O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1088 I SÉRIE - NÚMERO 30

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, parece-me que não é, de forma nenhuma; inevitável a situação de manipulação de um - serviço público a que hoje se assiste e que, num regime democrático, através do enquadramento legal e da prática governativa, poderão e deverão ser encontrados mecanismos para que essa situação seja ultrapassada e pára que possamos ter um serviço público de televisão pluralista e aberto às mais diversas correntes de opinião, sobretudo a nível informativo, que, de facto; é o aspecto que, hoje em dia, se apresenta mais escandaloso?
Assim, queria dizer-lhe que não me parece que tal seja incompatível com a garantia de um bom serviço público que beneficie de um maior investimento e de mais modernização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo, a quem reiteramos novamente os nossos pedidos de desculpa.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do. Governo, Srs. Deputados: Escrevendo na Revue Parisienne, em Agosto de 1840, lamentou-se Balzac, com pena agreste: «a imprensa é, em França, um 4.s poder do Estado; ela ataca tudo e todos e ninguém a ataca; ela pretende que os políticos e os intelectuais lhe pertencem e não tolera a reciprocidade; os seus homens devem ser sagrados [...]»
Estaria Balzac, nesse dia, de mau humor e ter-se-á, por certo, excedido na caracterização feita. Mas, como comenta Jean Daniel, de onde recolho a citação: «tal desabafo tem o mérito de, pela primeira vez, ao que parece, prefigurar a existência do 4.º poder, constelado de virtualidades e de capacidades de influir e de formar uma opinião pública e, através desta, de determinar o sentido e os ritmos da sociedade e do Estado [...]»
Recorro ainda à experiência e à autoridade e, até, à imparcialidade parcial de Jean Daniel, transcrevendo-o: «Noutros textos penetrantes, demonstrou Balzac que, não obstante todos os textos legislados e todos os direitos a resposta, é ao jornalista que cabe a última palavra.»
Claro está que Balzac se reportava à imprensa ida sua época, em que o 4.º poder que configurava era um poder avulso, atomizado, não articulado em grandes grupos e liberto, quase por completo, de qualquer peia estabelecida pelo Estado. Desde então, e sobretudo nesta ponta final do século XX, os grandes grupos de comunicação social são, eles próprios, em casos que os dedos de uma mão não chegam para contar, um instrumento autonomizado de pressão, que tanto pode estar ao serviço desse decisivo, valor fundamental que é a liberdade de expressão e de informação como de interesses económicos ou políticos que, virtualmente, poderão nada ter a ver com o da criação de uma sociedade aberta, pluralista e justa.
A frase contundente de Balzac, mantendo um grão de: verdade e de pertinência, tem hoje quase que p significado de uma bondade. Os problemas de hoje, o curso da história, terão de mudar o discurso, e as preocupações envolvidas.
Mais razoável será evocar a frase de Chateaubriand quando encarava a liberdade de imprensa como «a electricidade social». É ela, realmente, com todos os seus possíveis desvios negativos e personalizáveis, o sistema que pode tornar transparente o que de outro modo seria opaco, conhecido o que se ela não existisse, não passaria de um sussurro.
Disso teve Camus uma bem nítida noção ao dizer, em jeito paradigmático: «Quando a imprensa é livre, isso pode ser bom ou mau, mas, seguramente, sem a liberdade, a imprensa terá necessariamente que ser má. Para a imprensa, como para o Homem, a liberdade não oferece mais do que uma oportunidade de ser melhor; a servidão será sempre a certeza de cada um ser melhor do que é e, portanto, de ultrapassar a própria servidão.»
Ao garantir, assim, a liberdade de imprensa, com todos os seus corolários e mecanismos de protecção; o n.º 1 do artigo 38.º da Constituição inscreve e outorga força essencial um dos esteios da democracia.
Não resta dúvida que essa liberdade tem de ser uma liberdade independente; não há liberdades, condicionadas; o que poderá visualizar-se será o abuso das liberdades ou a proliferação das arbitrariedades. E, evidentemente, terá de ser uma liberdade que não se sujeite ao poder político e. ao poder económico. É dos livros e da prática que assim deverá acontecer. A opinião pública em caso algum poderá ser manipulada; o poder da comunicação social será, nesta acepção, um verdadeiro 4.º poder. Isto embora - no dizer e sempre na boa esteira de Jean Daniel - não deixe de pensar que, caso a caso, a mais producente maneira de proteger os jornalistas contra a tentação de usarem esse poder abusivamente será a de manter um permanente debate sobre as suas responsabilidades, sobre a sua ética, sobre os fundamentais princípios e regras da sua própria actuação.
A independência face ao poder político terá de ser uma independência institucional, tanto quanto possível funcional, uma independência de articulação. Não esqueço o sublinhado esse, sim, actual de Michel Rocard: «os, constrangimentos dos mass media limitam o campo de reflexão dos homens públicos [...]».. Recordava Rocard, em Agosto de 1987, que, quando era ministro, se via compelido a consagrar 70 % do seu tempo às exigências da comunicação social. Isto está dito no Le Nouvel Observateur de 28 daquele mês e ano.
Mas se tudo isto se passa em geral com a imprensa, numa acepção que cubra todos os meios de comunicação social, é patente que se passará, por razões que nem carecem de ser fundamentadas, com a televisão. Tudo nela surge amplificado, desde a imagem aos destinatários das mensagens.
Nenhum meio, como ela, tem o condão de, mais célere e eficazmente, poder promover ou desestabilizar e de ser usada para o bem ou usada para o menos bem.
Entretanto, e em reverso, como expressão máxima do 4.8 poder, é nela que, em mais agudo e sensível grau, terá de ser salvaguardada a independência, a autonomia, e a inexistência, mesmo insidiosa, de qualquer autocensura.
Por assim ser, a solução encontrada na segunda revisão constitucional, de abrir a titularidade de empresas de televisão à iniciativa e actividade privadas, será, sem dúvida, a mais certa. Só o apego arcaizante a uma estatização que perdeu, de vez, o comboio da modernidade poderá fazer relutar na aceitação dessa opção.
Só que não se poderá conceber e regular um sistema aberto sem, no calendário das actuações legislativas, regular, previamente, a estrutura funcional e orgânica da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que, ao invés do que antes se passava com o Conselho de Comunicação