomia: por um lado, a necessidade de hipostasiar, de transcendentalizar, de dar o máximo valor a determinados conceitos fundamentais - liberdade, segurança paz, verdade material, etc. - e, por outro lado, a importância de evitar cair na tentação de absolutizar qualquer destes valores.
Com efeito, se absolutizarmos o direito de segredo dos jornalistas ou de outros profissionais, a procura da verdade material, as garantias do arguido ou a segurança das vítimas, portanto se absolutizarmos qualquer destes valores - e normalmente cede-se à tentação de o fazer - e se não se realizar uma adequada concordância prática entre todos eles, entrar-se-á então na antecâmara de soluções totalitárias ou pré-totalitárias.
Portanto, e como já o referi, bem andou por isso o Tribunal Constitucional ao assumir essa postura neste e noutros pontos e, sobretudo, ao manter íntegra a estrutura fundamental do processo naquilo onde verdadeiramente se definem as coisas e naquilo que realmente tem de inovador. E estou a pensar, sobretudo, no sistema de inquérito preliminar e de instrução essa fase de que tanto se falou e que tantas vezes foi apelidada de inconstitucional, falando-se na administrativização e na policialização da instrução. Assim, tanto nisto como no sistema de recursos ou como na simplificação do formalismo processual, todo este sistema passou íntegro no Tribunal Constitucional. Foi este acontecimento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que me permitiu tomar estes minutos à Câmara.
Chega ao fim a trajectória deste processo, o qual começou, pode dizer-se, nos bancos das universidades portuguesas. Na verdade, a ciência portuguesa, superiormente representada pelo Prof. Figueiredo Dias, deu um contributo fundamental. Por outro lado, o Governo deu também o seu contributo e igualmente o deu esta Assembleia ao viabilizar a concretização dessa grande necessidade de um novo processo penal, a qual vinha já desde o 25 de Abril. Com efeito, os primeiros documentos do Movimento das Forças Armadas falavam em dotar o País de uma nova ordenação processual penal.
É, pois, a esta obra colectiva que agora se põe termo, com a colaboração da inteligência e da cultura jurídica portuguesa, do Governo, da Assembleia da República, do Presidente da República e do Tribunal Constitucional.
No entanto, permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que destaque de forma especial a acção do Governo. É que, por um lado, este Governo mostrou que não basta denunciar carências, sendo também necessária a acção. Todos os Governos denunciaram sempre a necessidade de dotar o País de um novo Código de Processo Penal; porém, para além de a ter também denunciado, este Governo concretizou essa necessidade. Por outro lado, fê-lo - importa salientá-lo - numa postura de grande respeito, quer perante a ciência, quer perante os valores de Estado de direito democrático, quer ainda numa atitude de procura de consensos fundamentais; aliás, a maioria qualificada com que a lei de autorização legislativa foi aprovada é disso factor sintomático e desse consenso de fundo só se excluiu quem quis.
Esta postura do Governo é também, de certo modo, emblemática. Não tem razão quem diz que o Governo foge aos consensos, pois, em matérias fundamentais que relevam do consenso, o Governo não só o pro