O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4714 I SÉRIE - NÚMERO 95

Srs. Deputados, vamos passar ao primeiro ponto da ordem do dia, que é a apreciação das ratificações n.º- 72/V (Os Verdes, PRD e Independentes) e 73/V (PCP), relativas ao Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril, que altera o Decreto-Lei n.º 357/75, de 8 de Julho, relativo à protecção ao relevo natural, solo arável e revestimento vegetal.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A eucaliptação em Portugal avança silenciosa e implacável como um cancro!
As leis de desenvolvimento suicida substituem-se às leis e aos ritmos naturais, condição sine qua non da sobrevivência e do desenvolvimento seguro. A desertificação deixou de ser preocupação académica e tornou-se conquistadora impiedosa dos últimos baluartes da mata mediterrânica. Inúmeras comunidades humanas viram, impotentes, como o eucalipto assentava arraiais em torno dos seus povos e aldeias, alterando paisagens, impedindo modos de vida, destruindo fontes e culturas, condenando à emigração e à inactividade dos seus membros. Alguns povos reagiram com violência ao assalto não anunciado e os lobos uivaram de novo contra o colonialismo e o centralismo de uma administração central aliada e serviçal de um poder económico impessoal e devorador de valores e interesses não competitivos na escala economista.
Perante isto, o País acordou, a comunidade internacional revelou-se curiosa, o Presidente da República sensibilizou-se, a Assembleia debateu, o Governo decretou, a GNR bateu, o povo arrancou, os autarcas embargaram, os ecologistas insistiram e o eucalipto teimou, arranjou argumentos, perverteu consciências, prometeu o paraíso, criou raízes no Ministério da Agricultura, investigou nos laboratórios, utilizou fundos comunitários, congelou as estatísticas, equiparou-se ao petróleo, insinuou-se nas escolas e nos meios culturais, engendrou ecologistas pró-governamentais e promete agora ocupar dois milhões de hectares de terras, duplicando assim a área do seu reino absolutos.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A questão da floresta de produção, assente apenas nas leis de «um mercado tão acentuadamente cíclico como é o das pastas papeleiras» e alheia a quaisquer normas de ordenamento e salvaguarda de valores ambientais, sociais e económicos de longo prazo, passa por ser hoje a maior emergência ecológica com que se debate Portugal e a nossa geração. Nenhuma outra violência, das muitas que se praticam diariamente no nosso país contra o ambiente e a qualidade de vida, terá por certo consequências tão gravosas nos anos mais próximos, e nenhuma como a da eucaliptação rouba já hoje aos jovens e às gerações de portugueses que aí vêm, os recursos que lhes serão imprescindíveis à sobrevivência com independência, com equilíbrio e com dignidade.
Num momento em que toda a Comunidade se deverá empenhar num debate sério e responsável sobre a temática da utilização abusiva de espécies florestais de rápido crescimento e os efeitos que daí podem advir, entende o Governo português que o caminho é abrir as portas à voracidade sem limites daqueles que, no dizer do Dr. Mário Baptista, administrador da Portucel, «interna ou externamente procuram o lucro fácil ou desejam assegurar, pelo domínio das fontes de uma matéria-prima escassa e de óptima qualidade, os seus próprios - mas não necessariamente os nossos - interesses fundamentais numa perspectiva de médio e longo prazo». Estas são palavras do administrador da Portucel.
Não se trata de «um papão agitado por ecologistas ao serviço de interesses inconfessáveis», ou de «angústias existenciais dos ambientalistas urbanos», ou do «fomento da subversão contra a ordem e a lei, ou de mera provocação às forças de segurança», ou ainda de «um falso problema, apenas existente nas cabeças de uns pobres ignorantes sem qualquer preparação técnica ou científica». A questão é grave, é complexa, é determinante, é urgente e reveste carácter nacional. Mas posto perante a urgência da definição de regras claras, o Governo responde com evasivas, alimenta falsos debates com falsos ecologistas, vicia as regras do jogo, fecha os olhos à «batota», enfraquece os normativos legais, estimula e premeia o «assalto» aos terrenos agrícolas, ignora os incendiários, confunde interesses pessoais com interesse nacional e cobre tudo isto com o discurso da responsabilidade, da eficácia, da preservação dos recursos e chega mesmo ao desplante de anunciar que não vai permitir mais abusos por parte das empresas de celulose - seria caricato se não fosse tão trágico!
O Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril, que revoga o Decreto n.º 357/75, e cuja apreciação promovemos hoje na Assembleia da República, é apenas uma peça da maquiavélica engrenagem legislativa que o Governo vem arquitectando sobre o problema da eucaliptação.
Todas as peças legislativas ultimamente produzidas pelo Governo neste particular têm características comuns: começam por considerar e admitir sintomas evidentes e preocupantes de sobrexploração florestal, a existência de práticas incorrectas desde a instalação até ao abate de árvores, a necessidade de proteger o relevo natural, o revestimento vegetal, as espécies autóctones e a fauna, garantem, por outro lado, a debilidade da legislação anterior face à agressividade dos agentes em presença, etc - e como devem calcular, Srs. Deputados, tenho estado a fazer citações de diversos preâmbulos de vários decretos-lei. Passam depois ao desenvolvimento normativo e no artigo 1.º é ainda possível encontrar as intenções manifestadas no preâmbulo. A partir do artigo 2.º abrem-se tantas e tamanhas excepções que se inverte totalmente a orientação normativa antes indiciada. Veja-se, a título de exemplo, o Decreto-Lei n.º 172/88, de 16 de Maio, que visa, segundo o preâmbulo, «proteger eficazmente» o sobreiro.
No artigo 1.º proíbe-se: «O corte ou arranque de sobreiros, em criação ou adultos, que não se encontrem secos, doentes, decrépitos ou dominados.» A partir do artigo 2.º começam as excepções com a brilhante redacção que passo a citar: «Os coités rasos em montados de sobre só podem efectuar-se quando visem a posterior ocupação do solo com obras imprescindíveis de utilidade ou a conversão de cultura de comprovada vantagem para a economia nacional (...).» Adivinhem os Srs. Deputados: qual é a cultura, qual é ela, que dá mais dinheiro do que o sobreiro?
Vergonhoso é o termo que me ocorre para qualificar a profunda hipocrisia deste decreto!
Mas voltemos ao decreto que hoje motiva o debate que agora realizamos. Visa, como sabemos, substituir