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25 DE FEVEREIRO DE 1987 1907

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista decidiu abrir um debate sobre a justiça por meio de interpelação ao Governo. Não será certamente a única interpelação, nem prescindiremos de nenhum dos mecanismos constitucionais para fazer ouvir a nossa voz, nas circunstâncias difíceis deste nosso viver democrático.
A justiça, Sr. Ministro da Justiça, é uma causa nacional; não é uma causa partidária - não é sobretudo um debate de advogados para advogados, não é um debate entre o Sr. Dr. Mário Raposo e, por exemplo, o Sr. Dr. Almeida Santos; é um debate nacional.
E se este debate teve virtualidades - e teve muitas - foi, pelo menos, para nos dar a todos e ao País a consciência de que esta questão é nacional, tem a ver com o nosso presente, tem a ver, decisivamente, com todo o nosso futuro - o nosso futuro colectivo, o nosso futuro democrático, o nosso futuro como nação, o nosso futuro de progresso e o nosso futuro de modernização.
Não é também, e sobretudo, um debate para resolver os problemas de consciência do Sr. Ministro, Dr. Mário Raposo, mesmo que ele tenha sobre as questões da justiça, e para empregar o francês de que ele tanto gosta, uma visão tipo la vie en rose.
Qualquer que tenha sido a posição tomada pelos vários partidos neste debate, há, sem dúvida, uma preocupação nacional a que o Parlamento tem de responder, como tem respondido a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com a dignidade e o trabalho profundo que tem posto à disposição deste Parlamento, do Governo e da Nação, no seu conjunto.
Não se trata, de facto, de um debate em que se tenha apenas passeado em torno de números; supomos que terá ficado clara a questão fulcral desta noite e que é decisiva: é que nesta questão da justiça, como porventura em muitas outras, a ansiedade com que hoje saímos daqui é pelo facto de ao Governo lhe faltar um desígnio, consciência da seriedade dos problemas, vontade, no fundo, a necessidade de mobilizar as vontades e as consciências deste país para encontrar os consensos necessários indispensáveis à resolução de causas e questões que, com certeza, não são de agora, são nacionais, são estruturais, e só com um empenhamento generalizado podem ter um vislumbre de solução.
É por isso que fizemos esta interpelação, é por essa disponibilidade que aqui declaramos ter que não nos arrependemos de a ter desencadeado e de ter estado aqui, até ao final, com todos os grupos parlamentares e com a atenção que todos os deputados deram - pelo menos os que aqui estão neste momento - a este debate decisivo.

Aplausos do PS.

Supomos que também terá ficado claro que entre uma máquina de propaganda, que diz que tudo vai bem, aliada a uma situação internacional favorável, temos aqui os dois sustentáculos do Governo que temos.
O Governo adia sistematicamente a governação em favor da simples gestão; é incapaz de tomar opções de fundo, gerando em volta delas os consensos necessários; trata-se, afinal, de um governo minoritário, que se comporta com a arrogância conhecida.
Os Portugueses vão compreendendo as insuficiências de uma tal forma de governar e que a ausência de políticas e de reformas estruturais terá necessariamente custos graves para o País, porque continuamos um país adiado, uma vez mais, da resposta necessária aos grandes desafios que há anos e anos nos afligem.
O acumular de erros, de hesitações, de recuos tácticos e de medidas desconexas representa no imediato um desaproveitamento da situação económica internacional favorável e, no médio prazo, o que é mais grave, o gorar de legítimas expectativas do povo português.
Em Novembro de 1986, o porta-voz para a justiça do Partido Socialista chamou a atenção para a necessidade neste sector de um verdadeiro programa de emergência, que pudesse fazer face as situações de ruptura visíveis em vários pontos do sistema judiciário, de prevenção criminal e prisional.
Fizemo-lo, aliás, acompanhando recomendação idêntica da comissão parlamentar competente.
Era então já claro que as insuficiências em meios de toda a ordem ameaçavam de paralisia e de ruptura em vários pontos do aparelho judiciário, policial e prisional.
Aliás, de vários outros sectores, incluindo de pessoas ocupando cargos de responsabilidade na hierarquia da administração, vinham surgindo repetidos alertas.

V. Ex.ª Sr. Ministro, veio alguns dias depois afirmar que não acreditava em medidas de emergência para solucionar os problemas da Justiça.

A situação que ficou bem patenteada no debate que está a findar aí está para demonstrar cabalmente que tínhamos então razão em reclamar acção firme e imediata, dotada de meios adequados para evitar que o continuar de um processo rápido de degradação das condições se fosse afinal acentuando.
O Governo parece ter aqui, como em muitos outros sectores, preferido adoptar a posição de avestruz, só se decidindo a actuar perante a ruptura definitiva ou, o que é pior, mesmo a tragédia. E bem um exemplo típico deste governo minoritário, sem horizonte, fazendo do exercício do poder a sua última justificação.
Neste sector, como naturalmente na generalidade dos sectores da governação, não existe afinal uma política coerente, servida por meios adequados.
O Ministério da Justiça, aproveitando em muitos casos do trabalho produzido anos atrás, tem tentado apresentar produção legislativa com um cariz modernizante e pretensamente com capacidade, por si só, para uma substancial alteração das condições do actual sistema.
Só que essa produção legislativa aparece dezenraizada de um plano de conjunto e sem qualquer base estrutural subjacente, correndo naturalmente sérios riscos de ficar bem aquém da eficácia prática que se apregoa irá ter.
Não basta aqui, como noutros sectores, legislar, as mais das vezes, com opções seguidistas de figurinos estranhos, embebidos noutros meios sociais e com estruturas administrativas bem diversas, quase sempre bem melhores do que as existentes no País.
Os exemplos de legislação moderna que anos depois ainda continua em grande parte por cumprir, por incapacidade de criar as estruturas necessárias, são infelizmente multidão - bem claros são os exemplos do Código Penal (quanto a toda a sua filosofia humanizante e ressocializadora) e a reforma penitenciária, muita dela evidentemente já sem vida fora do texto legal.