O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

25 DE FEVEREIRO DE 1919 1551

Daí que tutela deva confinar-se à fiscalização da legalidade, conforme hoje determina, explicitamente, a Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não se contesta a oportunidade das iniciativas do Governo e do Partido Comunista, materializadas na proposta e projecto de lei agora em discussão, desde logo porque a tutela administrativa é, como vimos, um instituto de grande importância, não só porque visa garantir o controlo da legalidade do exercício do Poder Local, como é indispensável ao regular funcionamento do Estado, mas também, porque, competindo a referida tutela ao Governo e seu representante no distrito, nos termos do artigo 202.º e 295.º da Constituição, se impõe adoptar especiais cautelas numa área de potencial conflito entre aquelas duas vertentes do poder democrático.
Compreende-se, pois, que a matéria, pelo relevo que assume e pela dignidade de que se reveste, seja tratada em diploma próprio e não apenas como mero capítulo de um articulado regulador das atribuições das autarquias e da competência dos respectivos órgãos, como era a Lei n.º 79/77, ainda em vigor na parte que agora nos ocupa. São, de resto, sobejamente conhecidas as críticas que na prática tem concitado a aplicação dos artigos 91.º, 92.º e 93.º desta lei, que tanto os governos da Aliança Democrática como do chamado bloco central intentaram substituir com as Propostas de Lei n.º 118/II e 72/III, que, como se sabe, não chegaram a vingar.
Ora, o primeiro comentário, que nos sugerem os diplomas em analise, é que ambos se reclamam da filosofia que deixamos aqui esboçada, ao reconhecerem por igual que o nosso ordenamento jurídico só comporta um modo de tutela que se esgote na verificação do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos autárquicos, arredando-se qualquer hipótese de orientação da sua actividade ou de substituição das suas competências.
Em suma, ambos os diplomas fazem profissão de fé na tutela inspectiva, parecendo, assim, rejeitar in limine a preventiva, directiva, substitutiva ou correctiva, que enformavam o direito administrativo do velho regime.
Atentando-se, porém, nos artigos 2.º e 3.º da proposta de lei do Governo, mostra-se, pelo menos, duvidoso que ela não inscreva alguns desvios àquela afirmação de princípio, ao incluir no âmbito da tutela a verificação do funcionamento dos serviços das autarquias locais e associações de municípios e ainda a recolha de informações, para além daquelas que podem ser obtidas através das inspecções, inquéritos e sindicâncias.
É, na verdade, fundado o receio de que com semelhante formulação se prepare, na prática, o caminho para uma ingerência do Governo na vida das autarquias que pode ultrapassar largamente as fronteiras da tutela inspectiva.
Relegando, porém, exame mais detido deste aspecto para discussão na especialidade, anota-se ainda que os diplomas concordam em atribuir a titularidade da tutela ao Governo e sobre as formas do seu exercício ambos estabelecem as inspecções, os inquéritos e as sindicâncias, que o projecto do PCP, ao contrário da proposta de lei, se encarrega de tipificar, determinando com louvável precisão e clareza os casos e modos de emprego de cada um dos respectivos processos. A este propósito, no entanto, não pode ficar sem reparo a proclamação enfática, que se faz no preâmbulo do projecto comunista, do carácter excepcional da tutela administrativa, para logo depois se estabelecer no articulado, e bem a nosso ver, que as inspecções serão ordinárias, devendo os órgãos das autarquias locais ser objecto, pelo menos, de uma dessas inspecções no período de cada mandato.
A fiscalização da legalidade, em que se analise a tutela administrativa, de nenhum modo pode ser concebida como excepção, mas antes como regra ou norma num estado democrático.
Escasseando o tempo para um estudo mais exaustivo das analogias entre a proposta e o projecto de lei, regista-se ainda neste domínio que eles dão cumprimento ao artigo 243.º n.º 2 da Constituição, que manda preceder de parecer de um órgão autárquico as medidas tutelares restritivas da autonomia local. Como cumprido se mostra por ambos o n. º 3 do mesmo preceito constitucional, que faz depender a dissolução de órgãos autárquicos resultantes de eleição directa da verificação de acções ou omissões ilegais graves, conceito este indeterminado, que o projecto de lei procurou circunscrever em termos para nós, inaceitáveis, já que destes se exclui injustificadamente negligência grave e reiterada.
Se não fora a ambiguidade de que padecem os referidos artigos 2.º e 3.º da proposta do Governo, poderíamos concluir que ambos os diplomas davam satisfação bastante às determinações do inciso constitucional que especialmente contempla a tutela administrativa.
Onde eles divergem e marcam considerável distância é, sobretudo, no tratamento que dispensam à intervenção do governador civil e na escolha da instância em que se pode operar a dissolução dos órgãos autárquicos.
Quanto ao primeiro aspecto não pode ignorar-se que o artigo 295.º n.º 3 da Constituição confere ao governador civil, embora com manifesta desmesura, competência para representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito, não faltando quem tenha sustentado que este preceito terminante esvazia o Governo do poder tutelar que lhe é atribuído no artigo 202.º, alínea c).
Transigindo em parte com esse entendimento, o artigo 91.º n.º 1 da Lei n.º 79/77 declara que compete ao Governo o exercício da tutela administrativa, mas logo acrescenta que esta, enquanto subsistir o distrito, será exercida através do governador civil na área da sua jurisdição.
Por seu turno o artigo 92.º proclama que o governador civil é a autoridade tutelar e especifica a sua competência na matéria, deixando-se ao Governo no artigo 91.º n.º 2 e artigo 93.º a superintendência da tutela inspectiva e o poder de dissolução dos órgãos autárquicos.
Na economia do diploma, que vimos analisando, parece ter-se querido instituir um sistema em que a iniciativa tutelar ficava a pertencer ao governador civil e, por isso, se lhe atribui no artigo 92.º o direito de promover a realização de inquéritos, se necessário através dos serviços de administração central, remetendo-se o Governo para uma intervenção ulterior, traduzida nos poderes sancionatórios e de supervisão da tutela, que atrás se deixam referidos.