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9 DE JANEIRO DE 1987

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divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio. Sabemos também que eventuais restrições ao conteúdo dos direitos fundamentais são do domínio reservado da lei e só podem verificar-se nos casos expressamente previstos na Constituição. Sabemos ainda que, quando algumas autarquias locais pretenderam regulamentar as condições de afixação de publicidade e propaganda, tais iniciativas foram constitucionalmente logradas, já porque incorriam em vício de forma - o órgão e o meio eram impróprios para alterar a ordem jurídica -, já porque violavam materialmente a Constituição nos casos em que restringiam a liberdade de expressão, submetendo-a a exigências de prévia autorização administrativa.
Ora, devemos interrogar-nos se o projecto de lei apresentado pelo PSD não incorrerá nos dois vícios que acabámos de referir.
Desde logo, o projecto não distingue entre os conceitos de publicidade e de propaganda. Será que ambas as actividades correspondem ao exercício de um direito fundamental?
Será que a iniciativa comercial de divulgação da marca de um certo produto equivale à iniciativa de divulgação de uma ideia, mormente uma mensagem política?
Julgamos, como aconselha a chamada «jurisprudência dos interesses», que distintas realidades humanas e sociais admitem diferentes tratamentos na ordem jurídica.
Se o não fizermos, correremos o risco de contribuir para gerar soluções de todo em todo insuportáveis.
Que, por exemplo, um comerciante careça de licença camarária para afixar na fachada do prédio um anúncio permanente do seu estabelecimento comercial, a todos se afigura óbvio. Mas que o mesmo indivíduo pudesse vir a sofrer uma pesada coima por colocar à janela de sua casa a fotografia ou o símbolo de uma candidatura eleitoral, seria caso para nos lamentarmos por tão grave renúncia e tão elementar acto de liberdade.
Simplesmente, essa possibilidade está configurada no projecto do PSD...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa e outras!

O Orador: - ... nos termos do qual o acto administrativo de licenciamento condiciona todo e qualquer acto de afixação, mesmo amorável, de publicidade ou de propaganda. Acreditamos que tão longe o PSD não desejava ir. Admitimos que o PSD acabe por ponderar na conveniência de distinguir actos de publicidade de actos de propaganda e que convenha em que uma sociedade comercial e um partido político não desempenham, manifestamente, funções sociais de idêntica relevância. Que, por isso mesmo, não devem, não podem, ser objecto de idêntico tratamento.
O projecto de lei em análise visa conferir às câmaras municipais, além da competência para actos de licenciamento, competência para a aprovação de regulamentos definidores das condições de afixação de publicidade ou de propaganda ou de realização de inscrições e pinturas murais.
A atribuição de tal competência não é suficientemente delimitada para garantir uma regulamentação que se quede nos limites das necessidades impostas pela coexistência dos direitos que concorrem para garantir uma convivência social ordenada, como ocorre, naturalmente, com o próprio direito de propriedade. A porta ficaria aberta para, mais que uma adequada conformação de direitos, vir a limitar-se o conteúdo da liberdade de expressão, por limitação arbitrária dos meios instrumentais de exercício dessa liberdade.
Mau grado a boa fé que a nós, legisladores, nos possa assistir, não podemos admitir que uma lei saída da Assembleia da República venha a permitir que, em qualquer concelho do País - um só que seja -, o poder regulamentar e a prévia exigência de um acto administrativo funcionem para impedir a liberdade de expressão.
Daí que a solução legal a adoptar deva rodear-se das maiores cautelas.
Instituições com dignidade constitucional, tais como sindicatos ou partidos políticos, que concorrem para a organização e a expressão da vontade popular, não devem ficar na dependência de um poder municipal contra o qual só poderiam reagir por impugnação dos respectivos actos administrativos.
Não pode admitir-se que, em matéria de liberdades públicas, os órgãos de um município disponham de uma tão vasta competência regulamentar.
Seria caricato que a Assembleia da República se despojasse de uma competência exclusiva por um mero processo de delegação de poderes, abrindo as portas à possibilidade de mais de 300 regulamentos diferentes, tantos quantos os concelhos do País, ainda por cima sem possibilidade de serem ratificados por um órgão superior.
O enquadramento legal desta matéria é, reconheça-se, manifestamente difícil. Mas não devemos fugir às dificuldades, alienando a outrem o que o Parlamento deve definir, criando um elenco tipificado, rigoroso e preciso das formas de exercício distinto das actividades de publicidade e de propaganda, tendo, designadamente, em conta os agentes de uma e de outra. Tipicidade que deverá distinguir ainda entre apresentação fixa e apresentação amovível de mensagens ou de propaganda.
A lei deve definir ainda, na linha de legislação já existente, quais os elementos do património público ou os locais de acesso público vedados à afixação de propaganda.
Por outro lado, é de admitir que as autarquias locais condicionem certas zonas à afixação de cartazes ou de pinturas murais, se tais zonas forem previamente declaradas interditas, com base em interesse relevante consignado na lei.
Deverão fazê-lo, não em função de solicitações pontuais, mas segundo uma definição geral publicada no início de cada ano, através de postura obrigatoriamente sujeita a aprovação das assembleias municipais. Do acto constará igualmente a indicação dos locais expressamente colocados pelas autarquias, nessas zonas, à disposição para afixação de materiais publicitários ou de propaganda.
Um regime legal assim concebido, estamos certos, garantirá melhor e mais eficazmente o equilíbrio dos interesses em jogo.
Neste sentido, as dúvidas colocadas ao projecto de lei do PSD são, segundo suponho, uma forma de nos colocarmos a todos perante a exigência, fundamental entre todas, de preservar as condições de liberdade e de legalidade próprias de um Estado de direito, fundado no pluralismo político e na garantia das alternativas democráticas.