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10 DE MAIO DE 1989 3647

certas Ciências - embora isto já não seja verdade relativamente à História, à Literatura e a poucas mais, mas mesmo assim na Literatura ainda há que discutir - tradicionalmente ditas Ciências exactas, avançadíssimas, tais como a Oceanografia, Astrofísica, etc. Portanto, quanto a estas matérias isto não é pensável. Quem fizer uma tese em português, em primeiro lugar, não tem, em alguns casos, sequer língua suficiente, ou seja, terminologia e vocabulário suficientes para se exprimir, portanto, já temos aqui um obstáculo terrível; em segundo lugar, ninguém lê e por isso, terá de entrar num processo caríssimo de tradução... não faz sentido!
Infelizmente, já há pouco alguém aqui se queixou da falta de representantes do Ministério da Educação, pois teria sido interessante que alguém desse ministério tivesse participado no debate de hoje, mas, mesmo assim, chamo a atenção dos membros do Governo e de todas as bancadas da Assembleia, para este ponto: por motivos ridiculamente nacionalistas, ridiculamente populistas, não cometamos um erro cultural e científico total. Então andamos a elogiar as novas tecnologias, como o projecto ERASMUS, o projecto EUREKA... e depois vem esta instrução!? Não pode ser!!
Aqui fica o meu pedido de atenção a todos.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Narana Coissoró, para pedir esclarecimentos, gostaria de dizer ao Sr. Deputado António Barreto que em determinada altura me vi tão aflito que tive de criar um neologismo que não tem qualquer significado em português. Procurei-o em várias línguas e o neologismo era exactamente o mesmo, até lho posso dizer porque não perceberá o que significa: «espalação».

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado António Barreto consegui levantar aqui um problema muito interessante e importante para as nossas Universidades.
Naturalmente, o problema do português para fins académicos nas ciências de ponta é um problema grave, mas também é verdade que se não entusiasmarmos e não criarmos condições para que o português absorva a linguagem científica estamos a prestar um mau serviço à nossa própria expressão do saber científico - e não se pode dizer até onde é que poderá ir...!
Por exemplo, neste momento tenho este problema: na minha Universidade aparecem-nos alunos a pedir a equivalência a mestrado ou a doutoramento e trazem teses escritas em russo. Tenho um caso concreto.
Ora bem, o russo é uma língua falada na ONU, uma língua universal. Porém, o único problema é que o meu Instituto não tem ninguém que leia russo, não tem dinheiro para pagar a alguém que a traduza e não pode obrigar o aluno a fazê-lo. Ou seja, não pode dizer-lhe: «O senhor, além do trabalho que já teve em escrever esta tese em russo, agora terá de gastar dinheiro para a traduzir a fim de que o corpo docente da instituição portuguesa possa lê-la para saber se merece ou não a aprovação que teve.»
Por outro lado, há o célebre problema de haver «tradutores e traditore»..., isto porque quem faz a tradução pode trair o pensamento académico e o doutorando pode sempre dizer: «Não é isto o que lá está. A tradução é que foi mal feita. A crítica que faz não é a mim mas ao tradutor.» Portanto, este problema fundamental existe e penso que o Sr. Deputado António Barreto fez bem em levantá-lo, porque tem de ser resolvido. No entanto, penso que as traduções terão de ser suportadas pelo estudante, através de um subsídio do Governo ou de ajudas de organismos de investigação científica, etc, porque não se pode obrigar os docentes das Universidades a saberem todas as línguas ou mesmo até as principais, como o russo ou o chinês.
Este problema não é igual ao do suaíli ou do hindi, mas já não se põe relativamente ao japonês, porque, por exemplo, as teses no Japão já não são feitas em inglês. Os japoneses começaram a adaptar, nos últimos 20 ou 30 anos, a sua língua à electrónica, à química, etc, e verifica-se hoje que as suas teses de doutoramento e as melhores obras já são escritas na sua própria língua. E aí não temos ouvido falar deste tipo de problema, ou. seja, de dizer que é preciso fazer os trabalhos, em línguas estrangeiras.
Contudo, com as pequenas línguas, não é o nosso caso, não há problemas... Se realmente os académicos portugueses querem que a sua obra seja conhecida no mercado académico internacional, e porque a língua portuguesa não presta, terão de suportar as despesas de tradução, outra vez, através dos fundos públicos, de fundos de investigação privados ou de qualquer natureza.
Todavia, admitir que as línguas estrangeiras possam circular livremente nas Universidades portuguesas parece-me que é querer ir longe e depressa de mais. No entanto, gostaria que este fosse um posto de reflexão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, não exagere o entendimento do que eu disse, porque nestas coisas tem de se ter sensibilidade e algum realismo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Apenas lhe dei um caso concreto!

O Orador: - Nem todas as línguas valem... Às vezes custa dizer isso no mundo em que o relativismo cultural reinou durante algumas décadas; em que uma língua falada por 300 milhões é, do ponto de vista da dignidade pessoal e cultural, igual a uma língua falada por 5OO pessoas. Não ponho isso em causa, mas, na vida prática, há as línguas «francas» e as que o não são. Há línguas que são veículos de comunicação e outras que o não são.
Devo dizer-lhe que hoje em dia, nas próprias Universidades russas, se trabalha muitas vezes em inglês, porque é preciso, porque é necessário e indispensável, e, sinceramente, sem qualquer menosprezo pela Rússia, pelo russo ou pela União Soviética, não se compara a utilização do inglês, como língua franca de algumas Ciências, com a utilização do russo ou de qualquer outra língua.