25 DE FEVEREIRO DE 1987 1905
Em segundo lugar, creio que o Ministério da Justiça perdeu o sentido do planeamento. O Ministro fala de uma série de objectivos, às vezes com ar nostálgico, melancólico, até simpático - o que é muito perigoso, porque sorrindo ilude as realidades -, proclama avulsamente objectivos meritórios e consensuais. Por exemplo quem é que aqui na Câmara diz: «trabalho para os presos, não!»? Ninguém, como é óbvio! Há, digamos, uma espécie de grande consenso em torno dos méritos de trabalho prisional. Mas não há as necessárias acções! Dizem-nos que aquilo que hoje sucede é que 70% dos presos trabalham! Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Dizer isto é verdadeiramente tentar lançar uma ilusão. Desde logo os presos preventivos, em regra, não trabalham, pois não são obrigados a isso; são meia dúzia os que o fazem. E os esquemas de trabalho quais são? Como é que se podem considerar satisfatórios? O que é que tem essa actividade a ver com uma actividade económica útil, rentável, que forme para a vida, para a reinserção social, para «agarrar» um emprego, trabalhar? Nada. E isto é sabido por quem anda por lá também.
Creio que todos perdemos com o facto de o Ministério da Justiça ter perdido o sentido do planeamento, falar de objectivos só em geral e ser incapaz de fazer um calendário, de fazer programas, que têm de ter meios, que têm de ter recursos financeiros, que têm de ter gente, homens, mulheres, que é preciso ganhar, conquistar, para ideias, para uma tarefa, que ainda por cima é dura e é complexa, exigindo, como exige, confiança. São milhares de magistrados, de funcionários judiciais, guardas prisionais. São milhares e milhares de pessoas que é preciso pôr a funcionar em função de um projecto! O facto de o Ministério da Justiça ser incapaz de fazer tudo isto - embora o Ministro seja capaz de lembrar com saudade o despacho que fez em 1978, em que disse tudo o que é possível dizer de bondoso em relação ao que é bom fazer nas prisões - é uma debilidade e uma vulnerabilidade para todos nós. Não é apenas para o partido do Governo; é para todos nós, é para a República, é para a Assembleia da República e é para todos os partidos.
Por outro lado, o Ministério da Justiça é incapaz de ser interlocutor válido, actuante, reinvindicativo face a outros ministérios, desde logo o Ministério das Finanças - que é fundamental, como se tem visto para o descongelamento das admissões de pessoal, para as verbas, para os reforços ... -, mas também o Ministério da Educação e Cultura, o Ministério do Trabalho e Segurança Social, o Ministério da Saúde. O Ministério da Justiça está incapaz de levar a cabo aquela que é uma das suas tarefas basilares!
Em quarto lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que o Ministério da Justiça perdeu largamente o sentido da legalidade. Tem uma lei orgânica que é caduca, que prevê, ela própria, seis ou sete serviços, quando neste momento há 22 serviços no Ministério com dignidade de direcção-geral. Não há uma lei orgânica! Os senhores são inteiramente incapazes de fazer uma lei orgânica. A Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Serviços prisionais, por exemplo, que é uma das leis mais jovens das leis orgânicas que estão dentro da velha orgânica do Ministério, não é cumprida, não é aplicada, ninguém a lê, ninguém lhe liga! Ë um monstro tentacular centralizado! Ninguém se preocupa em saber o que é que daquilo é verdade ou o que é que daquilo é ficção! Isto é uma vulnerabilidade, e é gravíssimo!
Segunda nota da falta de sentido de legalidade: o Ministério não deglute o novo regime financeiro que a Assembleia da República aqui aprovou, por unanimidade, aliás, no Orçamento do Estado. Pura e simplesmente, não sabe viver sem cofres em estado de anarquia. Com os cofres disciplinados estrangula, bloqueia, e portanto há demoras de meses. Como tal, os tribunais em Fevereiro de 1987 ainda não têm orçamentos, vivem em duodécimos, como há pouco lembrei, e é verdade - o Governo não o desmentiu. É grave que isso aconteça. E continua a haver os 711 serviços de registo e notariado que não têm orçamento e entregam trocos ao Ministro. Enquanto isto acontecer estamos na Papuácia!
Outro sintoma da perda da legalidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é em relação à Lei do Sistema Penitenciário, sobre cujo incumprimento é impossível que se continue a ter generalizadamente uma atitude de apatia e rotina. É obrigatório que os presos estejam em celas de um ou de três e nunca de dois? Não, passa-se por Monsanto e entende-se naturalíssimo que haja celas de dois ou que haja curros cheios de jovens como macacos empilhados até ao tecto! A administração penitenciária acha isso normal!
Não pode ser, mas é assim. Há lei no papel, mas de facto está instaurada uma situação de anomia. A lei prevê inspecções, mas não se fazem inspecções! Bom, depois da fuga sangrenta de Pinheiro da Cruz, sim senhor, disse o Ministro da Justiça como quem descobria uma grande, grande, grande coisa: «[...] vamos fazer inspecções, um hábito que se perdeu [...].» Espantoso! Como é que é possível que se tenha instalado uma rotina tal, que se tenha perdido o hábito de fazer inspecções? Perdeu-se o sentido da legalidade em todas as dimensões, incluindo nesta, que nos parece fundamental.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Entendemos que a presente situação da justiça é muito perigosa.
O Governo enjeita responsabilidades. A culpa é dos outros, de preferência, é da oposição, que é «má», é «pérfida». Por outro lado, o Governo vê em tudo críticas mortais e manobras diabólicas do PCP, o que, como aqui provámos hoje de novo, é injusto. Finalmente, assinale-se que o Governo prepara uma fuga em frente. A Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais é um fuga em frente. E, desde logo, uma tentativa de enjeitamento para as autarquias de responsabilidades em relação às construções. O tal problema que o Sr. Ministro da Justiça dizia que era uma questão gravíssima, fulcral, basilar, vai para as autarquias! Em relação ao acesso ao direito, a proposta do Governo é simples: eleva as alçadas, logo eleva as custas, distancia os tribunais das populações. Logo, consegue-se menos gente a litigar! Está resolvido o congestionamento! Devo dizer que este é um verdadeiro ovo de Colombo, mas um ovo profundamente antidemocrático.
Achamos que é preciso evitar essa fuga em frente, tal como em relação ao Código de Processo Penal urge que a Assembleia da República pondere as medidas de urgência tornadas necessárias pelo decreto preambular e que, por outro lado, pondere o próprio conteúdo e o calendário de realização da reforma em si mesma. Quanto à data da sua entrada em vigor, prevista para 1 de Junho de 1987, dizemos: é impossível! E isto não é uma «profecia da desgraça», é um cômputo razoável dos prazos e dos meios. Não há meios, não há estruturas e não há instrumentos regulamentares em