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1274 I SÉRIE - NÚMERO 37

blicados recorri, direi que, em termos jurídico-penais e também éticos, muitas perguntas se podem pôr, umas já hoje concretas, outras ainda no domínio da utopia ou da ficção.
Primeira questão: inseminação artificial e fertilização intratubária.
Bastará o consentimento da mulher, como parece estabelecer a nossa lei? E isto quer seja inseminação do marido, ainda que haja morrido, quer seja inseminação heteróloga? É necessário o consentimento do marido, no caso da mulher casada?
Nos países da CEE só a Suécia, em 1984, a Inglaterra, em 1985, e a Espanha, em 1988, previram legislativamente algumas destas situações.
Segunda questão: mães de substituição.
Devem ser permitidas? Quer a que contribui com o óvulo? Quer a que aluga o útero como se fosse apenas um berço? Quais as perturbações, mediatas e imediatas, que resultarão dessa permissão em conflitos humanos, psicológicos, emotivos e sociais? Terceira questão: fertilização in vitro, homóloga e heteróloga.
Deve ser sempre admissível? Ou apenas quando não é post mortem? E se for com esperma e óvulos frescos? Qual o destino e o estatuto dos embriões sobrantes? Poderão ser destruídos?
Quarta questão: investigação sobre embriões.
E legítimo criar embriões só para investigação? E é legítima a investigação de embriões? Ou só para prevenção e cura de doenças? É legítimo implantar embriões depois de investigados? O embrião é uma realidade humana que merece dignidade e protecção. Será detentor de personalidade, como se debate em teologia e filosofia?
Quinta questão: eugenia.

A quem deve ser consentida a sua prática? Serve mesmo para procriar seres humanos, género clonagem? Deve recusar-se a eugenia em nome da dignidade humana e da liberdade? Existe consenso a este respeito, como parece resultar da doutrina e das instâncias internacionais?
Todas estas são questões que precisam de uma reflexão de grande profundidade.
Alguns, entusiasmados com a ciência e com a vastidão das promessas que ela oferece, entendem que, às manipulações genéticas, não deve ser imposto qualquer limite; outros, como Jean Rostand, pensando ser indispensável a lucidez que impeça o sentimento de omnipotência que convida a criatura a brincar ao Criador, entendem que devem ser impostos limites.
É evidente que entusiasma a imensidão que o laboratório abre ao caminho do homem.
Isso foi evidente no debate que teve lugar nesta Câmara, em Outubro de 1989, e que aqui foi suficientemente lembrado, mas desperta inquietação - e a alguns até medo - ver o homem fazer experiências sobre si mesmo.
Não é a biologia, a biomedicina ou a biotecnologia que, em si mesmos, são condenáveis e a ciência nunca é boa nem nunca má. No fundo, estamos, apenas, perante uma questão cultural.
A intervenção ou utilização do homem na ciência é que interessa. O que é preciso é salvar, em todo o processo, a dignidade humana, o referencial ético.
Já Rabelais, no século XVI, dizia: «A ciência sem consciência não passa de ruína da alma.»
Olhar o indivíduo apenas como um sistema de interacções moleculares, em substituição da pessoa humana, agride todos os conceitos éticos, morais, religiosos e sociais da actualidade.
A Declaração dos Direitos e Liberdades Fundamentais, adoptada pelo Parlamento Europeu, em 12 de Abril de 1989, afirma no seu artigo 1.º: «A dignidade humana é inviolável.»
Este é, seguramente, um dos limites a impor à evolução da biomedicina e da biotecnologia: a inviolabilidade da dignidade humana e da integridade da pessoa.
Mas como? Legislando? Criminalizando?
É difícil legislar sobre matérias pouco conhecidas, cuja evolução é muito rápida, pois arriscamo-nos a prever o que já deixou de existir ou a reprimir aquilo que nunca existirá.
Como diz Poppen «Temos de caminhar no desconhecido, no incerto e no inseguro. E porque temos de fazê-lo, a tolerância constitui um dos imperativos éticos mais importantes no mundo moderno. Ela é, hoje, incomparavelmente mais importante do que terá sido no mundo fechado de Platão ou de Tomás de Aquino.
Para podermos dar resposta às nossas tarefas do futuro, temos de estar abertos a tudo o que é novo.»
A incriminação das técnicas biomédicas implicaria, assim, o sacrifício da liberdade da investigação científica, com todas as frustrações que daí resultariam para o futuro da humanidade.
Como se refere no relatório do Professor Stefano Rodotá, apresentado em Estrasburgo em Novembro de 1989, «constatando a lentidão, ou a prudência, da intervenção legislativa neste sector, observa-se uma espécie de demissão do direito ou do jurista e uma transferência da função de regulamentação para outros sistemas e para a ética, em primeiro lugar».
Assiste-se ao avanço e ao perigo das manipulações genéticas. É uma nova era dos descobrimentos, agora no microcosmo.
A barreira-o obstáculo à aventura humana, desumana e transumana terá de ser necessariamente cultural. E será principalmente na ética que a vamos encontrar.
O relatório do Professor Rodotá; a que já me referi, num esforço para encontrar, na área da bioética, princípios comuns possíveis, apesar de controversos, sugeriu os seguintes: primeiro, o respeito pela dignidade humana e pela integridade da pessoa; segundo, a fixação do estatuto do embrião, limitado ao interesse do próprio embrião; terceiro, o direito à identidade, isto é, o direito a um património genético não manipulado; quarto, o direito de cada um de conhecer a sua origem biológica; quinto, o direito de procriar, ligado necessariamente à responsabilidade resultante da procriação; sexto, o direito ao próprio corpo, sujeito aos limites da dignidade e da integridade.
São estas as preocupações legítimas do nosso tempo e é este o imperativo de salvaguarda dos grandes valores culturais.
É esta a justificação para criar o Conselho Nacional de Bioética, previsto na proposta de lei em debate, que a bancada do PSD apoia.
Este Conselho Nacional de Bioética deverá ser a reunião da qualidade científica e técnica com o pluralismo ético e espiritual.
Emitirá pareceres consultivos que terão sobre as leis a vantagem da sua mais fácil adequação aos avanços da ciência.