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29 DE NOVEMBRO DE 1989 669

O Orador: - Sr. Deputado Nuno Delerue, o Governo, segundo diz, tem concluída uma proposta de lei de abertura da televisão à iniciativa privada, mas já ouço esta promessa de que o Governo tem pronta essa proposta há meses suficientes para que ela pudesse estar na Mesa desta Assembleia e sujeita à discussão de todos nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 20 anos, em 11 de Dezembro de 1969, Sá Carneiro tomou pela primeira vez a palavra neste hemiciclo.
Trata-se de um importantíssimo acontecimento da história política do nosso país, que merece ser devidamente celebrado por esta Assembleia e que, ao mesmo tempo, nos deve impor um momento de profunda e frontal reflexão.
A voz livre e corajosa de Sá Carneiro neste hemiciclo, integrado no grupo da Ala Liberal e sem menosprezo para nenhum dos seus membros, constituiu uma prometedora revelação para todo o País e o renascimento da esperança.
A ditadura fundara-se sobre a recusa da liberdade política como sistema adequado para governar os Portugueses. Essa foi a pedra angular do seu pensamento doutrinário.
Tal doutrina constituía, ela própria, o mais chocante aviltamento da cidadania e das capacidades cívicas dos Portugueses e da própria Nação. E na base desse princípio original aviltante ergueu-se o Estado totalitário, que prendeu e perseguiu e que, mais do que isso, condenou Portugal ao impasse, ao subdesenvolvimento, aos afrontosos contrastes sociais, a grandes fortunas e a altas funções e cargos - na base do proteccionismo, que não as mais das vezes do mérito -, à guerra e, finalmente, à gravíssima crise nacional de 1974-1975, com a ruinosa descolonização e a queda do poder nas mãos das forças comunistas e seus aliados, colocando o País à beira de uma nova ditadura.
É preciso, porém, não esquecer que a ditadura salazarista foi a resposta ao descalabro da república democrática, à sua incapacidade de resolver os problemas nacionais, de produzir um sistema de governação estável, de controlar e bem gerir as finanças do Estado, de proteger as classes mais desfavorecidas da voracidade da ganância lucrativa e da especulação, condenando-as à miséria, e o País, no seu conjunto, à insegurança e ao pânico.
O aparecimento da Ala Liberal e de Sá Carneiro constituiu o renascimento de uma nova esperança para os Portugueses que não queriam a ditadura, nem a da direita, nem a da esquerda.
A hegemonia, no campo oposicionista, dos comunistas, directa ou indirectamente, e das correntes socialistas que, embora não sendo comunistas, igualmente tinham como ideário e programa político a instauração do socialismo como modelo de sociedade condenava os Portugueses e o País ao impasse. Já ninguém acreditava na ditadura salazarista para resolver os problemas da Nação, mas a maioria esmagadora dos Portugueses não tinha confiança nem se identificava com uma oposição predominantemente comunista ou suspeita de com os comunistas pactuar.
Por isso, ainda que já ninguém acreditasse no regime da ditadura, ele parecia ter a solidez suficiente para perdurar.
Foi esta situação de impasse e de paralisia política que o aparecimento da Ala Liberal e de Sá Carneiro veio alterar profundamente, dando expressão política mais consistente ao primeiro abalo profundo sofrido pelo regime com a candidatura à Presidência da República de Humberto Delgado - personalidade insuspeita de pactuar com os comunistas e, ao mesmo tempo, homem de coragem que reclamou frontalmente e sem tibiezas a exclusão do ditador e a mudança do regime.
O combate de Sá Carneiro foi, desde a primeira hora, um combate contra o Estado totalitário, contra qualquer ditadura, e em prol de um Estado de direito, da democracia.
Disso é bem expressão o tema da sua primeira intervenção neste hemiciclo: as garantias de defesa em processo criminal dos arguidos presos, protegendo-os dos abusos das autoridades instrutórias e, portanto, do próprio Estado.
Ao mesmo tempo, o seu pensamento desde cedo se afirmou como adepto de uma política reformista, social-democrática, gradualista, promotora do desenvolvimento e do progresso, subordinados aos valores da justiça e da solidariedade social e assente fundamentalmente na iniciativa privada dos homens e das empresas.
Para isso e por isso, Sá Carneiro sempre se bateu por uma maioria política que pudesse erguer uma nova república, uma nova democracia, que evitasse os erros do passado e se desse os meios de governação capazes de resolver os problemas nacionais, construindo um futuro de liberdade, de progresso e de justiça.
Nenhum destes objectivos seria possível pactuando com os comunistas ou com os seus aliados. Nem no que diz respeito ao Estado democrático, nem, e muito menos, no respeitante ao modelo de sociedade.
A doutrina comunista sempre negou o Estado de direito e a democracia, quer como ideal, quer como simples sistema de governo compatível com os seus objectivos revolucionários - negação do Estado de direito, porque não reconhece outros valores acima dos objectivos supremos do partido comunista, como mítica encarnação da missão histórica da classe operária; negação da democracia, porque sendo a luta política uma mera luta de classes, todas as forças que não sejam aliadas são inimigas e, portanto, obstáculos a eliminar e a abater. Do seu ponto de vista revolucionário, a democracia só tem interesse como liberdade de expressão e de luta, não como sistema aceitável de governo.
Mas o próprio socialismo, entendido como um modelo de sociedade global, total, assente na estatização, na planificação administrativa e na subordinação da iniciativa privada e individual, contém, em si mesmo, um gérmen antidemocrático, que desde sempre levou a insanáveis e desacreditamos contradições as correntes do socialismo democrático, sempre confundidas e paralisadas entre o apelo liberal da democracia e a lógica totalitária do socialismo, sempre confundidas e hesitantes entre o combate ao Partido Comunista e a pactuação com ele mesmo.
Hoje, 20 anos depois da primeira intervenção de Sá Carneiro neste hemiciclo, que foi o arranque simbólico de um combate que desbloqueou o impasse político português e abriu o caminho à democracia, hoje, que felizmente o povo português conseguiu, através do seu voto livre e lúcido, dotar a própria democracia dos meios