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18 DE NOVEMBRO DE 1988 373

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jaime Gama, gostaria de, em nome da bancada do PCP, manifestar-lhe o nosso acordo ao corpo de ideias básicas que aqui teve ocasião de exprimir. Eis o que seria quase desnecessário na medida exacta em que o PCP apresentou um projecto de lei cujo sentido é, precisamente, o mesmo.
Faço-o porque V. Ex.ª acaba de receber aqui comunhões e logo se verificará qual o seu grau de genuinidade. Sabe-se que as comunhões são como os pudins: só se tem a certeza de que existem quando se comem. Veremos, pois, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias se é genuíno o sentido da comunhão do PSD nesta matéria. Devo dizer, porém, desde já, que a nossa apreensão é grande.
V. Ex.ª referiu que o actual quadro legal se caracterizava por tais condições que exigia que se legislasse sobre os pontos críticos. Ora, estamos inteiramente de acordo com essa sua observação. Só que creio que é necessário ir mais longe, pois o actual quadro legal é, verdadeiramente, um somatório de pontos críticos.
V. Ex.ª aludiu ao controlo da riqueza dos políticos e, em relação a este assunto, repare que a legislação aplicável é, toda ela, um somatório de pontos de interrogação. As normas desembocam no puro vazio. Não há possibilidade nenhuma de conhecer e fiscalizar o conteúdo das declarações de rendimentos, os mecanismos são precários e, portanto, a lei é inteiramente falível.
Mas, pior do que isto é a actual legislação penal. Existe em Portugal o crime de corrupção, de peculato, de concussão, mas só existe para os funcionários. Existe uma norma do Código Penal que previa que houvesse uma equiparação que ela fosse regulada por lei especial para governantes, legisladores e outros titulares de funções políticas. Acabou por ser aprovada na última legislatura, mas em Portugal corruptos são os agentes, os mandantes não! E o número de processos que V. Ex.ª encontra na Judiciária e na Alta Autoridade sobre esta matéria é, por ele, elucidativo e, em si mesmo, chocante.
Um outro aspecto que V. Ex.ª não abordou é o das dádivas. Certamente que não foi por acaso que o Sr. Alto Comissário Contra a Corrupção teve ocasião de apresentar à Assembleia uma iniciativa que alerta para as dádivas a políticos e funcionários. Sucede que, até agora, ainda não foi objecto de apreciação.
Como é que pode acontecer que governantes tenham condições especiais de favor? Por exemplo: quem não desejaria ter um andar numa dessas torres elegantes, aqui ao pé, por um preço de fim de estação? Suponho que todos os portugueses! É normal! São uns andares jeitosos, confortáveis, estão num sítio que, diga o que se disser sobre a arquitectura, é simpático, interessante, quiçá um pouco monstruoso, mas... enfim! Então por que é que tal ou tal governante há-de ter essas condições e o Sr. Deputado Jaime Gama ou qualquer um de nós não? Dói ao coração? Pior do que isso: é imoral e é inaceitável em termos de moralidade pública!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas há um outro problema a que V. Ex.ª não aludiu e que é o relativo às informações confidenciais.
V. Ex.ª sabe, pois foi governante numa área sensível, que qualquer governante aprende no seu múnus informações fundamentais. Algumas valerão milhões, outras menos. Mas, em todo o caso, valem sempre muito! Quem garante a sua não privatização indébita?
Um último aspecto: ontem, na televisão, vi um governante sair de uma reunião com um grupo económico, onde fraternalmente se celebrava um negócio e se anunciava à Pátria que esta seria salva, porque aqueles dois grupos económicos, um estrangeiro e um português, se fundiam. Devo dizer que este exemplo não tem correlação nenhuma com o caso que especifiquei antes, nem com tema geral que anunciei, é apenas interpolado aqui por mero acaso, como V. Ex.ª compreenderá, certamente.
Mas, como estava a dizer, ao ouvir aquilo lembrei-me daquele outro governante que no mês de Dezembro de 1987 se reuniu com o grupo SONAE para discutir um certo caso de uma OPV e que, actualmente, já não está no Governo. Coitado! Não sei onde é que ele está, mas sei, seguramente, que não está desempregado!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Está bem, de certeza!

O Orador: - Pergunto, pois, se a República vai bem quando estas coisas vão tão mal (ou tão bem para alguns, como é óbvio)!
Gostava de perguntar ao Sr. Deputado Jaime Gama sé é disposição da bancada do PS agir não apenas sobre uma parte, mas sobre todo este campo, sendo certo que, pela nossa parte, procuraremos contribuir com iniciativas concretas.
Talvez, então, o PSD nos possa dizer: «Mas, então os senhores vêm aqui com iniciativas destas, vêm aborrecer-nos, vêm copiar a Espanha, a Bulgária, a Hungria, etc...». E nós diremos, nessa altura: «Vimos, sim, senhor! E copiamos tudo o que for necessário, desde que seja em defesa da moralidade pública».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Agradeço muito os pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Magalhães e Basílio Horta. Creio que com eles se significa não só o merecimento da nossa proposta, pelo que ela, em si mesmo, vale quanto ao seu articulado, mas também porque através dela se permite um debate sobre uma questão que é basilar para o funcionamento do sistema político. O que é de espantar é que há mais de uma década de existência do regime democrático esta matéria não tenha sido assumida por nenhum quadrante ou por nenhum agente do sistema político.
O nosso objectivo é o de lançar o debate, o pontos de vista e os assuntos que VV. Ex.ªs focaram são relevantíssimos para um conjunto de legislação que urge produzir e que, na minha opinião, manifestamente se não esgota - e até se esgota mal - com o actual mecanismo de controlo do património e rendimentos pelo Tribunal Constitucional, com o Código Penal especial para os agentes políticos, com' a própria lei reguladora e a prática de funcionamento de Alta Autoridade Contra a Corrupção.
Penso que a nossa diferenciação em relação a países menos desenvolvidos devia ser feita, em matéria de sistema político, pela adopção de instituições e mecanismos