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2220 I SÉRIE - NÚMERO 65

O Sr. António Campos (PS): - Sr.ª Presidente, não lhe concedo a palavra porque a Mesa já deu a resposta que poderia dar. Essa questão terá de ser levantada na conferência de líderes parlamentares à qual, como o Sr. Deputado sabe, não têm acesso os Vice-Presidentes da Assembleia da República.
Portanto, Sr. Deputado, não tenho mais nenhuma resposta a dar.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Governo já não consegue, apesar do escandaloso controlo que mantém sobre os mais poderosos meios de comunicação social, ocultar a profunda desilusão que lavra na sociedade portuguesa.
Apesar de ter beneficiado de um quadro político-institucional impar, após o 25 de Abril, e ter sido o herdeiro quer de uma razoável estabilidade financeira quer dos benefícios imediatos de uma integração europeia potenciadora e propiciadora de profundas transformações, Cavaco Silva foi incapaz de lançar a sociedade portuguesa na senda do progresso e da justiça.
Esta constatação é hoje evidente e começa a ser irrefutável.
Temos todos que nos interrogar acerca da verdadeira natureza dos mecanismos do poder, que impediram um homem e uma política de, apesar de bafejados por condições envolventes excepcionais, se constituírem em pólos aglutinadores de um querer colectivo visando o desenvolvimento do País e a modernização da sociedade.
É insuficiente, embora verdadeiro, referir a insensibilidade do Governo para as ideias de justiça e de solidariedade social, pois se é certo que se acentuam e agudizam fortes clivagens na sociedade portuguesa e que esse facto gera descontentamento nos não beneficiados, não é menos verdadeiro que os sectores naturalmente beneficiários dessa política de desequilíbrio social também revelam descontentamento e afirmam a sua desmobilização.
É insuficiente, embora verdadeiro, acentuar a fragilidade de certos sectores governamentais, geradores de políticas específicas menos conseguidas e, naturalmente, condicionantes temporários de uma evolução de fundo positiva, pois não têm faltado os alertas e a apresentação das alternativas no local e no tempo adequados e, de qualquer modo, essas insuficiências seriam, pelo menos, em circunstâncias normais e para agentes políticos normais, facilmente superáveis.
É insuficiente, embora verdadeiro, invocar a falta de transparência de boa parte dos negócios do Estado mesmo perante o avolumar na sociedade portuguesa de uma profunda ansiedade acerca dos valores morais e da ética política, pois a democracia possui mecanismos de defesa suficientemente fortes para garantir, mais tarde ou mais cedo, a eliminação dos prevaricadores.
É insuficiente, embora verdadeiro, acenar com o carácter conjuntural de certas medidas, mais dependentes de calendários e timings eleitorais e da legítima disputa entre partidos do que da natureza intrínseca das políticas, pois da sua concretização precoce ou adiamento programado sempre deveria poder concluir-se por uma certa nacionalidade apenas condicionada ao tempo político de uma legislatura de conveniência.
É, assim, portanto, na personalidade política do Primeiro-Ministro e na destruição global do mito de competência deste Governo que devem ser procuradas as causas da situação que provoca o descontentamento geral.
Com uma personalidade política onde os traços mais marcantes são a autoridade e a arrogância, a infalibilidade e a suficiência, e, sobretudo, a convicção da sua impunidade, o Primeiro-Ministro tem condicionado e limitado o Governo quer no diálogo social e na necessária obtenção de consensos alargados, quer na correcção das medidas de política que se revelam e, como tal, são reconhecidas como perfeitamente inadequadas.
O custo social do exercício desta personalidade política começa agora a ser incomportável para a generalidade da opinião pública portuguesa.
Contudo, mais do que o exercício governamental da personalidade do Sr. Primeiro-Ministro, o que é verdadeiramente penalizante para as reais condições de vida dos portugueses é o mito de competência do Governo, ficção em que assentou (e que condicionou) toda a acção governamental.
Para todos aqueles que ousaram criticar a timidez das reformas estruturais (leit-motiv do combate político de Cavaco Silva quando na oposição ao Governo e ao seu próprio partido) e acentuar sinais preocupantes de irracionalidade económica (como o falhanço da recuperação bolsista ou a acentuação da injustiça tributária) ou de desregulação social (como a manutenção do monopólio estatal da televisão e a rigidez das políticas de educação, saúde e justiça), sempre se dirigiu o dedo acusador e o opróbrio da ignorância, à luz de uma competência sem limites e indiscutida.
As consequências e os ónus do mito da competência do Governo constituem, provavelmente, a herança mais pesada que este PSD lega à sociedade portuguesa, na medida em que, rejeitando a via das reformas consensuais e a evolução das mentalidades, condicionou e relativizou uma oportunidade única para a modernização e o desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Apesar de todos os escândalos, de todos os inquéritos, de todos os processos e debates é ainda no âmbito da condução da política económica que a opinião pública encontra maiores sinais de incompetência e descoordenação.
É natural que assim seja, não só porque os falhanços económicos influenciam e penalizam o quotidiano dos portugueses, mas também porque tem sido à luz de um pretenso sucesso na política económica que este Governo estabeleceu o essencial da sua propaganda.
A propaganda oficial sempre ocultou à opinião pública a dimensão das condições envolventes à política económica do Governo e o carácter extremamente favorável de que as mesmas se revestiam.
A estabilização financeira interna alcançada por um Governo anterior, o quadro institucional da ajuda externa definido no âmbito da integração nas Comunidades Europeias sob a responsabilidade, a negociação e o prestígio de outros primeiros-ministros, a favorável evolução do comércio internacional, resultante de alterações significativas no custo energético e nas políticas cambiais e financeiras dos espaços económicos mais poderosos, foram silenciadas, e o aparente sucesso económico deste Governo sistematicamente medido através de comparações desajustadas de taxas de inflação ou índices de emprego valorados em contextos políticos, económicos e sociais diversos.