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28 DE FEVEREIRO DE 1987 1959

Um segundo feixe problemático tem a ver com o seguinte: foi filmada, em vídeo, por um corpo policial, uma manifestação de trabalhadores da COVINA em protesto contra a ameaça de despedimentos, realizada há pouco tempo, aquando da inauguração de uma nova linha de fabrico. Como é bom de ver, trata-se de uma recolha de dados pessoais, feita, aliás, com larga cópia de pormenores, com membros desse corpo policial transformados em verdadeiros cameramen, procurando fazer close-up e outras técnicas de filmagens conhecidas, sendo que, assim, se devassava inteiramente, por um lado, a figura ou o perfil dos manifestantes e, por outro, a actividade de democratas, de trabalhadores que protestam, que labutam, que lutam, de dirigentes sindicais, o que constitui uma prática aberrante e a muitíssimos níveis inquietante.
A pergunta urge: que garantias dá o Governo de que actuações destas não voltam a repetir-se? Se preferir, formulo-a de outra forma: trata-se de uma iniciativa meramente casuística, individual, que, como tal, o Governo não subscreve, ou é um acto que o Governo entende ser legítimo? Nesse caso, em nome de quê, sustentado em que legislação, com que fins e onde é que vai parar a defesa dos cidadãos, onde vão parar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos depois de tudo isto?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Garcia Marques): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão colocada pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes insere-se no contexto de uma problemática que assume indiscutível interesse: tem a ver com o problema da compatibilização da utilização da informática para a recolha, tratamento e difusão da informação - que é hoje um instrumento indispensável para o lançamento de uma política em proveito e em benefício do povo - com a defesa e a garantia dos direitos dos cidadãos.
Trata-se de uma temática em relação à qual, há uns tempos atrás, precisamente no «Verão quente» de 1975, tive oportunidade de escrever:
[... ] direi que, para ser eficiente, o Governo tem desenvolver processos de recolha e de avaliação da informação e de encontrar métodos que permitam a sua exploração para fins de planificação e de desenvolvimento tem de proceder à montagem de uma rede completa e actualizada de informações que habilitem a máquina do Executivo a conhecer com rigor, a planear com tempo e a decidir com justiça, tem, em suma, de invadir a esfera das condições de vida dos cidadãos para, com conhecimento de causa, poder lançar os fundamentos de uma prática ao serviço do povo. Mas, como contrapartida, o cidadão receia a interferência do olhar oficial na intimidade da sua vida privada e no âmbito do exercício das suas liberdades. Daí que possa existir, de facto, um conflito entre o exercício das liberdades e a realização prática de outros valores sociais.
Esta breve introdução pareceu-me necessária para situar, do ponto de vista teórico, as questões colocadas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes.
Porque o tempo não o permite, não valerá a pena referir todos os projectos de iniciativa legislativa que já tiveram lugar com vista à regulamentação desta matéria, porque é verdade que, numa área desta sensibilidade, as garantias técnicas e deontológicas não são suficientes para resolver o problema. Torna-se necessária uma regulamentação legislativa.
Na nossa Constituição temos um texto, o artigo 35.º, que define um conjunto de princípios que, na minha opinião - e posso dizê-lo livremente, como cidadão, como jurista e como membro do Governo -, precisam de ser reapreciados, os quais, no entanto, definem um quadro de princípios que visam defender o cidadão da utilização da informática. Isto porque a informática tem, de facto, uma capacidade de potenciação dos riscos, na medida em que permite, através de um processamento e de uma difusão de informação que não é acessível pela exploração de ficheiros normais, uma associação de dados dispersos em termos que possam vir a ser usados por forma que venha a contender com os direitos, liberdades e garantias individuais.
No entanto, escusado será dizer que, sem prejuízo da regulamentação legislativa existente no nosso país, até ao momento estamos perante uma norma integrada no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, que é, portanto, passível de eficácia imediata, através do dispositivo consagrado no n.º 1 do artigo 18.º da Constituição.
Relativamente às questões concretas que me coloca o Sr. Deputado José Manuel Mendes, posso dizer que não é correcto afirmar-se que a Constituição veda absolutamente a interconexão dos ficheiros. No n.º 2 do artigo 35.º a Constituição diz que «são proibidos o acesso de terceiros a ficheiros com dados pessoais e a respectiva interconexão, bem como os fluxos de dados transfronteiras, salvo em casos excepcionais previstos na lei.»
Ora, há disposições legais - dou como exemplo a Lei Orgânica da Polícia Judiciária - que permitem a utilização da informática para a recolha, tratamento e difusão da informação de dados de natureza pessoal. Isto sem prejuízo do respeito que deve ser dado a outros princípios consignados no texto constitucional. Quando eu disse que, na minha perspectiva, o artigo 35.º carece de revisão - e posso prová-lo - não estou a dizer, de modo nenhum, que este artigo não tenha de ser respeitado. É evidente que, como qualquer disposição do texto constitucional, enquanto estiver em vigor, o artigo 35.º tem de ser respeitado. A razão da dificuldade da regulamentação legislativa do disposto no artigo 35.º resulta precisamente do carácter espartilhante, bloqueador, de algumas normas que aqui estão consignadas e que, inclusivamente, vão contra disposições da Convenção do Conselho da Europa acerca desta matéria, designadamente no que se refere aos termos de dados transfronteiras, Convenção essa assinada por Portugal.
Relativamente ao problema da utilização dos meios vídeo, entraríamos, com certeza, numa apreciação de tipo casuístico. É evidente que há uma norma constitucional relativa à protecção da intimidade da vida privada, ao direito à imagem - salvo erro, é o n.º 1 do artigo 26.º do texto constitucional -, e eu julgava que a questão iria ser posta em termos, porventura, mais