O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

29 DE NOVEMBRO DE 1989 685

Ora, essa regra pode ser contornada, quer por iniciativa da Assembleia da República, se assim dispuser por lei, quer por iniciativa do Governo, se assim se dispuser por decreto-lei. A iniciativa é concorrencial e caberá a um órgão de soberania ou a outro dispensar da regra dos dois terços do autofinanciamento para fins de classificar um serviço com autonomia administrativa e financeira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A reforma da contabilidade pública é dos diplomas que eventualmente menos impacte público terá na opinião pública e, no entanto, é um dos que mais importância e mais consequências tem para a boa gestão e o controlo adequado das contas públicas.
Com efeito, é através desta lei que é possível assegurar um controlo eficaz sobre a forma como são gastas as receitas que o Estado obtém e que resultam, é bom não esquecer, dos impostos que nós todos pagamos, bem como dos empréstimos que o Estado contrai, verbas que por exemplo para 1990 se prevêem que ultrapassem os 3 300 milhões de contos.
Esta reforma que hoje estamos a discutir, permite. Sr. Presidente e Srs. Deputados, compreender melhor, por que a discussão do Orçamento do Estado parece um assunto desinteressante e tão afastado do quotidiano dos cidadãos.
Uma das razões importantes é que este é um orçamento em que 77 % das despesas inscritas são transferencias e onde, consequentemente, apenas 23 % são objecto de especificação orçamental.
Por isso, como nos diz o Governo «o Orçamento do Estado é, cada vez mais, um orçamento de transferências».
Esta situação, até à recente revisão constitucional, era ainda agravada pela completa desorçamentação das receitas e despesas dos vários serviços autónomos que não vinham ao Orçamento do Estado. Em 1990 o Orçamento já incluirá estes valores, mas apenas de forma global.
Como consequência, o controlo orçamental existente é muito deficiente, quando não é mesmo falta de controlo.
É muito deficiente quanto às despesas dos chamados serviços simples, pois trata-se de um controlo burocratizado e formalista, analisando-se apenas a sua legalidade e regularidade financeira, o que não permite fornecer aos responsáveis pelas decisões político-financeiras meios de apreciação da racionalidade económica, eficiência e eficácia.
Também o controlo das despesas dos serviços com autonomia é muito deficiente, já porque só existe um controlo final da legalidade e regularidade financeira das despesas incluídas nas contas de gerência que são julgadas pelo Tribunal de Contas, já porque este julgamento não é sistemático nem completo.
Finalmente, é mesmo falta de controlo, não apenas quanto às contas de gerência que não são julgadas, mas também quanto às vultosas transferências do Orçamento do Estado para os outros sectores. E neste caso de completa falta de controlo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos a falar insisto em 77 % das verbas do Orçamento do Estado. Pode dizer-se que o Governo e a Assembleia da República controlam tostões, mas lhe escapam milhões.
Por todas estas razões, que têm por base a evolução verificada ao longo dos anos na Administração Pública, com uma legislação da contabilidade pública que data de 1928 e 1930, esta reforma que hoje estamos a analisar não poderá deixar de ser bem-vinda.
Congratulo-me, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por estarmos hoje aqui a discutir esta proposta do Governo sobre as bases gerais da reforma da contabilidade pública.
No entanto, esta parece-me bastante incompleta, em face quer quanto aos novos princípios constitucionais e ao papel que à Assembleia da República cabe nesta matéria quer quanto aos próprios princípios definidos pelo Governo no relatório que a acompanha e que, pelas suas implicações, sintetizarei em seguida.
O Governo, após a aprovação desta proposta de lei, propõe-se apresentar a sua reforma, cuja estrutura seria dividida em quatro partes: a primeira parte trataria da definição e âmbito da contabilidade pública; a segunda parte trataria do Orçamento, incluindo as principais regras orçamentais, a nova estrutura do Orçamento, a elaboração e a execução orçamental, as alterações ao orçamento, etc., tudo competências da Assembleia da República; a terceira parte diria respeito às contas públicas, também matéria da competência da Assembleia; a quarta pane trataria das relações orçamentais com as comunidades europeias.
Para além deste diploma, o Governo entende ainda necessário rever a Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado (Lei nº 40/83), referindo mesmo os artigos que pretende ver alterados, bem como o estatuto dos dirigentes da Administração Pública, o que atribuirá responsabilidade aos titulares dos órgãos e agentes administrativos por infracções de natureza financeira, incluindo a alteração do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes do Estado.
Ora, a maioria destes diplomas é, na minha perspectiva, matéria reservada da competência da Assembleia da República e os princípios genéricos constantes desta proposta de lei não se coadunam com os princípios constitucionais a que deverão obedecer as autorizações legislativas.
Com efeito, a alínea p) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição determina que o regime geral de elaboração e organização do Orçamento do Estado e, consequentemente, das contas públicas é matéria reservada da Assembleia da República.
Também as alíneas u) e v) do mesmo artigo, que dizem respeito à responsabilidade civil da Administração e às bases do regime no âmbito da função pública, são matéria reservada da Assembleia da República, o que pressupõe que o Governo terá de apresentar sobre esta matéria ou propostas de lei ou pedidos de autorização legislativa. Ou seja, o governo não poderá regulamentar esta matéria por meros decretos-leis.
Convém ainda referir que algumas das matérias incluídas na proposta de lei não se coadunam com os novos princípios constitucionais, o que significa que deverão em sede de especialidade ser revistos.
Refira-se ainda que nada se diz sobre o regime de contabilidade pública a aplicar nas regiões autónomas, bem como a adaptação dos princípios definidos à administração local.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entre as matérias agora apresentadas na proposta de lei em apreciação merecem relevo especial a decisão de que a regra geral passará a ser a da autonomia administrativa. Só quem nunca foi director-geral ou membro