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2341 - 25 DE MARÇO DE 1987

aferidos e negociados em função da inflação esperada. Esta orientação, introduzida num período de crescente desaceleração do ritmo inflacionista, significou uma viragem de 180 graus nas concepções de há muito adquiridas e assentes no âmbito da prática das negociações colectivas e implicou um rude golpe nas legítimas expectativas dos trabalhos portugueses.
Na verdade, se o ano de 1985 findou com uma inflação situada na ordem dos 19,3%, esperavam legitimamente os trabalhadores portugueses recuperar no início de 1986 o seu poder de compra, degradado ao longo de 1985, e, consequentemente, ver actualizados os seus salários num valor nunca inferior àqueles 19,3%, com base na mesma lógica que sempre presidira e justificara as anteriores negociações salariais.
Em vez disso, a evolução dos salários nominais viria a quedar-se na ordem dos 15%-16%. A única conclusão obviamente a tirar seria a de que em 1986 os trabalhadores portugueses perderam, de facto cerca de quatro pontos no seu poder de compra.
Contudo, estava-nos reservada uma inesperada mas interessante surpresa. Não foi só o Governo - e isso não teria sido surpreendente - a decretar oficiosamente que, em vez da redução do poder de compra, até ocorreu uma melhoria dos salários reais. Não, ao lado do Governo, concorrendo conscientemente para valorizar e viabilizar a sua operação de propaganda, apareceram depois a CGTP, o PCP e até a UGT a confirmar e a fixar historicamente a conquista em 1986 de um crescimento dos salários reais - ainda que, obviamente, reivindicando para cada um deles a autoria moral e o estrelato na protagonização de mais esta vitória dos «seus» trabalhadores!
Tratou-se de uma grande operação de propaganda, podendo hoje considerar-se consolidados os seus efeitos e, como tal, definitivamente assimiladas pela opinião pública as correspondentes conclusões, entendidas como verdades indiscutíveis.
Talvez pudéssemos deixar passar em claro o logro, não fora o sentirmos dever expressar aqui as nossas mais sérias reservas sobre a orientação do Governo que vai apontando para uma crescente desvalorização da mão-de-obra nacional, deixando continuar a agravar--se o fosso que a separa dos níveis salariais europeus.
Consideramos, de facto, ultrapassada e definitivamente condenada a política que, nos anos 60, assentava a defesa da competitividade da nossa economia nos baixos salários.
Urge avançar em direcção ao gradual nivelamento do rendimento dos trabalhadores portugueses, aproximando-os dos seus companheiros europeus, designadamente pela via da sua rápida e crescente valorização educacional e profissional.
Noutro plano diferente, Srs. Deputados, mas ainda no quadro da política de rendimentos, o Governo contribuiu para um sucesso que aqui não deve ser ignorado. Reporto-me aos acordos alcançados no âmbito do Conselho de Concertação Social.
Fomos, porventura, os primeiros - já lá vão alguns anos - a defender a institucionalização de um órgão com as características e a vocação daquele Conselho. Poderemos hoje discutir a composição e alguns aspectos do seu funcionamento.
Seja de que modo for, reputamos da maior relevância - e temos gosto em aqui o sublinhar - os acordos e as orientações em matéria salarial que o trabalho tripartido do Conselho de Concertação Social de algum modo já viabilizou.
Apenas queremos deixar aqui votos expressos para que as entidades ali presentes e representadas não se deixem entretanto regressar à lógica redutora das pressões envolventes e interesses político-partidários, sob pena de completa inutilização dos avanços já alcançados.
Feitas estas referências à política de rendimentos do Governo, pretendo ainda trazer à presença desta Câmara a tão debatida problemática da política legislativa laborai e a questão das responsabilidades do Governo neste âmbito.
Devo, contudo, começar por recordar que o CDS, sempre preocupado com a desdramatização destas questões, não tem, em todo o caso, evitado defender que a crise económica e a superação de alguns conceitos tradicionais no domínio da filosofia empresarial, da organização das estruturas produtivas e das relações industriais têm gerado a efectiva necessidade, e até a premência, de se proceder à actualização e à flexibilização da nossa legislação laboral.
A ideia de flexibilização deveria por si própria traduzir uma ideia positiva, uma resposta saudável, desejável ou, ao menos, aceitável por todos, face à profundidade da crise económica e à consequente crise de alguns conceitos até ao presente reputados como nucleares da doutrina jus-laboral.
Contudo, os termos em que por vezes tem defendido a liberalização económica e em que se tem exigido a revisão das leis do trabalho têm gerado, compreensivelmente, no seio do movimento sindical e nos trabalhadores, expectativas profundamente negativas e uma quase desesperada resistência à anunciada mudança.
Importa, por isso, uma certa pedagogia social e torna-se sobretudo premente que os objectivos de mudança sejam inteligentemente seleccionados pelo seu sentido positivo, em função de interesses concretos e fundamentados, socialmente respeitáveis, economicamente importantes e reprodutivos.
Apesar dessa necessidade de inteligência e bom senso, não podemos, em todo o caso, adiar por mais tempo o libertamo-nos dos complexos e preconceitos que nos têm limitado a vontade política, sendo imperioso que nos disponibilizemos todos para enfrentar as realidades e a nova fisionomia da questão social.
Na verdade, a ideia de que o direito do trabalho se justifica historicamente pela necessidade de protecção do trabalhador, como parte mais fraca na relação individual de trabalho; a ideia de que o direito do trabalho é, por definição e inexorável vocação, determinantemente progressivo e tende a consagrar, sempre e sempre, condições cada vez mais favoráveis ao trabalhador; a ideia de que os direitos sociais, uma vez adquiridos e incorporados na esfera individual do trabalhador, neles se incluindo o próprio direito ao emprego, são inatingíveis e inamovíveis; a pretensão de que a generalidade das normas de direito do trabalho visa interesses de ordem pública, delas decorrendo um nível de coercividade profundamente limitador da liberdade das partes - tudo isso são hoje conceitos ou preconceitos em crise profunda, que a vida económica e a realidade social abalaram ou desmistificaram por completo.
Hoje, a «questão social» não respeita tanto aos empregados, mas sobretudo, e muito mais, aos desempregados. Hoje, a intervenção do Estado, para a salvaguarda do bem comum e dos interesses colectivos, tem de se preocupar mais com os sindicatos, como