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25 DE FEVEREIRO DE 1987 1847

construção de Abril, foi sempre, acima de tudo, uma personalidade fraterna, desafiadora, radical. Não temendo a controvérsia, moveu-se nos terrenos da exigência estética, ideológica e cultural, combatendo todas as formas de acomodamento ou de opressão. A Revolução de 1974 deve-lhe o sinal de partida, um cantar particularmente luminoso, testemunho de energia colectiva e de apego melódico às raízes populares.
Poeta, compositor, intérprete inigualável, desencadeou com a sua voz as tempestades da mudança e da porfia. Sonhou uma pátria justa e livre; por ela se bateu com extrema coerência e dignidade. A sua morte, ocorrida após longos momentos de sofrimento, durante os quais suscitou uma emocionante onda de solidariedade nacional e internacional -pesem embora as omissões dos poderes públicos- empobrece-nos de forma irremediável, mesmo sabendo que continuará connosco no devir da esperança.
Por isso, a Assembleia da República, reunida, em sessão ordinária a 24 de Fevereiro de 1987, exprime o seu profundo pesar pelo desaparecimento físico de José Afonso, figura imperecível da música e da cultura portuguesas.

O Sr. Presidente: - Tal como combinámos, vamos apenas proceder à votação deste voto de pesar, visto que as declarações de voto passarão para o período de antes da ordem do dia da próxima quinta-feira.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade,

Gostaria de comunicar à Câmara que a Mesa também se associa a este voto de pesar e sugiro que guardemos agora um minuto de silêncio.

A Câmara aguardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, retomando a ordem do dia, relembro que ficaram com a palavra reservada para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Justiça os Srs. Deputados José Magalhães, Gomes de Pinho, Odete Santos, José Manuel Mendes, Rogério Moreira, Eduardo Pereira, Jorge Lacão, Maria Santos, Custódio Gingão, Almeida Santos, Raul Castro, Marcelo Curto, José Luís Ramos e Cavaleiro Brandão.

Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, o discurso que há pouco produziu é lamentável em relação a um debate que gostaríamos que fosse informado e travado num clima que poderia ser de intenso diálogo. No entanto, creio que o discurso foi revelador da situação de surdez e de intolerância em que o Ministério se tem afundado, em particular nos últimos tempos. Por exemplo, é significativo que há cerca de um ano o Ministério não ouça os funcionários judiciais, o que bem seria necessário num momento em que se preparam reformas que exigem um empenhamento desses funcionários, o que, de resto, tem problemas específicos.
Um outro exemplo de intolerância é o clima de acusação em relação à questão do Código de Processo Penal. A reforma processual penal é um eixo da política legislativa que exigiria o máximo esforço conjugado possível, mesmo por parte dos discordantes. Aquilo a que se tem assistido é a uma campanha - que considero insensata - de acusação de quem discorda. Quem discorda está, fatalmente, ao lado do diabo; ou é um velho do Restelo ou, simplesmente, é desprovido de ideias, ou está feito com o inimigo e, em relação ao Código de Processo Penal, isto é o pior que pode acontecer.
Lembro-me dos tempos em que aqui no Plenário discutíamos o código e em relação a algumas das inconstitucionalidades que o Tribunal Constitucional acaba de reconhecer que existem o Sr. Ministro exclamava sobranceiramente: «Quais inconstitucionalidades!?... Isso é má vontade, é um parti pris dos deputados arguintes, movidos por quaisquer maus intuitos...» Isto é, substituiu-se o clima de reflexão conjunta por um clima de acusação intolerante que descambou naquilo que descambou: seis artigos chumbados pelo Tribunal Constitucional e um código, que devia ser um factor de estabilidade, transformado em factor de polémica. Isto é o resultado de uma determinada orientação política que consideramos negativa.
Nesta circunstância, as perguntas que pretendo colocar - porque, mantendo-se como se mantém no lugar de Ministro da Justiça, o Sr. Ministro, independentemente do futuro, é responsável pela política do seu Ministério - relacionam-se com o Código de Processo Penal. Quem fez o decreto preambular do Código de Processo Penal? Interrogo-me em relação a isso. Não acredito que tenha sido o Sr. Procurador-Geral da República, não acredito que tenha sido o Prof. Figueiredo Dias! Se passou pela cabeça de alguém mandar o Ministério Público acusar, nos processos de transgressões, incluindo portanto estacionamentos proibidos, em relação a tudo o que está pendente nos nossos tribunais, isso implicaria pelo menos 100 magistrados do Ministério Público em full-time para despachar os milhares e milhares de processos pendentes. A situação criada é perfeitamente - como lhe hei-de chamar? - de emergência, ou melhor, caricata! Em todo o caso, ela é criada pelo Governo num domínio em que creio que não podia ser criada.
A segunda questão diz respeito às ilusões em relação aos presos preventivos. Como é que é possível dar aos presos preventivos portugueses a ilusão de que a entrada em vigor do Código lhes vai dar a liberdade celeremente, dizendo o Código o que diz em matéria de prisão preventiva e havendo uma campanha securitária inspirada pelo Governo, o que constitui ela própria um factor que levará os juízes a pensar quatro vezes, responsavelmente, antes de poderem vir a submeter-se ao azurrar do Governo no sentido de libertarem dezenas de criminosos, criando um clima de pavor, o que é próprio da campanha desencadeada pelo Ministério da Administração Interna nesta matéria? Sr. Ministro da Justiça, em que é que ficamos?
A terceira questão relaciona-se com a legislação regulamentar. Como é que se compreende que neste momento haja um conflito insanável entre a Polícia Judiciária e a Procuradoria-Geral da República relativo à delimitação de águas quanto às competências em matéria criminal? Como é que é possível que não haja o encaminhamento normal da resolução de um conflito desta natureza e haja uma posição de apilamento em relação a um conflito? Em que é que ficamos numa matéria destas?
Como é que é possível cumprir o calendário de reforma que o Governo sonhou, quando neste momento, em que deveriam estar a decorrer os cursos