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25 DE FEVEREIRO DE 1987 1851

ponto, e não deixei nenhuma pergunta sem resposta, nem sequer aquela que, nessa altura, se referia ao quentíssimo problema do aborto.
O Sr. Ministro, como vinha de casa com a lista, em seu entender, das coisas boas do seu Ministério, não reconheceu, em meu entender, nada que estivesse mal. Daí que seja levado a perguntar-lhe -diga-nos agora que ainda tem tempo- se existe alguma coisa que entenda estar mal no seu Ministério.
Já sabemos que nos cofres está tudo bem, mas gostaria de ouvir de novo afirmar que está tudo certo. Já sabemos que sempre esteve de acordo em que o Gabinete de Apoio Técnico-Legislativo sempre deveria estar -e está muito bem- na Presidência do Conselho de Ministros. Já sabemos que o Instituto de Reinserção Social é uma coisa tolerada e não deve ser mais do que isso. Já sabemos que o dinheiro chega: os seus funcionários e directores-gerais estão a ouvir-nos e provavelmente algo desconfiados de que seja tanto como isso.
Diga-me então, por favor, Sr. Ministro, que tem o privilégio de conhecer o sortilégio do milagre dos pães. E relativamente às prisões, quando nos diz que há países em que elas estão piores, diga-nos por favor, para a minha e para a nossa tranquilidade, que se refere ao Koweit e não a nenhum país europeu.
E se não puder efectivamente tranquilizar-me com a afirmação de alguma angústia relativamente ao que corre mal no Ministério da Justiça há mais de sete anos a esta parte, se nada disso o preocupa, gostaria de felicitá-lo por essa invejável bem aventurança. Se efectivamente não pode dar-nos o testemunho de nenhuma angústia pessoal, do reconhecimento sincero de que há muita coisa errada e muita coisa por remediar, então, Sr. Ministro, como seu amigo, só lhe posso aconselhar essa coisa que sei que no fundo deseja: é que volte muito depressa a ser o brilhante advogado que sempre foi e continuará a ser.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, já muitos deputados aqui demonstraram como vai mal a justiça em Portugal. Mas a questão que aqui quero trazer tem a ver com aquilo que se passa com o Supremo Tribunal Administrativo. Como o Sr. Ministro deve saber, já foram proferidos 405 acórdãos, dos quais 309 já transitaram em julgado. Até hoje, nenhum desses acórdãos foi cumprido.
Diga-nos, Sr. Ministro, que é o Ministro da Justiça de um país democrático, o que tem a dizer sobre esta matéria. Lava daí as mãos, não tem nada a ver com isto?... Que justiça é esta? Era sobre esta questão que gostaria que desse explicações à Câmara.
É claro que o seu governo tem vindo ao longo do tempo a dizer que esses acórdãos versavam sobre matérias processuais sem grandes problemas. Contudo, o tempo foi passando, os acórdãos foram-se processando e acontece que hoje já há mais 33 acórdãos noutra instância, no tribunal pleno, acórdãos esses que também deram razão às cooperativas. É neste sentido que pergunto: qual é a desculpa que o Sr. Ministro e o Governo arranjam agora para não cumprirem estas sentenças que vêm do tribunal pleno? Continuarão a dizer que é vício de forma? Ou o vício está no Governo e é o vício de não cumprir?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - O Sr. Ministro da Justiça, na sua intervenção, teve ocasião de se referir a vários diplomas publicados pelo seu Ministério. Gostaria de saber, visto não ter encontrado no seu discurso nenhuma referência a essa questão, qual o sistema judiciário que este governo possui. Isto é, pretendia que me elucidasse sobre quais os objectivos desse sistema judiciário, sobre qual a conexão existente entre os vários diplomas publicados e qual o timing da publicação de cada um deles em relação a estes pressupostos do mesmo sistema judiciário.
E a dúvida provém ainda mais do facto de em alguns desses diplomas se encontrarem atitudes contraditórias da parte do Ministério. Assim, o Sr. Ministro anunciou que estava já em Conselho de Ministros um diploma sobre o sistema de acesso ao direito e, simultaneamente, no dia 18, foi enviada à Assembleia da República a proposta de lei orgânica dos tribunais, na qual se verifica que o Governo entende que a alçada da 1.ª instância deve passar de 120 para 800 contos e a da 2.ª instância de 400 para 2500 contos. Isto significa que na 1.ª instância há um aumento de mais de 600% e na 2.º um aumento que ronda a mesma percentagem. Este aumento brutal das duas instâncias insere-se no sistema de acesso ao direito que se encontra no Conselho de Ministros?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - O Sr. Ministro referiu também na sua exposição que «era oportunístico falar de lentidão da justiça», mas na proposta de lei orgânica consta a seguinte afirmação no ponto 8 do preâmbulo: «[...] ninguém contestará que a administração da justiça é aqui [...]» -naturalmente em Portugal- «[...] por vezes demasiado lenta [...]» Pergunto ao Sr. Ministro qual das afirmações é, afinal, a verdadeira: a feita hoje ou aquela que o foi no preâmbulo da lei orgânica.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Grande lapso!

O Orador: - Por outro lado, e ainda para esclarecimento da ideia de que não existe por parte do Governo um sistema judiciário, desejaria referir um outro exemplo: é que, no preâmbulo, ao referir-se ao tribunal colectivo, o Sr. Ministro invoca que se impõe acabar com a justiça itinerante. E porquê? Por virtude do desenvolvimento dos transportes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - São gratuitos!

O Orador: - Mas mais adiante, na p. 2, ao defender-se que os tribunais de 1.ª instância possam reunir em local diverso da sede, o Sr. Ministro invoca a dificuldade dos meios de comunicação. E eu pergunto ao Sr. Ministro: então só há facilidade de transporte para os juízes e a dificuldade é para as outras pessoas? Afinal, há facilidade ou há dificuldade?
Tudo isto é de molde a fazer persistir a ideia de que, efectivamente, o Governo não tem uma visão de conjunto do sistema judiciário e da justiça em Portugal.