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11 DE MAIO DE 1989 3723

O Orador: - Se nos entendermos sobre isto, entendemos o que quer dizer tendencialmente.
Não tenho necessidade de discutir com ninguém o significado do advérbio tendencialmente e penso que cinco, seis, sete, oito milhões de portugueses, não têm necessidade de nenhum dicionarista para saberem o que quer dizer tendencialmente pago.
Todos o sabemos e o Sr. Deputado José Magalhães também o sabia, porque disse na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional o seguinte: «- O terceiro aspecto respeita à questão da gratuitidade. Sabemos que ela é tendencial, uma vez que em alguns cuidados primários, há uma posição contributiva do cidadão...». Então, o Sr. Deputado José Magalhães sabia. Também sabia que a Constituição não estava de acordo com a prática e com a realidade e que o que se fez nesta alteração foi, no fundo, adequar a Constituição à realidade, torná-la verdadeira e não adulterá-la nem torná-la qualquer coisa de esotérico que precisa de dicionaristas para sabermos o que quer dizer.
Para nós, a situação está muito clara: o Serviço Nacional de Saúde continua a ser um Serviço Nacional de Saúde; continua a ser universal, no sentido de que todos os cuidados de saúde, de prevenção, de cura e de reabilitação, estão nele incluídos; continua a ser geral, no sentido de que todos os utentes, sem discriminação, podem servir-se dele. Significa, pois, que deixou de ser aquilo que não era, ou seja, gratuito e passa a ser aquilo que era tendencialmente gratuito.
Já se explicou que o nosso entendimento é que aquilo que é gratuito não anda para trás; aquilo que ainda não é gratuito, tenderá a sê-lo. É a nossa interpretação, dissemos isto claramente, repetimo-lo uma vez mais.
Não podemos aceitar a acusação de que envolvemos tudo isto num nevoeiro, que só o dicionarista Morais é que nos pode clarificar, soprando o nevoeiro e dizendo-nos o que quer dizer o advérbio tendencialmente. Assim não aceitamos discutir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não é para um pedido de esclarecimento, é para um protesto.
Sr. Presidente, há muitas maneiras de discutir esta matéria. Ninguém é propriamente o árbitro absoluto ou pode usar funções de Catão do nível da discussão. O Sr. Deputado Almeida Santos está muito incomodado. Desejaria, quiçá, que a discussão passasse despercebida, mas não passou nem vai passar! Não nos afecta minimamente, o tom censório que usou contra nós pois somos inteiramente imunes às advertências quanto ao tamanho da liga, da peúga e da oratória... Isso não nos impressiona, pura e simplesmente!
O que é preciso é aclarar. A intervenção do Sr. Deputado foi a prova de que a minha intervenção não foi tendencialmente gratuita. Foi, talvez, tendencialmente útil porque propiciou que V. Ex.ª interviesse, embora com ar incomodadíssimo, enfadadíssimo, como se, no fundo, não tivéssemos todos que estar aqui, precisamente, a dar a cara, a discutir, a propor e a defender aquilo que bem ou mal sustentamos. A intervenção do Sr. Deputado,
nem por enfadada, deixa de estar cheia de buracos. Por acréscimo esses buracos - outra expressão que suponho que V. Ex.ª achará também imprópria, para esta hora da tarde - são apontados por muitos sectores...

O Sr. António Vitorino (PS): - É ofensivo!

O Orador: - Aqueles na Pastoral sobre a saúde criticam o recuo da norma da Constituição serão umas criaturas que estão distraídas?! Têm a Pastoral toda menos a «Pastoral» da bancada do PS e, portanto, não perceberam coisa nenhuma de coisa alguma ou a norma é, de facto, infelizmente, ambígua?!
Protesto Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, porque ninguém tem o direito de ser tendencialmente irresponsável na definição exacta daquilo que aprova e daquilo que propõe.
Nós sabemos de certeza certa que, até hoje, foi polémica a questão de saber se as taxas moderadoras eram constitucionais ou inconstitucionais. Foi polémica!
Havia quem sustentasse que todas eram, havia quem sustentasse que algumas seriam, haviam, até, quem sustentasse que algumas poderiam não ser. O Tribunal Constitucional pronunciou-se, primeiro, por razões formais sobre a matéria, mas acabou por se pronunciar, recentemente, sobre a questão material. E pronunciou--se materialmente, considerando que não são inconstitucionais certas taxas moderadoras hoje em vigor. É este o quadro actual.
Suponhamos que no ínterim é alterada a Constituição e que aí, onde a Constituição prevê «gratuito», passe a rezar «tendencialmente gratuito». Quais são as consequências disso? Que consequências em relação a outras medidas de oneração adicional, além das taxas moderadoras com o nível que hoje têm? Quais são as consequências exactas desta mudança para o acesso à saúde dos portugueses? É esta a questão!
A inovação de dicionaristas portugueses, alemães ou chineses, só serve, neste caso, para sublinhar como é tão importante que nos entendamos quanto ao que quer dizer esse novo conceito, («tendencialmente gratuito»), e que definamos, o mais rigorosamente possível, os seus contornos, sob pena, não de V. Ex.ª, com tom altaneiro, suave e claro dar a interpretação correcta e exacta, mas de um qualquer ministro «laranja» e uma qualquer ministra «laranja» virem impor por decreto, que não terá a assinatura de V. Ex.ª, medidas extremamente gravosas para a saúde dos portugueses. Nessa altura, o PS não poderá dizer: «Eu não sabia!»; nessa altura, o PS não será inocente, será pai, ao lado dessa mãe, desse filho que se arrisca a ser um aborto!

O Sr. António Vitorino (PS): - Disse, mas disse mal.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos: Não vou fazer a rábula de afirmar, tal como o Sr. Deputado há pouco, que também não pensava intervir neste debate. Faço-o pelo desprezo, um tanto olímpico, que revelou pelos dicionaristas e pelos especialistas de linguística, como se a ciência jurídica alguma vez pudesse prescindir deles.