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25 DE FEVEREIRO DE 1987 1859

O Governo respondeu com pouco mais de 3 milhões de contos, aos mais de 7 propostos pelos vários departamentos da justiça. No PIDDAC para 1987, a percentagem dos investimentos da justiça acaba por representar uns envergonhados 2 % da dotação global.
No entanto, às perguntas oportunamente formuladas relativamente às gravíssimas carências detectadas em vários departamentos, foram os deputados uma vez mais remetidos para os milagres dos cofres, na esperança de que do seu regaço volte a brotar um dia o maná de outros tempos. E quando o PS reivindicou, na esteira da Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias, a aplicação de um programa urgente no sector da justiça, obteve do Ministério pouco menos do que indiferença. Indiferença sempre politicamente reprovável, mas agora - há que dizê-lo - humanamente intolerável.
Entretanto, avolumaram-se as situações de estrangulamento e de rotura e os responsáveis dos serviços dificilmente conseguem esconder a penúria de meios com que lhes é dado responder a exigências cada vez maiores.
Penúria de meios - reconhecemo-lo - que não são de hoje nem de ontem, mas que, pela sua persistência, não legitimam a pretensão governamental de que o «Estado, todo ele, se envolveu na grande empresa da justiça» e de que «o ano de 1987, significaria o momento da viragem». Direi, pois, Sr. Ministro da Justiça, citando as suas próprias palavras e por muito que lhe custe, que «as difíceis horas que passam não se coadunam com ingenuidades». Nem com as nossas nem com as suas, Sr. Ministro da Justiça!
Seria, por exemplo, ingenuidade admitir que a entrada em vigor do normativo que finalmente anula a natureza incaucionável de certos crimes viria pôr termo à degradação que se vive nas cadeias portuguesas. A demonstrá-lo está a expectativa gorada relativamente aos efeitos positivos de descompressão prisional, a médio prazo, resultantes da última amnistia.
Não basta, com efeito, como os juízes reconhecem - eles que estão agora colocados perante decisões de delicadíssima ponderação de interesses -, colocar um indivíduo fora da cadeia. Importa, sobremaneira, saber em que condições de reinserção social a libertação pode fazer-se. Para centenas de jovens marginalizados pela família e pela sociedade deixá-los à porta de uma prisão, sem qualquer apoio, é apenas dar-lhes passaporte para a reincidência.
Todavia, os serviços de reinserção social não têm possibilidades de acompanhar a trajectória dos que vão ficar em liberdade, a aguardar julgamento.
Pergunto por isso ao Ministério da Justiça se desenvolveu qualquer acção especial para preparar a esperada saída de muitos jovens preventivos. Mas respondo antecipadamente que o não fez, apesar de se saber que a aplicação aos reclusos do plano individual de recuperação ou é altamente deficiente ou é, na maioria dos casos, pura e simplesmente inexistente, como ficou patente em face da declarada impotência dos serviços perante os suicídios que já ocorreram.
Em face dos quais se impõe que perguntemos: quantos relatórios de observação individual, médicos, psiquiátricos, dos educadores, dos técnicos de reinserção, pode o Ministério exibir em cada um dos casos conhecidos de suicídio?
Ficando, como aparenta, de mãos vazias, não pode o Governo pretender que prossegue uma orientação penitenciária de reinserção social. Tal orientação não existe - não tem concepção estratégica, plano de aplicação e, em muitos casos, sequer viabilidade prática.
A ausência de uma estruturada política criminal é, na verdade, de uma confrangedora evidência em domínios tão decisivos como os serviços prisionais, de combate à droga e da reinserção social.
Vejamos, em primeiro lugar, a situação prisional.
Já se salientou que o custo médio anual da manutenção de um recluso é, em Portugal, menos de um quinto da Inglaterra ou um décimo dos países escandinavos. A dotação diária para um preso é actualmente de 220$ para alimentação, roupa e calçado.
Competindo ao Ministro da Justiça fixar em cada ano o custo médio de internamento dos reclusos, como entende o Sr. Ministro que em 1987 uma diária de 220$ possa vestir, calçar e alimentar um homem? Assegura, com tal verba, uma nutrição mínima que garanta o equilíbrio físico e psíquico dos reclusos? E como resolve o problema das dietas sob prescrição médica? Ao Ministro da Justiça compete, igualmente, fixar as remunerações dos reclusos em contrapartida do trabalho prisional legalmente calculáveis com base nos salários dos trabalhadores livres, na natureza do trabalho e na qualificação profissional.
Sucede que no Estabelecimento Prisional de Sintra os deputados encontraram os presos recebendo um vencimento diário de 50$, 1500$ mensais, distribuíveis pelos respectivos fundos de reserva e fundo disponível. Como resultado, os reclusos não logram muitas vezes receber mais do que 500$ mensais. Por dia, menos de 20$. Não posso deixar, pois, de questionar o Sr. Ministro sobre se, de boa fé, pode falar de preparação de um preso, pelo trabalho, para a vida activa, reduzindo-o desta forma a uma condição de subagente a todos os títulos inqualificável e em flagrante violação das recomendações do Conselho da Europa.
Entretanto, afirma-se que cerca de 70% dos reclusos condenados estão efectivamente ocupados em trabalho ou actividades de manutenção. Invocam-se acordos celebrados com o Ministério do Trabalho para a promoção de cursos de formação profissional e a criação, pelo FAOJ, de centros de actividades várias.
Pergunto: a recuperação das antigas oficinas e centros agro-pecuários obedeceu a algum estudo prévio, de sociologia criminal, tendo em vista as exigências de orientação profissional colocadas pelas características das novas populações prisionais? Aonde e como se acertou o passo por tantas experiências europeias de formação de pequenas unidades, susceptíveis de desenvolverem nos delinquentes os sentimentos de solidariedade e de responsabilidade, com ofertas alternativas de programas de trabalho e de ocupação dos tempos livres?
Sem disputar os seus méritos para a época, a reforma prisional de 1936 não pode hoje servir-nos de modelo. Os problemas da sociedade urbana e consumista de hoje não se resolvem com os revivalismos de ontem, com respostas obsoletas, concebidas para modelos estáticos de ruralismo ou de incipiente desenvolvimento da indústria.
Novos problemas colocam novas exigências e implicam novas respostas.
As grandes cadeias penitenciárias, amalgamando homens como rebanhos, «fizeram» o seu tempo. Proteger a sociedade, impedindo que a prisão funcione como o mais grave dos estigmas psicológicos e a mais