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1858 I SÉRIE - NÚMERO 48

boomerang e por isso estamos neste obscurantismo em matéria de justiça. Estou entendido, muito obrigado!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença de concluir o pensamento, Sr. Ministro?
A Assembleia da República recebeu um ofício da associação dos investigadores da Polícia Judiciária, que certamente terá chegado também ao Ministério da Justiça, exprimindo um conjunto de objecções, de discordâncias e de divergências em relação a alguns dos aspectos do articulado que o Sr. Ministro acaba de referir.
Considero que essas objecções e essas divergências devem ser atentamente ponderadas, naturalmente não devem ser dramatizadas, mas não podem ser escamoteadas e ignoradas.
Mantenho, em consequência, tudo o que disse e esperamos pelo desenrolar dos acontecimentos. Daqui a alguns meses, se V. Ex.ª aí estiver e eu aqui, debateremos a questão com os dados todos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os senhores excedem--se até regimentalmente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem se excede são alguns senhores que estão aí no meio.

O Sr. Silva Marques(PSD): - Vão tosquiar e são tosquiados!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Acabou há pouco V. Ex.ª, em resposta a uma pergunta que lhe pude formular, de dizer que não teria podido revogar o Decreto-Lei n.º 477/82, porque o mesmo teria sido aprovado e publicado ao abrigo de uma autorização legislativa. Ficamos agora a saber, pela primeira vez, Sr. Ministro da Justiça, que decretos-lei aprovados pelo Governo ao abrigo de autorizações legislativas precisam também de autorizações legislativas para serem revogados! E uma inovação na nossa ordem e prática constitucional que V. Ex." veio hoje trazer à Assembleia da República!
Passarei, entretanto, a proferir a minha intervenção.
Todos consideramos que a justiça é valor inalienável das sociedades contemporâneas e que a sua aplicação corresponde a uma das mais nobres missões do Estado de direito democrático. Por maioria de razão, a justiça criminal reflecte o grau de consciência axiológica que uma sociedade tem de si própria, o nível de cultura civilizacional que alcançou.
Infelizmente, sobre a estrutura legislativa do Estado reformista descobrimos, quase perplexos, num mundo criminógeno de miséria e de sofrimento perante o qual não temos o direito de ficar indiferentes. Perante o qual deveremos perguntar-nos, a nós, titulares do poder político, o que fizemos para o minorar, o que não estamos a fazer para o modificar. Em nome da mais elementar protecção dos direitos humanos, da recuperação individual dos deliquentes, mas em nome, também, da defesa da sociedade em geral e da dignidade de cada cidadão em particular.
Diz o Ministro da Justiça - e é verdade - que entre 1981 e 1985 a população prisional praticamente duplicou, que continua a crescer e está largamente acima da capacidade dos nossos estabelecimentos penitenciários; reconhece o Ministro que os presos preventivos alcançaram - para vergonha nossa - uma cifra negra, única na Europa; admitem todos - por mais voltas que dêem à estatística - que a vaga de suicídios nas prisões portuguesas atingiu uma taxa de alarme insuportável; reparam os serviços competentes, confirma-o a Polícia Judiciária, que a delinquência juvenil sobe em flecha, ligada sobretudo ao tráfico e consumo da droga ( + 24% em 1985, +35% de casos em 1986), arrastando à prática de muitos crimes, designadamente contra a propriedade; confessa o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça que a droga toca 40% da população prisional, a qual ronda os oito mil e quinhentos reclusos.
Cá fora, há quem calcule que 5% dos jovens em idade escolar são efectivos consumidores e sabe-se que, mais de 10 000 se encontram em grave situação de toxicodependência, não sendo, na melhor das hipóteses, possível recuperar mais do que 30% dos carentes de tratamento, os quais só em 20% dos casos recorrem a este.
Esta é apenas uma parte retratável de um quadro ensombrado pelo desemprego, que não pára de crescer entre os jovens, integrados como potenciais consumidores, mas repelidos como produtores efectivos, onde os problemas da formação profissional, do insucesso escolar e do meio familiar e ambiental exigem, mais do que nunca, a prioritária preocupação dos poderes públicos. As tendências criminógenas nascem da crise da sociedade e dos seus valores e vão, quantas vezes, agravar-se nas prisões.
O Ministro da Justiça queixa-se de que «uma floresta de dificuldades e incompreensões se vai adensando ao ritmo de uma certa psicose de negativismo». É talvez próprio dos ministros queixarem-se com particular ênfase das incompreensões, sempre que registam insucessos governativos. Mas o Ministro e a sua política não podem ser poupados quando estão em causa questões tão sérias que ameaçam abalar os próprios fundamentos da sociedade.
Para além da proliferação legislativa a que se vem dedicando, tem o Ministério uma efectiva política criminal? Está, de facto, a administração da justiça criminal a funcionar sob orientação de programas claramente delineados e eficazmente executados?
O Ministro da Justiça dirá que sim. Lamentamos ter de dizer-lhe que não.
Sem embargo de se reconhecer que o orçamento do Ministério para 1987, em face da exaustão dos cofres, registou um aumento global da ordem dos 35 %, sabe-se que durante o ano de 1986, os investimentos públicos na área da justiça foram de todo em todo irrisórios. Para além de um esforço assinalável, mas insuficiente, nas dotações de investimento à Polícia Judiciária, nada mais teremos do que remendos no parque e equipamento judiciário, reconhecidamente em profunda crise, e, quanto ao mais, no essencial, dotação de verbas destinadas à construção de três novos estabelecimentos prisionais, de que nenhuma pedra, provavelmente, acabará por ser lançada em 1987.