29 DE NOVEMBRO DE 1989 671
mento das funções de treino operacional, manutenção e sustenção, que fazem do orçamento de defesa nacional o orçamento de subsistência, tal como é referido no relatório da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional.
Vale a pena fazer uma ponderada reflexão sobre as causas e consequências destas situações. Há um ponto comum nelas: a política de defesa nacional e as forças armadas são deixadas à deriva. E pergunta-se: Propositadamente? Há como que uma deliberada intenção de prolongar estados de apodrecimento, de indefinição.
Alimentar a frustração para mais facilmente impor soluções estatuárias indesejadas ou manter a falta de perspectivas e até a inactividade, para mais facilmente impor modelos organizativos inadequados - é isto que da banda do Governo se pretende?
Mas esse estado de indefinição, que eventualmente pode corresponder tão somente a um modelo táctico de quebrar resistências, acaba por se repercutir, profundamente, em todo o tecido do sector.
Sem perspectivas de actuação, manietados pelo controlo do Ministério das Finanças, os responsáveis governamentais do sector deixaram chegar a situação a níveis inimagináveis de degradação. Já não agem, reagem.
Foi o que se passou, aliás, com o Estatuto da Condição Militar, que resultou mais da pressão e movimentação dos interessados - e, em particular, dos sargentos - do que da iniciativa governamental.
Mas agora, na execução do Estatuto da Condição Militar e das mudanças que ele deveria ocasionar, o Governo foi totalmente incapaz de vencer o fosso que, por sua responsabilidade, o distancia dos militares das forças armadas. Sem diálogo suficiente e significativo, sem o envolvimento e a participação dos interessados, o Estatuto do Militar das Forças Armadas, na versão anunciada, frustra expectativas e suscita, naturalmente, contestação e oposição. Em vez de se tomar factor de coesão, é base de insatisfação e injustiça. Recua em relação ao Estatuto da Condição Militar aprovado nesta Assembleia, põe em causa direitos adquiridos. É particularmente contestado quanto ao regime de alargamento do tempo mínimo de passagem à reserva e na antecipação da idade de reforma, como muito contestada é também a proposta de vencimentos que, sob a capa de alargamento do leque, congela a situação remuneratória dos escalões menos elevados.
O debate com os interessados não existiu e, sejamos claros, hoje, o diálogo, o debate, a participação, são imprescindíveis para encontrar solução para os problemas e têm de concretizar-se, designadamente - sejamos, aqui, também claros - através de adequadas formas de representação e associação que fomentem o empenhamento e a coesão, mas que permitam dar adequada expressão as opiniões, aspirações e interesses.
Ainda estamos a tempo! Mas, para isso, alguma coisa tem de mudar, de imediato, na atitude do Governo e do partido que o apoia para com as questões da defesa nacional e das forças armadas. O PSD porta-se, por vezes, como um partido radical que, para efeitos de propaganda, contrapusesse manteiga e canhões. Esse tempo passou! As questões da defesa nacional e das forças armadas exigem outra postura, que reflita, solidamente, os interesses nacionais.
O PSD não pode assumir, como faz há mais de 6 anos consecutivos, as responsabilidades governativas na área da defesa nacional e, simultaneamente, ser agente de operações que as têm por alvo, como sucedeu com a oferta de
lugares nas suas listas partidárias candidatas as autarquias a oficiais da Força Aérea que pretendem antecipar a idade de passagem à reserva, com as consequências conhecidas para a operacionalidade da Força Aérea.
O que se passa com a Lei da Programação Militar é outro sintoma do desnorteamento que o Governo criou ao sector da defesa nacional. A programação prevista na lei de 1987 está, em aspectos determinantes, completamente furada, de tal forma que é já o próprio Ministério da Defesa Nacional que, embora o quinquénio de aplicação da lei seja o de 1987 a 1991, embora faltem, assim, dois anos para se completar esse quinquénio, quer já deitar a lei fora e fazer uma inteiramente nova.
O vício principal dessa Lei de Programação Militar é o da dependência excessiva de financiamentos externos, financiamentos prometidos mas muitas vexes não cumpridos (calcula-se que o défice de incumprimento, por parte dos Estados Unidos, é de um quarto de bilião de dólares), financiamentos que as mais das vezes se traduzem não em dinheiro mas em equipamento imposto, algum de sucata, é sabido, outro que serve objectivos estranhos a interesses nacionais, financiamentos que, por vezes, envolvem manobras pouco claras de lobbies capazes até de indecorosos espectáculos públicos, como aquele a que hoje se assiste por causa dos helicópteros para as fragatas.
Haja a coragem de reconhecer que o nível de insatisfação e de desmotivação dos militares das forças armadas tem de subir, na medida em que as forças armadas sejam forçadas a operar com material obsoleto ou que pouco tenha a ver com as reais necessidades do País. Haja a coragem de enfrentar uma situação como, por exemplo, a da Força Aérea, uma Força Aérea que caminha para ter todas as suas esquadras afectas a missões NATO, algumas com níveis bem elevados de dependência.
Este findar de década apresenta-se, assim, com cores muito pouco favoráveis para o sector da defesa nacional. Mas urge mudar, abrir o debate nacional e o debate no seio da instituição que a grandeza dos problemas reclama.
É preciso que as instituições definam, com clareza, o papel das forças armadas no novo quadro, é preciso que saibam dialogar.
Impor uma macroestrutura, como parece que se pretende que venha a ser o Ministério da Defesa Nacional (com um quadro de pessoal de mais de SOO pessoas, tal como resulta de um decreto regulamentar que acabou de ser publicado no mês passado), impor essa macroestrutura de controlo e direcção sem delimitar o espaço próprio das forças armadas, não é contribuir para esse diálogo necessário, pelo contrário.
O mesmo se diga das questões relativas ao serviço militar obrigatório, onde a garantida participação dos interessados, o reconhecimento do papel dos jovens em comissões ou outras formas de intervenção, é determinante para a dignificação e para a criação de condições que contribuam para a defesa do Serviço Militar Obrigatório e para a melhoria das condições da sua prestação.
O mesmo se diga da legislação estatutária em curso de apreciação, esta que referi, o Estatuto do Militar das Forças Armadas, e da muita legislação em relação à qual falta até mesmo iniciar o processo, como sucede com a revisão do Código de Justiça Militar e com o Regulamento de Disciplina Militar, legislação que, com muita outra, devia estar feita há seis anos, tal como determinava a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.