O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

12 DE JANEIRO DE 1990 1085

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Compartilhamos ainda a visão, decorrente do projecto de lei do PS, de que a lei a aprovar sobre o exercício da actividade de radiotelevisão não se deve limitar a regular a abertura à iniciativa privada, mas deve equacionar de forma globalizante os problemas da televisão e do áudio-visual em geral, que, longe de se limitarem a aspectos meramente mercantilistas, dizem, cada vez mais, respeito à própria identidade cultural de cada povo.
Há aspectos no projecto de lei do Partido Socialista que consideramos positivos. Salientamos, designadamente: a manutenção de dois canais de televisão afectos à Radiotelevisão Portuguesa; o estabelecimento de um caderno de encargos razoável para efeitos de concurso público de licenciamento; o estabelecimento de condições objectivas de preferência; a regulamentação dos direitos de resposta, de réplica política e de tempo de antena; a adopção de um modelo de gestão participado para o serviço público; a limitação de participação de capital estrangeiro e a previsão de algumas medidas anti-concentracionistas.
Consideramos, porém, que o projecto do PS contém algumas ambiguidades em aspectos que, pela sua importância, não podem, no momento em que nos encontramos, deixar de ser cabalmente clarificados. Importa que sejam melhor explicados aspectos importantes, como, nomeadamente, a definição clara de quotas de produção própria e original, com garantia de emissão e de medidas de apoio à criação nacional, o destino a dar aos arquivos da RTP ou o processo de renovação das licenças atribuídas.
E é absolutamente indispensável esclarecer aspectos fulcrais para o enquadramento da actividade televisiva em Portugal, sobre os quais o projecto do PS assume posições pouco explícitas.
O esclarecimento de quem suportará os investimentos vultosos a nível das infra-estruturas indispensáveis ao futuro exercício da actividade de radiotelevisão por operadores privados e o esclarecimento sobre o papel que está reservado para o serviço público de televisão, no quadro da abertura à iniciativa privada, são aspectos fundamentais em relação aos quais não pode haver ambiguidades ou equívocos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É hoje uma evidência que o País não se identifica com a televisão portuguesa que temos. As razões são perfeitamente compreensíveis. Também a RTP, submetida a uma gestão defeituosa e a uma situação persistente de manipulação informativa, não se identifica com o País que somos.
Compreendemos, de igual modo, a aspiração hoje existente na sociedade portuguesa de uma maior diversidade de opções em matéria de programação televisiva, que, independentemente das circunstâncias que condicionaram o seu aparecimento, corresponde, em aspectos essenciais, a um fenómeno social de crescente e contínua diversificação de interesses, gostos e necessidades.
Temos, porém, a consciência de que uma RTP sujeita a uma governamentalização informativa que representa um verdadeiro massacre dos telespectadores, com insuficiência e inadequação de planos e meios próprios de produção, com meios técnicos e redes de emissão em constante degradação, contribuiu, em larga medida, não obstante o esforço e abnegação dos seus trabalhadores, que deve ser salientado, para o descontentamento que se verifica em relação ao serviço público de televisão. E contribuiu também para uma mistificação corrente, que consiste em apresentar a situação actual da RTP como decorrendo inevitavelmente da sua natureza de serviço público.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - Esta mistificação não é inocente. Procura criar ilusões em relação ao carácter milagroso do aparecimento da televisão privada. Milagre que a prática de vários anos em vários países já desmentiu. A prática de vários anos em vários países já demonstrou que a televisão privada não opera milagre nenhum: conduz ao aumento da transmissão de programas enlatados de importação em detrimento da emissão de produção própria; reduz, em vez de alargar, a diversidade da programação; sacrifica a qualidade à rentabilidade.
No momento em que a Assembleia da República se propõe legislar sobre o exercício da actividade de radiotelevisão, é fundamental reflectir sobre experiências recentes, por forma a tentar evitar erros que noutros países são já unanimemente reconhecidos.
Não é hoje novidade para ninguém que a concorrência a nível da televisão não conduz necessariamente à diversidade de programação, mas tende, antes, para a padronização dos gostos pela mediocridade e das ideias pelo conservadorismo, e que a concorrência decorrente do aparecimento da televisão privada não conduz, regra geral, ao aumento da qualidade do serviço prestado, mas, bem pelo contrário, tende a sacrificar a qualidade em função da guerra de audiências e a preferir a rentabilidade dos programas enlatados aos custos da produção própria.
São de registar algumas preocupações patentes no projecto de lei do PS em relação a estes problemas. Importa, porém, ir mais longe em alguns aspectos. Importa garantir que no exercício da actividade de operadores privados de televisão não estejam ausentes critérios de qualidade na emissão e na própria produção. Importa definir com mais clareza as quotas de produção e a garantia da sua emissão e importa prever medidas de apoio à criação de originais, não substituindo a produção própria por simples traduções ou participações simbólicas em co-produções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O exercício da actividade de radiotelevisão comporta encargos financeiros vultosíssimos. Importa que este facto não seja escamoteado como forma de falsear os dados do problema que estamos a discutir. Quando, como agora, debatemos a atribuição de canais de televisão a operadores privados, não estamos a falar em democratização dessa actividade. Não estamos a falar verdadeiramente em liberalização, traduzida na possibilidade de os indivíduos em abstracto acederem à actividade televisiva. Pelos encargos financeiros que essa actividade comporta, aquilo de que estamos a falar é das condições concretas em que dois ou três grupos económicos poderão usufruir de um canal de televisão.