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3 DE NOVEMBRO DE 1989 281

O estatuto do Presidente da Republica no regime democrático é o oposto disto. Ora, não consagrar a autonomia financeira do Presidente da República significa, a contrario, que o Presidente da República está vulnerável, não à lei, não à vontade soberana do legislador - à qual tem de se submeter tal como à Constituição, pois não se encontra acima da lei-, mas ao despacho, à censura, à pequena trica burocrática, ao lápis azul daquele burocrata que se esquece de processar, ao conflito para o processamento da viagem, à decisão em suspenso, à negociação em concreto, à dúvida do assessor sobre o pagamento, à dúvida sobre a legitimidade da viagem, ao rateio do número de convidados, à discussão da possibilidade de abrir ou fechar a presidência!
É este o significado da não consagração da autonomia financeira e administrativa do órgão de soberania Presidente da República.
Portanto, a questão não é uma questão burocrática, a questão não é uma questão técnica, a questão é uma questão eminentemente política e eminentemente institucional. E o que aqui apurarmos sobre esta matéria, repito, tem de ser feito independentemente daquilo que seja o conjuntural pensamento do titular do cargo. Mas tem -nesse ponto também estamos de acordo- de fundar-se em princípios, apesar de, quanto a estes, o PSD criar aquilo que eu julgo ser uma enorme mistificação jurídico-doutrinário-financeira e, sobretudo, uma mistificação política.
O que é que podemos opor à autonomia financeira do órgão de soberania Presidente da República?
Diz o Sr. Deputado Carlos Encarnação, repetindo o Sr. Deputado Carlos Encarnação, que, por sua vez, repetia o Sr. Deputado Rui Macheie, que há um princípio sacrossanto, inscrito quiçá nas estrelas e no direito natural, que afirma que um órgão que não tenha receitas próprias e orçamento próprio não pode ter autonomia financeira, averbando para esta tese a assinatura e o nome honrado do Prof. Teixeira Ribeiro.
Eis um axioma com pai. E o pai que lhe atribuem não é, por uma vez, o Prof. Cavaco Silva, mas o Prof. Teixeira Ribeiro.
Ora, eu digo que o princípio está mal invocado. Vão VV. Ex.as arranjar outro pai; não invoquem esse pai à força ou não façam filho dele essa tese monstruosa, porque a tese é monstruosa! Não há nenhuma regra, mas nenhuma regra, no direito financeiro português -se existisse, devia ser abolida - que imponha que os órgãos de soberania não tenham autonomia financeira.
Na verdade, há uma diferença visceral entre um órgão de soberania e um instituto público, um serviço simples, uma empresa pública, uma sociedade de capitais públicos, uma qualquer repartição.
Dizia aqui, e não posso deixar de o repetir, que o Sr. Deputado Carlos Encarnação, em particular, parece não compreender esta diferença elementar que há entre o Presidente da República e a "direcção-geral dos bacalhaus"!

Risos.

Não lhe penetra na mente que há uma diferença real, sensível, aguda, entre uma estrutura e outra!
Eu sei que o Governo apresentou uma proposta de lei, com o n.º 114/V, denominada "Bases Gerais da Reforma da Contabilidade Pública". Nessa proposta o Governo diz uma coisa perfeitamente verdadeira - por excepção, mas diz:...

Risos.

... é que hoje em dia os serviços simples ou dependentes representam apenas cerca de 23 % do total dos serviços públicos, pois o resto tem autonomia. E esta situação, que foi sendo criada ao longo dos anos, esta situação que é filha da tal e tão citada velha reforma de 1928, de 1930 e de sucessivos anos, esta situação não pode continuar e a Assembleia da República deve debruçar-se sobre essa matéria. Supor-se-ia até que já o tivesse feito -o mês de Outubro era até um mês bom para isso - antes de o Orçamento entrar nesta Assembleia, mas não o fez por exclusiva responsabilidade do PSD. No entanto, tal facto não deve ser invocado para atrasar a adopção de medidas nesta matéria e, designadamente, não devia ter impedido que na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias esta questão fosse considerada, mas não o foi. Devo dizer que não o foi, seguramente, não por responsabilidade do Partido Comunista Português.
Ocorre também que o Governo até queira antecipar esta reforma e proclamar este princípio, inserindo no Orçamento do Estado para o ano de 1990, em pleno contrabando legislativo, uma normazinha no artigo 2.ª do capítulo n da dita cuja proposta de lei, em que se estabelecem regras para este ano sobre a atribuição da autonomia administrativa e financeira. Mas tal processo não deve ter nada a haver com a reflexão política sobre autonomia administrativa e financeira dos órgãos de soberania.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Claro!

O Orador: - Isto não nos deve condicionar em absolutamente nada, pois aquele axioma que o Sr. Deputado Carlos Encarnação aqui invocou não é axioma algum, pela razão simples que só existe em alguma mente que não tenha em conta o que são características próprias dos órgãos de soberania, o que não é seguramente o caso do Prof. Teixeira Ribeiro, aqui abusivamente invocado em espírito.
Isto quanto ao argumento técnico do Sr. Deputado Carlos Encarnação, pois este não vale nada do ponto de vista técnico. Se houvesse alguma regra que dissesse o que o Sr. Deputado afirmou, a única solução a tomar era alterá-la, porque a consequência política de uma regra desse tipo é inadmissível. Ou não é?...
Aqui entramos no campo da reflexão política, porque o Sr. Deputado Carlos Encarnação -segunda diferença- não disse aqui o que me disse em Julho a propósito do segundo argumento obstativo do PSD neste domínio.
O segundo argumento obstativo do PSD é o de que reinam as melhores relações entre o Sr. Presidente da República e o PSD e, portanto, este não vê pressa alguma - disse-o em Julho, mas não o repetiu agora- em aprovar uma norma ou um regime sobre este exacto tema.
Não fiquei muito contente em ouvir o argumento, porque este é um pouco descabido. É que a lei a emanar não há-de ter, repito, nada a ver com o concreto relacionamento entre um órgão de soberania e os titulares de um outro órgão de soberania. São VV. Ex.as neste momento 148 - é natural que sofram dieta nas próximas eleições -, mas isso não pode impedir-nos de agora aprovar um regime jurídico.
Há em nosso entender três questões muito diferentes a resolver.
Em primeiro lugar, existe esta questão crucial sobre a qual ou não nos entendemos ou nos entendemos.