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3710 I SÉRIE - NÚMERO 77

Na realidade, não parece ao PSD que haja aqui retrocesso. Refiro, Sr. Deputado José Magalhães, aquilo que foi citado pelo Sr. Deputado sobre a minha intervenção, que está nas actas. Há um avanço, se quiser porque há uma consideração mais real da necessidade desta prestação, em termos de qualidade, e da adequação do contributo do Estado há a satisfação da mesma necessidade e das suas mais possibilidades. No fundo, é a adequação duma actuação do Estado que não tenha, ela própria, que marginalizar a Constituição.
Mas há ainda outro aspecto fundamental. É a própria Constituição que ganha, porque é ela que se resguarda de sonhos que não são realizados e que acabam por ser pacificamente aceites na prática quando o Estado foge a esses sonhos e essas inconstitucionalidades acabam por ser sentimental e juridicamente admitidas.
Em nome duma linguagem mais real e em nome da crença no Estado social de direito como património adquirido que a nossa Constituição já consagra, é sem receio que o Partido Social-Democrata vai trocar a expressão «gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde» pela expressão «tendencialmente gratuito».
É óbvio que não vou repetir aqui alguns argumentos que já foram aduzidos, o próprio artigo 64.º tem o cuidado, no n.º 3, alínea c), de se referir à socialização dos custos. Diria, assim, que todas as cautelas estão salvaguardadas, em nome do necessário tratamento proporcional em função da situação económica dos beneficiados, mas também em nome duma linguagem real e em nome do ideal do próprio Estado social contido nos quadros constitucionalmente estritos.

Aplausos do Sr. Deputado Vieira Mesquita (PSD).

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, creio que a prelecção que a Sr.ª Deputada acaba de fazer sobre o Estado social de direito e sobre a natureza jurídica do direito à saúde tal qual está hoje consagrado, confortará pouco face à conclusão que ao fim desse longo excurso acabou por produzir. A questão é esta: todos nós somos capazes de compreender a diferença entre duas coisas - o texto constitucional originário, tal qual está vigente e o texto para que VV. Ex.ªs apontam.
No texto constitucional em vigor é inequívoco que a gratuitidade do SNS é, expressamente, uma garantia constitucional do direito à protecção da saúde, não se limitando a Constituição a reconhecer vagamente um direito à saúde. Reconhece-o de verdade e acopla a esse direito uma garantia directa e específica que exige a gratuitidade das prestações públicas de saúde. Ora, o aplicador da Constituição não pode subverter esse juízo.
V. Ex.ª pretendeu visivelmente mitigar essa garantia acoplada ao direito à protecção da saúde, reinterpretou-a para mitigá-la, diminuí-la mas não sabemos em que grau. Isso depende, em muito, como se sabe, do aplicador PSD, que por definição diz o que V. Ex.ª diz, mas também diz o contrário daquilo que V. Ex.ª diz, se for necessário, e pratica ainda pior se entender, podendo até ter muitas práticas.
O que perturba mais no discurso de V. Ex.ª é a tentativa, puramente semântica, de artifício verbal, de sustentar que a mudança não é mudança e que o recuo é avanço. O artifício só se consegue suprimir pondo V. Ex.ª a responder a perguntas concretas, que é aquilo a que V. Ex.ª foge. Pergunto-lhe, por isso, quais são as implicações directas desta alteração constitucional em matéria de possibilidade para o legislador ordinário de estabelecimento de taxas moderadoras, outras taxas pela prestação de serviços, por prestação de serviços em urgências, em internamentos, em meios complementares de diagnóstico? Qual é a margem de acréscimo que a partir daqui é alcançada? Toda? Alguma? Nenhuma? É a isto que V. Ex.ª tem que responder, é a isto que é útil que responda. De contrário, dá-nos um poema e nesse caso passamos todos para a biblioteca, sentamo-nos e ouvimos, encantados, V. Ex.ª dizer um poema «batem taxas leve, levemente», mas não perdemos tempo numa discussão jurídica.
Segundo aspecto: V. Ex.ª diz que assim a Constituição se resguarda do sonho, do choque do confronto com a realidade, etc. Mas, Sr.ª Deputada, o risco é o contrário! O risco é que os cidadãos se confrontem, eles próprios, com novas barreiras ao acesso à saúde. Já não bastam as barreiras resultantes da ignorância sobre os direitos, das distâncias de carácter físico, geográfico, da má implantação, da má organização e da má estruturação dos próprios serviços de saúde, das medidas contra os médicos, das carências em relação aos medicamentos - já não basta tudo isso e ainda se pretende, ao que parece instaurar novas barreiras, que seriam, obviamente, outros tantos instrumentos dificultadores da igualdade de oportunidades de acesso à saúde, num país em que a desigualdade de oportunidades no acesso à saúde abunda e é um chocante facto!
Multiplicam-se as desigualdades em tudo, na instalação dos equipamentos, no tratamento dos doentes e até na forma de atendimento e eu pergunto a V. Ex.ª como é que é possível dizer, a não ser por litania, por poesia e por uma curta irresponsabilidade, que isto é um avanço?! A não ser que diga, muito solipsisticamente, que há um avanço porque há um recuo e que o recuo, para o PSD, é um avanço e, portanto, deve ser um avanço para os cidadãos.
Tal forma de argumentação, desde logo, Sr.ª Deputada Assunção Esteves, não é própria de juristas. Tenho a esperança de que V. Ex.ª responda jurídica e especificamente a estas questões, até porque, como sabe, acabou de ser aprovado o Acórdão n.º 330/89 do Tribunal Constitucional, precisamente sobre esta matéria. Suponho que V. Ex.ª não estará fazendo este debate na ignorância deste facto.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, apesar do modo como considera a minha intervenção, mantenho todas as afirmações que aqui produzi e queria responder-lhe muito brevemente.
Sobre a primeira questão concreta devo dizer que há, de facto, com a nova redacção, a constitucionalização das taxas moderadoras...

O Sr. José Magalhães (PCP): - De todas as taxas?