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9 DE JANEIRO DE 1987

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, eu não me tinha dado conta desse facto; limito-me apenas a seguir a lista que me dão. Mas compreendo a delicadeza de V. Ex.ª, aceito-a e aplaudo-a.
Tem, assim, a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Antes de mais, quero agradecer ao Sr. Deputado José Manuel Mendes a atenção que teve ao dar-me a oportunidade de falar antes da bancada do PCP.
«Voltar atrás para quê»? Sob a forma de pergunta, este titulo simbólico de Irene Lisboa pode servir de epígrafe à tomada de posição do Grupo Parlamentar do PRD. E a resposta é múltipla, desagua em delta. Trata-se de voltar atrás, lembrando a escritora não por uma atitude regressiva mas porque a importância da memória, a importância da história, são chão fundamental para construir as linguagens projectivas.
Por isso se pára um pouco nos patamares do tempo para comemorar, lembrando não só a obra literária e pedagógica da escritora, mas também as dificuldades do seu enquadramento cronológico. E ainda, por respeito a uma vida humana, demasiado humana, uma vida que cristalizou nos textos um «eu» que não é pessoal mas sujeito colectivo de amargura no seu isolamento.
Irene Lisboa nasceu no concelho de Arruda dos Vinhos no dia de Natal do ano de 1892.
Filha de um velho proprietário rural e de uma camponesa muito jovem, cedo foi tirada do contacto com o afecto materno e afastada da sua região natal, sendo criada por familiares, como fruto pouco desejado. Desde os 17 anos entregue a si mesma, Irene Lisboa frequenta o Magistério Primário, distingue-se pela sua capacidade intelectual, o que lhe valeu ser bolseira na Bélgica e na Suíça, onde aprofunda os seus conhecimentos de pedagogia.
De regresso a Portugal, Irene Lisboa dá o salto qualitativo na sua vida: introduz a metodologia pedagógica de Montessori na sua prática docente, recorrendo ainda às inovadoras técnicas de Froebel.
De facto, a Irene Lisboa devemos em Portugal a divulgação da ideia de que a criança não é um adulto em miniatura, mas uma personalidade em formação constante, que não necessita de ser «moldada» à imagem e semelhança de qualquer «tipo ideal» preconcebido, mas deve descobrir, por si mesma, aquilo que se pretende do mundo e da vida.
Em 1926, inicia a sua vida literária, com «Contarelos», livro infantil, objecto da homenagem que lhe foi prestada pelo município da sua terra natal e à qual esta câmara hoje se associou. Seguiram-se 30 anos de produção variada, com obras que vão da poesia ao ensaio pedagógico, passando pela crónica.
Não foi fácil uma certa forma de vida literária para o tempo mensurável da escritora. Entre 1939, ano de publicação do 1.º volume de «Solidão» e do «Manifesto», de Alves Redol, e 1958, ano do aparecimento de «Crónicas da Serra», e exactamente um ano antes de «Aparição», de Virgílio Ferreira, situa-se a parte fundamental da sua criação. O cenário oficioso e instituído era o do neo-realismo com a carga maniqueísta de todos conhecida. Daí que Irene Lisboa tenha sofrido também os embaraços em relação aos editores por causa de uma obra que não seguia cânones dicotómicos de formulário ideológico, então na moda, nem se autorizava com a estabilidade de categorias ou géneros estabelecidos (porque é um marco de dissolução), nem tinha modos de comportamento que se coadunassem com ribaltas de propaganda, sobretudo lisboeta, nem era homem e por isso, por razões mentais e óbvias, facilitava a recusa dos homens editores e que na cultura então só viam o negócio.
Voltar atrás é conhecer esta realidade para que ela não volte nunca mais a acontecer.
Voltar atrás, num olhar comovido à memória da escritora, é saber que na língua universal da solidão há uma linguagem portuguesa que a diz: «Na paixão da vida nas suas formas mais humildes, na revelação desta Lisboa como uma aldeia desterrada, no surpreender, não retalhos da vida mas os nós da vida, em todas as conversas com cada um e com ninguém, na construção dos andaimes do vazio pleno.» E exactamente porque o saldo se pode resumir numa mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, talvez seja essa a sua atmosfera mais gratificante.
Marginalizada como escritora mas consciente de que estava a construir uma obra, Irene Lisboa viveu os últimos anos de vida desesperada por nunca ter encontrado no seu país o êxito público, a interessada aceitação editorial, a simples projecção a que se sabia com direito.
Faleceu em Lisboa em 25 de Novembro de 1958.
José Gomes Ferreira, referindo-se a Irene Lisboa, escreveu:

Friamente, depois de pesar bem as palavras na cabeça e no coração, ouso declarar que considero Irene Lisboa como a maior escritora de toda a nossa história literária.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É inquestionavelmente justa a evocação de Irene Lisboa hoje nesta Câmara democrática. A escritora foi, no decurso da vida, uma insubmissa, serena, discreta e sincera. Nunca pactuou com o regime tirânico, estimulando, enquanto professora e cidadã, a criatividade, o senso crítico, o espirito livre, companheira dos que aviventaram a «Seara Nova» e o projecto combativo em que se substanciava, colaboradora da «Presença», do «Sol Nascente», de «O Diabo», partícipe das inúmeras iniciativas culturais que buscavam o lado sofrente e escamoteado do existir colectivo, uma literatura seivada pelas aspirações de justiça social, afirmou-se a partir da sua singularidade estética, atingindo planos de alto merecimento.
Os textos de Irene Lisboa - ou de João Falco, pseudónimo que, por conhecidas razões, utilizou durante anos - revelam uma sensibilidade dolorida, povoada pela memória da infância e da adolescência, atenta aos problemas e à dor dos outros; dão-nos o perfil de pequenas comunidades, urbanas ou rurais, a traço simples e preciso, com as suas regras e gentes; constituem um roteiro enternecido de contrastes, uma paleta de solidariedade instintiva.
Nas «Crónicas da Serra», nos «Apontamentos», em «Solidão» I e II ou «Título Qualquer Serve para Novelas e Noveletas», entre outros, deparamo-nos com tipos populares argutamente construídos, sejam eles epígonos de uma filosofia estóica ou andarilhos de verbo solto e fantasia pronta. Vemos desfilar uma diversificada gale-