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3 DE FEVEREIRO DE 1989 1221

Pretendendo-se racionalizar o consumo, restringe-se os direitos dos utentes e limita-se, nos termos constitucionais, a execução dos deveres do Estado em matéria de Saúde. A economia de Saúde, exigindo gestão participada, abrangente e responsabilizada, não se pode nem deve confundir com critérios economicistas, representando, em nosso entender, uma errónea sobreposição de conceitos, que poderão trazer à sociedade graves e penosas consequências.
O decreto-lei em análise obedece a esta linha orientadora de pensamentos, integra-se na política adoptada, adequa-se às pretensões de poupança - com as quais teremos de concordar -, esquecendo-se, no entanto, das realidades sócio-económicas em que se inserem a maioria dos utentes, destinatários e principais lesados pela sua execução prática.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com este documento não sai melhorado o esquema de acesso às prestações medicamentosas, na medida em que a preocupação primordial, que lhe está subjacente, é de carácter quantitativo, através da limitação de ordem económica à aquisição das especialidades farmacêuticas, por parte dos doentes, e da imposição da prescrição das mesmas aos médicos, retirando-lhe a possibilidade de, em liberdade, escolher o medicamento mais adequado em função da situação clínica e dos hábitos adquiridos pelo doente, em caso de tratamentos prolongados.
Com esta legislação é omitido, flagrantemente, o valor placebo de determinados medicamentos, que deve ser respeitado implicitamente em situações particulares em que da sua utilização depende o sucesso do acto médico na sua componente terapêutica.
Quando, em determinado passo, se cita como argumento condicionante da necessidade de moderação e racionalização dos consumos os limitados recursos financeiros do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da ADSE, impõe-se recordar que é da exclusiva responsabilidade do Governo a atribuição de uma dotação orçamental escassa para o capítulo da saúde, reflexo do nível de priorização que o mesmo tem vindo a dedicar a estes problemas, colocando o nosso país na cauda da Europa em termos de valor percentual do Orçamento do Estado para a saúde, atribuído anualmente.
Ao se manterem os três escalões de comparticipação não significa a inalteração da intervenção pessoal dos utentes no acesso às prestações medicamentosas. Isso depende, fundamentalmente, do tipo de medicamentos que constituirão os escalões e consequentes transferências a registar com todas as implicações que daí advirão, designadamente no tocante às doenças crónicas que maiores custos representam para os doentes e mais graves repercussões podem acarretar, em termos individuais e sociais, de maiores custos para o País.
Daí, ser discutível a prometida garantia de «maior acessibilidade aos medicamentos imprescindíveis em termos de protecção da saúde».
Ao se referir que «a racionalização do consumo dos medicamentos reclama a sensibilização do clínico que os prescreve», o que é necessário pela sua veracidade, não se pode no entanto, aceitar a transferência dessa responsabilidade para o papel exercido pela propaganda médica.
Tal questão deverá envolver factores múltiplos que vão desde a formação ministrada nas Escolas Superiores de Medicina até à criação de incentivos, pessoais e colectivos, a implementar nas instituições prestadoras de cuidados de saúde, que não cabem, assim, em medidas exclusivamente administrativas ou técnico-jurídicas, como é o caso do presente decreto-lei.
No último parágrafo da introdução deixam-se soltar confessadas esperanças no êxito das medidas agora preconizadas.
Para que isso aconteça é necessário registar-se a anuência de todos os agentes envolvidos.
Espera-se que o «processo de avaliação permanente» e a prometida introdução dos «ajustamentos necessários à consecução de melhores resultados no domínio da protecção da saúde» não excluam a análise de eventuais fracassos, que possam existir, e a coragem política de aceitar e assumir críticas, erros ou insuficiências lacunares neles contidas, incutindo-lhe verdadeiramente um efectivo carácter dinâmico.
Julgo oportuno reproduzir despretensiosamente, algumas ideias de Santos Cardoso, por ocasião do Seminário realizado em 1987 e organizado pela SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) tendo por tema: «Que política de saúde para Portugal?» E passo a citar: «A inflação necessária para a optimização da relação custos/benefícios tem de atender à especificidade dos nossos serviços de saúde serem os próprios prestadores de cuidados que têm de decidir a maior parte das despesas, ou seja, no nível operacional.
Se compararmos esta realidade com as regras da Administração Pública propriamente dita, as quais condicionam o complicado controlo burocrático à autorização de todos os gastos, teremos de concluir que a gestão dos serviços de saúde tem de seguir normas próprias.
Porque o prestador de cuidados ao decidir aplicar uma determinada técnica ou tratamento com a despesa consequente, não deve ser cerceado por via administrativa, antes de estar motivado para critérios de eficiência, com a consciência clara da diferença de critérios simples de eficácia. A confirmação de que não há doenças mas sim doentes é normalmente utilizada para fundamentar a imperatividade da humanização dos cuidados. Em nosso entender, deve ter um alcance mais vasto: o mesmo doente, com a mesma patologia pode reagir amanhã de forma diferente à terapêutica que hoje lhe foi aplicada com bom resultado. O diagnóstico, o prognóstico, a terapêutica nunca têm probabilidades absolutas de êxito. Se não há «standards na prestação de cuidados da saúde, essa realidade tem forçosamente reflexos nos critérios a adoptar na gestão dos serviços. Significa que tem de ser salvaguardada a autonomia da decisão técnica operacional, mesmo quando esta implica maiores dispêndios».
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como já tivemos oportunidade de expressar nesta Câmara, numa sessão anterior, não estamos contra a racionalização do consumo de medicamentos, só estamos frontalmente em desacordo com a forma como o Governo o fez, isto é, penalizando o consumidor ao eliminar os produtos dos escalões de participação. Uma medida já por nós preconizada poderia e deveria ser tomada em consideração, bastaria distribuir todos os medicamentos pelos diversos escalões de comparticipação, salvaguardando os medicamentos para doenças prolongadas cuja comparticipação a 100% se manteria, mesmo com o prejuízo de abaixamento de escalão de alguns medicamentos nos escalões B e C.