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30 DE JANEIRO DE 1987

É que, podem crer, o caso das torres dos Jerónimos não é um caso singular: é pura e simplesmente o nosso quotidiano. Já pensaram se alguém teria intenção de fazer seja o que for lá para essas bandas se aí não houvesse Jerónimos, não houvesse Tejo, não houvesse um determinado tipo de equilíbrio urbano?
Esses locais são valiosos pelo que lá está. Então deixem estar como está, não estraguem! O que não quer dizer: não façam. A cidade é um lugar de intervenção, mas um lugar de intervenção da comunidade. Ela é feita pela comunidade para a comunidade. E é esse o sentido que deve presidir às decisões dos políticos e orientar o trabalho dos especialistas.
Em última análise, ousaria dizer que o que está em causa, neste caso, não são os Jerónimos, nem a Igreja da Memória e as consequentes áreas de protecção. O que de facto está em causa é o modo de gerir o espaço urbano. O questionamento base poder-se-ia formular como sendo: o quê? Para quem? Quando e como? E ao formular estas interrogações seríamos obrigados a concluir, mas por desvio das respostas que lhe são subjacentes.
A identificação da comunidade com a cidade que é a sua faz-se através de um quadro físico construído
já vivido e assimilado enquanto estrutura espacial.
aí que as referências culturais são encontradas e é aí que se podem buscar os elementos de inovação que permitem a prospectivação das novas realidades. Neste sentido, não defendemos o imobilismo das estruturas urbanas, nem tão-pouco a preocupação de pastiches. O homem de hoje deve produzir uma estética de hoje com os meios que lhe são adequados. Mas não deve, diria mesmo não pode, destruir a herança cultural que possui, e muito menos quando isso é feito a partir de argumentos falaciosos, que justificam meros interesses conjunturais.
Não discutimos a relevância estética do projecto das torres dos Jerónimos. Não discutimos volumetrias, cérceas, áreas protegidas. Não nos parece ser o fundamental neste processo.
O que nos parece grave é que este caso não é único, bem pelo contrário. O somatório de questões deste tipo, em Lisboa, mas não só, é impressionante. Assiste-se de facto à luta permanente entre duas concepções opostas de intervir no território e a resultante tem sido, o mais das vezes, favorável a quem usa da argumentação do progresso para produzir aberrações; aberrações que, de facto, só se justificam por uma visão lucrativista e ainda lucrativista em termos de amanhã. Mas passado amanhã já não servem. É por isso que dizemos: mudemos mentalidades. E é por isso também que dizemos desenvolvimento, o que pressupõe harmonia entre o homem e o seu quadro de vida, seja ele construído ou natural.
Sobre as torres dos Jerónimos, elas mesmas, claro que somos contra. Mas mesmo se não fossem torres e se fossem estruturas construídas maciças e massificadoras postas ao serviço de interesses dúbios, e resultando na anulação de espaços usufruídos pela comunidade, seríamos contra também.
Também estamos contra que mudem a serra da Arrábida de sítio, lá porque está limpa de clandestinos e pode servir como óptimo instrumento para um turismo ambulante (o pior é que se calhar alguém neste país ainda se lembra disso!).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E se puséssemos o Norte no Sul, tornando o Norte climaticamente mais rentável, e o Sul no Norte, porque já está saturado?

Há, de facto, uma medida para as ambições e talvez que essa medida se encontre no respeito pelos outros, com tudo o que isso implica.
Por tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, às torres dos Jerónimos dizemos: não!

Aplausos do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cruz.

O Sr. José Cruz (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A opinião pública nacional e internacional tem seguido com natural interesse e curiosidade o escândalo Irangate protagonizado pelo presidente dos Estados Unidos da América, Ronald Reagan, e membros da sua administração, interesse que não tem sido acompanhado pelo Governo Português, que, apesar das numerosas provas que documentam a utilização do território português e mesmo o envolvimento de entidades governamentais no caso tentou impor um muro de silêncio sobre as suas responsabilidades.
A natureza do escândalo à escala dos Estados Unidos da América e das suas instituições -e pouparemos os pormenores já sobejamente divulgados na comunicação social- resume-se no facto comprovado de o presidente Ronald Reagan ter desobedecido e violado as leis do seu próprio país no que se refere ao envio de armas para o Irão e, com o produto do negócio, de caminho, ter furado o embargo de ajuda aos chamados «contras» da Nicarágua, ex-Somozistas a soldo da CIA: de nada serviu ao presidente Reagan negar o envolvimento. A imprensa, tal como já aconteceu com Richard Nixon e o Watergate, lançou-o numa posição insustentável perante a opinião pública com sucessivas revelações.
Discute-se nos Estados Unidos da América se o presidente mentiu. Deixemos às instituições americanas e ao povo daquele país o esclarecimento dessa questão. Para nós, portugueses, interessa, antes do mais, conhecer os factos e as circunstâncias em que Portugal se viu envolvido no Irangate e quais sãos as responsabilidades governamentais nas facilidades concedidas nesta obscura operação, que tantos prejuízos está já a causar à dignidade nacional.
Colocamos esta questão mesmo tendo conhecimento da nota distribuída pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, que, nada esclarecendo sobre a montanha profusa de revelações da imprensa, antes coloca o Governo perante chocantes e legítimas dúvidas, as quais urge esclarecer.
De facto, se analisarmos a natureza das operações descritas pela nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros -venda de armas ao Irão e à Guatemala, segundo a imprensa-, o Governo aparentemente não autorizou, citamos, «qualquer venda de material português de defesa a organizações que combatem governos internacionalmente reconhecidos de países com os quais Portugal mantém relações diplomáticas» e as exportações processaram-se «aparentemente» no respeito das normas legais em vigor. Tem a nota o mérito de reconhecer que as operações de exportação e reexportação do material de guerra dependem de autorização governamental, o que é importante para o esclarecimento necessário. Mas também implicitamente se reconhece o logro de que os certificados de destino final das armas embarcadas para a Guatemala continham falsas assinaturas de um oficial-general do exército